O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta terça-feira, 17, um pedido da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para anular o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Moraes afirmou que o pedido é “impertinente”. Segundo ele, cabe ao relator da ação penal “indeferir os pedidos e as diligências consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”.

Com base em reportagens da revista Veja, que divulgou diálogos atribuídos a Cid por meio de um perfil no Instagram em nome de “Gabriela” (@gabrielar702), defensores do ex-presidente alegaram que seu ex-ajudante de ordens quebrou o sigilo da própria delação.

O advogado Celso Vilardi chegou a questionar Cid sobre as conversas durante o interrogatório na ação do plano de golpe, no último dia 9, antes da divulgação dos diálogos. O tenente-coronel negou ter usado perfis nas redes sociais para se comunicar com aliados. Ao pedir a rescisão da delação, a defesa de Bolsonaro alegou que o ex-ajudante de ordens mentiu no depoimento.

A decisão de Moraes não fecha as portas para o STF analisar a validade da delação de Mauro Cid. O ministro considerou que esse não é o momento adequado do processo para isso. A tendência é que a Primeira Turma da Corte se debruce sobre a colaboração ao final do processo, após a etapa de produção de provas.

Moraes já havia determinado que a Meta compartilhasse informações sobre a conta supostamente usada por Cid no Instagram.

A situação do ex-ajudante de ordens se complicou com a divulgação completa das conversas pelo advogado Eduardo Kuntz, que alega ser o interlocutor do delator nos diálogos revelados pela Veja. O criminalista enviou anteontem ao Supremo a íntegra das conversas e áudios.

Procurada, a defesa de Mauro Cid afirmou que não analisou os diálogos e não confirmou a autenticidade das mensagens.

‘Estratégia’

Em entrevista ao Estadão, Kuntz disse que decidiu tornar as mensagens públicas por “estratégia”. O material foi encartado na ação penal contra o núcleo três – ou “núcleo de ações coercitivas” – do plano de golpe. Um dos réus no processo é o coronel Marcelo Câmara, cliente do advogado. “Os diálogos deixam claro que não houve voluntariedade e espontaneidade, requisitos essenciais para a licitude da colaboração”, afirmou o criminalista.

Nas conversas, o interlocutor apontado como Cid faz críticas a Moraes, ao delegado Fábio Shor – que conduz e conduziu investigações envolvendo Bolsonaro, incluindo o inquérito do golpe – e insinua que as informações prestadas em seu acordo de colaboração premiada estavam sendo distorcidas.

O objetivo seria, segundo ele, associar Bolsonaro e seus aliados ao plano de golpe. “Eles já têm o final da história. Agora têm que construir o caminho.”

O perfil atribuído a Cid também afirma que o delegado Fábio Shor “recebeu um objetivo” e só estava “preenchendo lacunas” e “criando narrativas”.

E escreve ainda que Moraes já devia ter a sentença do caso pronta. “Os advogados podem fazer a melhor das petições… Ele nem vai ler.”

O ex-ajudante de ordens, conforme Kuntz, confidencia ainda nos diálogos que todos os dias acordava às 5h “esperando a PF”. “O mais f… é sentir que eu estou ferrando todo mundo… Fruto de uma perseguição que eu não tive maldade que iria acontecer.”

Moraes analisou pedidos de diligências apresentados pelas defesas na ação penal sobre as lideranças do plano de golpe. Após os interrogatórios das testemunhas e réus, o processo entrou na etapa de produção de provas complementares, uma das últimas antes do julgamento.

Diligências

Tanto a acusação quanto as defesas podem solicitar novas investigações, perícias e acareações. Os pleitos são dirigidos ao relator, que pode acolhê-los ou rejeitá-los. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, dispensou a realização de novas diligências.

As defesas dos ex-ministros Walter Braga Netto e de Anderson Torres solicitaram acareações. A defesa de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, pediu que o STF oficie a Força a prestar esclarecimentos sobre a “Operação Formosa”, de agosto de 2021. Na ocasião, blindados desfilaram na Esplanada dos Ministérios de forma concomitante à votação, no Congresso, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que visava instituir o voto impresso.

A movimentação foi alvo de perguntas de Moraes a Garnier durante o interrogatório do almirante. O militar alegou que houve somente uma “coincidência” entre o desfile e a pauta dos congressistas.

Minuta golpista

Na decisão de ontem, o ministro do STF ainda determinou que a plataforma Google identifique quem colocou na internet uma cópia da minuta golpista que previa a anulação do resultado da eleição de 2022. Em seu interrogatório, Torres negou a autoria do documento e afirmou que uma versão da minuta já circulava na internet antes da apreensão do arquivo na casa dele, em janeiro de 2023.

Segundo os advogados, a perícia poderia demonstrar que o material encontrado com Torres não está relacionado com os demais esboços com medidas de exceção que ensejam a acusação.

‘O cara botou a palavra golpe (…) Quem perdeu tudo? Fui eu’

O tenente-coronel Mauro Cid teria se queixado em vários momentos de ter sido abandonado pelos bolsonaristas, segundo mensagens supostamente enviadas por ele por meio do perfil “@gabrielar702”, da rede social Instagram.

“O Braga Netto, quatro estrelas, chegou ao topo… reserva. General Heleno, chegou ao topo… reserva. Presidente, ganhou milhões aí em pix, chegou ao topo. Tudo bem, todo mundo no mesmo barco. E quem que se f…? Quem perdeu tudo? Fui eu”, afirmou o perfil atribuído a Cid.

“Quantos deputados vieram me visitar? Quantas vezes publicaram algo nas redes sociais para eu ser solto? Nikolas? Bia Kicis? Gayer? Zambelli?”

Mauro Cid foi retirado da lista de postulantes à promoção de coronel pelo Exército, em meio às investigações. Em uma das mensagens, o militar teria reclamado de ter perdido a carreira e a “vida financeira”.

Nos áudios enviados pelo criminalista Eduardo Kuntz, ele nega que Bolsonaro e seus aliados tenham articulado um plano de golpe. “O cara botou a palavra golpe, cara. Eu não falei uma vez a palavra golpe. Foi furo, foi erro, foi, sei lá.” (COLABOROU JULIANO GALISI)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.