11/09/2002 - 7:00
Uma imponente porta de ferro batido, com quatro metros de altura, marca a entrada em um mundo faraônico, bizarro, luxuoso ? ou, simplesmente, único. E serve como um resumo do que se encontrará ao cruzá-la: a versão edificada da personalidade de um homem que foi um ícone do poder no seu tempo. O magnata da mídia William Randolph Hearst
(1863 – 1951) deparou com o portal, pela primeira vez, há
quase cem anos ao visitar um mosteiro do século XIII na
Espanha. Num impulso irrefreável, arrematou a construção e
gastou uma fortuna para que ela fosse inteiramente desmontada e colocada em um navio cargueiro. Hearst imaginava remontá-lo no topo de La Cuesta Encantada, fabulosa propriedade da família, entre o mar e a montanha, em San Simeon, a meio caminho entre São Francisco e Los Angeles, na Califórnia (EUA). Quando a encomenda chegou ao destino, o milionário mudou de idéia. Constatou que, dentre toneladas de pedras seculares, o que realmente havia lhe seduzido era o fabuloso portão metálico. Transformou o resto em entulho e a peça, incluiu-a em seu mais delirante projeto: o Castelo Hearst, destino obrigatório em qualquer tour pelas mais fantásticas mansões do mundo.
Nos livros oficiais, a autoria do mirabolante projeto arquitetônico cabe à arquiteta americana Julia Morgan, famosa na época pela queda pelo barroco. Digamos que os desenhos finais sejam dela. Cada coluna, cada janela, cada cômodo do imenso complexo ? erguido durante três décadas por um custo, à época, de US$ 5 milhões ? tem a assinatura de Hearst, que supervisionou a construção com a mesma mão-de-ferro com que controlava seu império da mídia, que incluía 26 dos jornais e 16 das revistas mais influentes dos Estados Unidos. O magnata ? inspirador do personagem Charles Foster Kane, protagonista do filme Cidadão Kane, de Orson Welles ? não tinha pudores, inclusive estéticos. No Castelo Hearst, uma impressionante coleção de antigüidades e obras de arte convive (nem sempre em perfeita harmonia) com réplicas ostensivamente falsas. Numa sacada, o parapeito é esculpido no mármore branco recolhido em um sarcófago romano do século II. Em um dos 42 quartos, a cama de nogueira negra é a mesma em que, no século XVIII, na França, repousou o cardeal Richelieu.
Hearst ? cujo sobrenome voltou às manchetes nos anos 70, quando sua neta Patricia foi seqüestrada e reapareceu como integrante do grupo terrorista Exército Simbionês de Libertação ? também não tinha limites. O excesso é marca registrada de cada ambiente, um mais exaustivamente decorado que o outro. Capítulo à parte são as piscinas. A externa, batizada de Piscina de Netuno, é um verdadeiro templo kitsch em estilo romano. Do espelho d?água emergem esculturas de Verrochio e Canova, preciosíssimas caso fossem autênticas. Já a Piscina Romana, onde o proprietário dava invernais braçadas noturnas, lembra uma sauna turca ultra-sofisticada. Vidros azuis e dourados, especialmente produzidos em Murano (Itália), revestem paredes e o teto, que recebeu também centenas de pequenos globos luminosos. À noite, sua luz refletia na água, dando a sensação de estar nadando em um céu estrelado. Hearst sonhou com essa imagem ? e a fez real. Hoje, ela não é privilégio de um magnata. O Castelo Hearst recebe cerca de 20 milhões de visitantes por ano para visitas guiadas (informações pelo tel. 00xx1 805-927-2020 ou pelo site www.hearst-castle.org) por um delírio megalomaníaco.