O italiano Gildo Zegna aparentava uma certa ansiedade na tarde da quarta-feira, 24 de abril. Aos 67 anos, sentado em uma sala reservada do hotel Park Hyatt Sydney, com privilegiada vista para a Harbour Bridge, cartão-postal da mais populosa metrópole da Austrália, ele terminava naquele instante uma exaustiva maratona de dois dias de entrevistas para cerca de 160 jornalistas de 31 países. Esse verdadeiro “exército” estava na cidade por conta de Gildo e da companhia de sua família, fundada pelo avô em 1910, a Ermenegildo Zegna. O empresário e seu irmão, Paolo Zegna, 56 anos, foram os cicerones da 50ª edição do Troféu Wool Awards, criado em 1963 pelo pai deles, Angelo, para premiar anualmente o melhor produtor de lã australiana, matéria-prima essencial para a confecção das roupas da grife. 

 

114.jpg

Gildo Zegna, CEO da companhia têxtil de luxo Ermenegildo Zegna:

“Quando penso no Brasil, olho para o México. Eles acharam rápido

um caminho para atrair novos investimentos”

 

Jantares com autoridades locais, visita às fazendas, desfile e festa para 1.500 convidados no Salão Real das Indústrias de Sydney completaram a agenda do executivo, naquela semana. Seus intensos olhos azuis não esboçavam qualquer cansaço. Ao contrário, estavam ansiosos para saber mais do Brasil. E nada tinha a ver com o futebol ou a Copa do Mundo no País – ainda que ele tenha comentado, confiante, que a sua Squadra Azurra, como é conhecida a seleção de calcio italiana, estará prontíssima para o campeonato –, mas sim com um assunto que o aflige diretamente: a taxação aos produtos importados imposta pelo governo brasileiro. São tantos os tributos que eles desapontam o empresário. 

 

“O Brasil é o país mais caro do mundo para se fazer negócios! E para se viver também”, afirmou ele à Dinheiro, com exclusividade. Sua preocupação tem origem no desempenho de suas sete lojas no País. Sem abrir números, ele se mostrou satisfeito, mas deixou claro que o resultado “poderia ser melhor”. Em sua análise, com a economia local andando de lado e o preço de seus ternos acima dos praticados no mercado (a partir de US$ 2,8 mil), as vendas ficaram aquém do que poderiam. “Fico pensando quão grande será o mercado de luxo no Brasil se vocês não se abrirem”, diz. E não se trata nem de comparar o mercado de luxo brasileiro com o chinês, por exemplo, que consome 50% de tudo que a Zegna produz em suas tecelagens. 

 

115.jpg

Mais bicho, menos gente: o rebanho de ovelhas na Austrália, 64 milhões

de cabeças, é quase três vezes maior que a população

23 milhões de habitantes

 

“Quando penso no Brasil, olho para o México”, afirma. “Antes era ao contrário, mas eles acharam rápido um caminho para atrair novos investimentos.” Não que Gildo tenha do que reclamar. As empresas da família fecharam 2012 com um faturamento de 1,26 bilhão de euros, um crescimento de 11,9% em relação ao ano anterior. Em números totais, são 543 lojas espalhadas por 100 países, das quais cerca de 300 são próprias. Além das roupas classudas que seduzem 9 entre 10 homens do planeta, o grupo produz agora moda feminina, com cashmeres e peças leves com a etiqueta Agnona, e vende seus tecidos para diversas outras maisons, como a Armani. Ou seja, Gildo tem motivos de sobra para continuar sorrindo à toa. “Somos grandes, mas não tão grandes assim”, diz, aparentando modéstia. 

 

“Estamos no top 10.” O que o inquieta, entretanto, é a política brasileira que sobretaxa excessivamente o produto importado que entra no País. Na ponta final, essa tributação afugentaria o consumidor interno, que prefere comprar a mesma gravata Zegna, mais barata, no Exterior. Na base, os impostos e a burocracia tirariam a oportunidade do próprio setor produtivo de se desenvolver. Vale lembrar que o grupo Zegna tem fábricas fora da Itália, como na China, na Índia e no México. Por isso, ele quase suplica: “Rapazes, abram-se! Deem-nos a chance de fazer negócios de maneira mais fácil!” (leia mais da entrevista ao final da reportagem). O empresário cita, ainda, a Austrália como exemplo bem-sucedido do que poderia ser feito no Brasil. “Aqui, incentivamos os produtores locais, adquirimos sua lã e ajudamos a construir a infraestrutura do país nas últimas décadas”, afirma.

 

116.jpg

Futuro cinzento: desfile cápsula da marca mostrou que o cinza será a cor da elegância

no verão do Hemisfério Norte

 

HISTÓRIA ANTIGA A relação da Ermenegildo Zegna com os australianos vem do começo do século passado. Desde a fundação, a empresa tem sido uma das maiores compradoras de lã merino da Austrália. Atualmente, mais de 100 criadores vendem suas safras para a Zegna. Com um rebanho de 64 milhões de ovelhas, para uma população de 23 milhões de habitantes, o país produz 350 mil toneladas de lã por ano – sete mil destas do cobiçado fio ultrafino ou fino merino. Dessa parcela, mil toneladas, desembarcam em Trivero, cidade que abriga o Lanifício Zegna, onde a lã é tratada e processada, ganhando texturas, forma de tecido e cores. “Meu pai já nos dizia: a lã merino da Austrália não é uma commodity. É um produto valioso”, disse Paolo Zegna, presidente da companhia.

 

A lã merino australiana é valorizada sobretudo pela espessura, leveza e resistência do seu fio. Para ser considerado fino, o fio precisa ter menos do que 19,5 microns de espessura. Para se ter uma ideia, equivale a menos de um terço de um fio de cabelo, que tem cerca de 60 microns. Os tecidos Trofeo, da Zegna, usam fibras ultrafinas, com 18,5 microns. Há variações ainda mais nobres, como o Milmil, de 13 microns, muito usado nos ternos feitos sob medida, encomendados pelo serviço Su Misura da marca. Em 2010, ano do centenário da empresa, foram produzidos 20 ternos com lã originada de fios finíssimos, com 10 microns, obtidos em uma safra única e minúscula, sete anos antes. O valor desses costumes bateu os US$ 12 mil cada um e foram vendidos a clientes especiais. 

 

117.jpg

 

 

Atualmente, a China, com 364 mil toneladas, é a maior produtora de lã do mundo, tem o maior rebanho de ovelhas, de cerca de 129 milhões de animais, e, portanto, determina o valor da lã bruta no mercado (ver quadro na página 82). Contudo, se os chineses são parte do problema por derrubarem pela metade o preço do quilo da lã ultrafina, de US$ 24,5 para US$ 12,7, em dois anos (dados da Awex), são eles também a solução. A China é a maior cliente dos fazendeiros australianos. “Os chineses compram mais de 70% da nossa produção”, diz Scott Carmody, analista de mercado da Australian Wool Innovation Limited (AWI), entidade que administra a comercialização da lã no país. “O custo mais baixo da manufatura chinesa também tem pressionado os outros países produtores, agravando a crise.”

 

O reflexo desse cenário já preocupa o produtor. Na fazenda Europambela, em Armindale, a 485 km de Sydney, o assunto é conversado no pasto, que abriga um rebanho de 15 mil ovelhas. Ali, entre os meses de junho a agosto, acontece a tosquia dos animais em idade produtiva. Como a raça merino é longeva, vive de seis a oito anos, cada animal rende uma safra de lã por ano. O manejo por animal é de US$ 41 a cada 12 meses. Cada ovelha produz até 3,5 quilos de lã superfina bruta que, depois de lavada, perde a lanolina (gordura natural do velo) e termina com peso final 2 quilos. Na boca do caixa, esse pacote vale, em média, US$ 35. “O que eu posso garantir é que dias melhores virão”, diz Gildo, para quem o problema é uma questão do mercado. 


118.jpg

Lã não é commodity!: Paolo Zegna, presidente do grupo,

diz que a matéria-prima de seus tecidos agrega valor desde

a tosquia até a roupa pronta

 

“O que fazemos com os fornecedores daqui é buscar alternativas para a lã merino no mercado global, criando novos tecidos e vendendo a outros países, como o México.” Com esse espírito otimista, o executivo recebeu os 1.500 convidados para a festa que a marca organizou no centro de Sydney, na terça-feira 23. Champagne, passarela armada para o desfile de ternos, video-instalação, entrega dos troféus e festa com banda sensação na Ásia-Oceania. Gildo permaneceu pouco na balada; o irmão Paolo esticou mais. Ele até arriscou uns passos de dança no camarote vip. O high society australiano marcou presença, bem como atores e atrizes do cinema. 

 

Alheio aos humores do mercado e às badalações, o australiano Trevor Watson, 40 anos, fazia o seu trabalho na véspera como tosquiador na Europambela. Na temporada de tosa, ele tosquia cerca de 200 ovelhas por dia. Dá uma média de oito animais por hora, um a cada sete minutos e meio, segurando no braço. Pelo trabalho, Trevor ganha US$ 2,70 por ovelha, pouco mais de US$ 4,1 mil por mês ou US$ 49 mil ao ano. Daria para comprar um terno Zegna, até aqui, no caríssimo Brasil. “Mas nunca vi um, nem sequer toquei num terno desses na vida”, afirma. “O que não é um problema para mim, porque sou apaixonado pelo que faço.” Como se diz, enquanto houver amor, há esperança de dias melhores, tal e qual profetizou o signore Gildo. 

 

119.jpg

 

 

 

Entrevista (íntegra)

 

“Estar mais aberto ao trade é o que o Brasil deveria fazer”

 

Neto do fundador da marca italiana Ermenegildo Zegna, Gildo Zegna, o CEO da companhia reconhecida pelos tecidos de lã e pelos ternos poderosos e impecáveis, conversou com DINHEIRO em Sidney, Austrália, e se disse preocupado com o futuro do mercado de luxo brasileiro. Confira.

 

Qual o tamanho da Ermenegildo Zegna hoje?

Somos grandes, mas não tão grandes, se você comparar a outras marcas de luxo. Representamos 10% da produção têxtil mundial e faturamos 1,26 bilhão de euros, em 2012. Operamos em mais de 100 países, com 300 lojas próprias. Além das roupas e acessórios, lançamos uma fragrância, a Essenza Di Zegna, feita com bergamota italiana, a melhor da Calábria (risos)! Compramos a flor, fazemos a essência, é incrível! Eu uso. Lançamos também um relógio em parceria com a companhia suíça Sowind Group (Girard-Perregaux) e teremos uma edição especial do esportivo Maserati, no ano que vem. Uma edição limitada, em parceria com Fiat, e com utilização de lã merino no interior.

 

Como vai a operação no Brasil?

Tem sido positiva, mas poderia ser melhor. Estamos com uma presença forte, com posições em grandes lojas e shoppings, mas não tem acontecido como deveria. Isso porque o momento no Brasil é de estagnação para esse segmento. E penso que em toda a América Latina, o ano será assim. Espero que as vendas melhorem. Temos lojas em Brasília, Curitiba, três em São Paulo, duas no Rio. A previsão para o mercado latino não é muito otimista e minha preocupação é se o Brasil consegue voltar a crescer. Esta é minha preocupação.

 

Mas o que tem deixado o senhor tão preocupado?

O problema do preço é realmente sério. O Brasil é, atualmente, o país mais caro do mundo para se fazer negócios! E para viver também. Por contas das altas taxas de importação, fica muito difícil levar os produtos para lá , os processos são longos… E eu digo: “Rapazes, abram-se! Dêem a nós a chance fazer negócios de maneira mais fácil!” E a Austrália seria um bom exemplo disso.

 

124.jpg

A lã ainda no animal

 

Por quê?

Porque aqui nós criamos empregos, investimos nos nossos parceiros e criamos a infra-estrutura. E não é fácil fazer o negócio que fazemos. Fico pensando o quão grande será o mercado de luxo no Brasil se vocês não se abrirem. Tenho discutido essa questão com muita gente, buscando soluções. Não posso comparar o Brasil à Argentina, por exemplo, mas olho para o México quando penso em vocês. Eles reagiram de um jeito interessante a crise americana, criaram estratégias para atrair novos investimentos globais, então, se tornaram um exemplo. Costumava ser diferente: o México estava estagnado e o Brasil crescia. Agora, não. E eles conseguiram isso rápido. Na América Latina, Chile está fazendo algo nesse sentido, o Peru está fazendo isso… Este assunto não preocupa, no Brasil? O que diz o governo?

 

Sim, mas o governo Dilma não parece estar aberto a mudar essa política.

Mas isso é um equívoco. Estar mais aberto ao trade é o que o País deveria fazer. Tornar mais fácil para as marcas entrarem e para o consumidor local poder comprar mais, a preços de mercado. Porque manter os impostos como estão fazem os brasileiros comprarem mais fora do País do que lá dentro.

 

Voltando a Austrália, na visita a uma das fazendas em Armindale, a 485 quilômetros de Sidney, notei uma certa preocupação dos criadores com a queda dos preços do quilo do fio ultrafino merino, nos últimos anos. E a “vilã” da história seria a China, com sua produção recorde de lã. É um dilema para a Zegna ter o seu maior cliente nas vendas agindo, ao mesmo tempo, na base da cadeia do seu negócio?

O que eu posso dizer é que dias melhores virão. Não posso interferir no mercado chinês. Sim, eles têm determinado a baixa do preço da lã e o que podemos fazer aqui com os fornecedores é buscar alternativas para a lã merino, no mercado global, como vender a outros países, como o México.

 

O risco de perda de qualidade da matéria-prima por conta dessa oferta chinesa não o preocupa?

Não acho que a China seja um grande competidor da lã merino australiana. Sim, acho isso triste, mas penso que os produtores daqui têm de estar preparados para quando tudo isso melhorar. O que a corporação Zegna pode fazer é continuar dando esse apoio e ajudar a encontrar novos caminhos para a lã merino, como o tecnowool, um tecido de lã fino, leve e resistente, que desenvolvemos para roupas esportivas. O que não podemos é ir contra as leis do mercado.

 

125.jpg

O velo bruto leva à mesa de separação

 

Essa turbulência não o surpreende então?

Infelizmente, isto não é um fenômeno isolado. Já aconteceu muitas vezes na longa história da lá aqui. E hoje você sente isso na Austrália, com os fazendeiros, e talvez, amanhã, na indústria de calçados do Brasil. Se você andar na região de Trivero (sede do Lanifício Zegna, na Itália) vai encontrar mais tristeza, porque muitas companhias fecharam, por não se terem se preparado para a crise. Por exemplo, se o iene cair 15% no Japão, sei que vou perder mercado lá e tenho de saber gerenciar isso.

 

Qual é a saída?

Ter uma base sólida e estar preparado para buscar novos mercados. Volto ao exemplo do Brasil e do México. Antes, o primeiro era um mercado mais forte para nós. Agora é ao contrário, e estou aumentando os investimentos no México. Eu não vou chorar porque o Brasil deveria estar em outro patamar e não está. Não! É preciso movimentar-se, criar um novo mercado e apostar. É assim, não há solução perfeita

 

Recentemente, o senhor disse em entrevista que a Zegna precisava rejuvenescer, ficar mais sexy… É um tipo de crise de meia idade ou só adaptação do produto?

Eu disse isso (risos)? Acho que foi referente a se adaptar a esse novo mercado, de como crescer mais e como se manter atraente aos leais clientes e aos novos, também. A própria vinda do nosso novo diretor criativo, Stefano Pilati (ex-Yves Saint Laurent), foi por isso. Não há crise.

 

Diretamente de Sydney (Austrália)