DINHEIRO – Vários analistas têm dito que o Brasil vive um momento mágico na economia. O sr. concorda?
DELFIM NETTO – É um momento especial, aqui e lá fora, que nos permite corrigir os erros do Fernando Henrique, que puxou a carga tributária de 25% para 36% do PIB e a dívida interna de 30% para 57% do produto, sem falar no buraco das contas externas. Sem o vento a favor que veio de fora, o Lula teria tido dificuldades monumentais. Mas além desse bafejo que veio de fora, o Lula teve a sabedoria de arrumar a casa no primeiro mandato. Nossa sorte é que ele sempre soube mais do que os seus economistas. Talvez por nunca ter feito um curso de economia.

DINHEIRO – O bom cenário vai durar?
DELFIM – Hoje, além de estarmos repetindo um ciclo de expansão como o dos anos 60, temos um novo centro de gravidade, que é a China. Eles estão comprando 20% dos metais do mundo e, com isso, os preços de todas as commodities estão subindo muito, favorecendo o Brasil. Para completar, os Estados Unidos viraram a lata de lixo do mundo, com um déficit comercial gigantesco. Isso contribui para a queda do dólar e realimenta o ciclo de alta das commodities. Só que, agora, isso não gera mais inflação, em função dos efeitos da globalização. Sem inflação, os juros não sobem. E veja o que acontece: a alta dos preços ajuda no comércio e a estabilidade dos juros permite que a dívida não cresça. É fantástico.

DINHEIRO – Mas, de novo, vai durar?
DELFIM – Houve uma mudança estrutural na economia brasileira. Mas ninguém pode negar que a taxa de juros brasileira está equivocada, embora o governo insista em dizer que isso não tem importância. E hoje a commodity mais demandada do mundo não é o etanol, o petróleo ou a soja. É o real. Nada paga tanto quanto o real. Sem esse erro da taxa de juros, a moeda brasileira deveria estar em R$ 2,25.

DINHEIRO – Apesar disso, muitos prevêem redução da dívida e aceleração do crescimento. O sr. acredita nisso?
DELFIM – Esse cenário está se aproximando. O ano de 2007 é particularmente extraordinário. A receita do governo vai aumentar por conta do crescimento do PIB. A despesa vai cair em função da queda, por gravidade, dos juros. Vai sobrar uma montanha de dinheiro. E o governo deveria aproveitar para conter os gastos correntes. Além disso, como hoje há mais dinheiro para investir e os projetos não estão andando, ficou claro que o governo não tem mais capacidade de planejar. Não tem projeto.

DINHEIRO – O PAC realmente existe?
DELFIM – Existe, mas boa parte dele é desenho, é caricatura. Tem lá a ponte, mas não tem o cálculo da ponte. E existe um outro grande problema. O governo não conseguiu convencer o setor privado de que não vai faltar energia. Isso poderá inibir investimentos no futuro.

DINHEIRO – Haverá outro apagão?
DELFIM – É mais grave. Como o Brasil perdeu a capacidade de planejar, o País acabou se metendo num programa de termelétricas em 2001, ano do apagão, com custos muito maiores do que os da energia hídrica. Agora, as térmicas ficaram ainda mais caras e acabaram viabilizando uma usina nuclear. Das duas uma: ou falta energia, ou ela chegará de forma muito mais cara.

DINHEIRO – Fora da macroeconomia, quais são os outros movimentos que o sr. tem acompanhado no governo?
DELFIM – Nos tempos neoliberais, a tendência era de uma certa “Estadofobia”. Agora, há sinais de “Estadolatria”. Veja essa idéia nacionalista de se criar uma grande empresa brasileira de telecomunicações. Vamos criar um Tiranossaurus Rex. Aqui, a competição é fundamental. Uma das poucas coisas decentes do governo Fernando Henrique foi a privatização. Essa “Estadolatria” é fruto do aparelhamento do Estado. Veja o caso dos fundos de pensão. Eles são importantes, mas em nenhum lugar do mundo fundo de pensão dirige. Hoje, o Sérgio Rosa, da Previ, é uma das pessoas mais poderosas do Brasil. Quase igual ao Antônio Ermírio de Moraes.

DINHEIRO – Privatização virou palavrão?
DELFIM – O controle das empresas pela burocracia estatal não vai levar a nada. Vai criar dinossauros que continuarão comendo as entranhas do Brasil.

DINHEIRO – O que explica a força do Lula, depois de tantos escândalos?
DELFIM – O fato é que ele tem vantagens insuperáveis. A primeira é nunca ter feito universidade, o que não lhe dá condicionamentos. A segunda é nunca ter sido comunista. A terceira é ser um católico fervoroso. E a quarta é ser o único político brasileiro sincero quando fala dos pobres. Para os outros, o pobre é um objeto de estudo, que deve ser mantido a distância.

DINHEIRO – Os tucanos têm futuro?
DELFIM – O PSDB sempre foi um partido social-democrata sem base de trabalhadores. Toda crítica deles ao Lula decorre do fato de não poderem se apoderar do Lula, da linguagem dele e da sua eficácia na comunicação. Além disso, é um partido paulista.

DINHEIRO – Pesquisas apontam que a população apoiaria um terceiro mandato de Lula? Há esse risco?
DELFIM – Se o Lula tivesse curso universitário, certamente cairia em tentação. Como não tem, não cairá. O cenário para mim é claro. Se não acontecer nada de extraordinário no mundo, o Brasil vai crescer 4,5%, 5%, 5,5% e o Lula vai fazer o sucessor. Depois, ficará em São Bernardo do Campo esperando 2014.

DINHEIRO – E quem está no jogo?
DELFIM – Se o PAC funcionar, a Dilma Rousseff será uma candidata séria. O Tarso Genro, que é um intelectual com uma visão moderna de socialismo, é outra alternativa. E até o Henrique Meirelles é uma possibilidade. Posso ter dúvidas sobre a política monetária, mas não sobre o Meirelles.