17/10/2025 - 7:00
Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, o diretor-geral da 99 no Brasil, Simeng Wang, defende-se das acusações feitas no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) contra a empresa por práticas anticoncorrenciais. “A gente pratica tudo dentro da lei e das regras do mercado”, diz, referindo-se aos contratos de exclusividade fechados pela empresa com restaurantes.
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“A gente não acredita que isso impede outros players de entrar. Porque no final são muito poucos [os restaurantes que assinam contratos de semiexclusividade e de exclusividade]. Tem milhares, milhões de restaurantes que estão disponíveis para trabalhar com todo mundo, para assim ajudar realmente a quebrar esse monopólio”, segue Wang.
A 99Food vive um paradoxo: ao mesmo tempo em que adota um discurso antimonopólio no setor de delivery de comida pronta, enfrenta uma acusação de práticas anticoncorrenciais em função dos contratos de exclusividade e semiexclusividade que vieram a público pela primeira vez em agosto.
Na ocasião, a IstoÉ Dinheiro publicou que estes contratos não são padronizados, porém há versões que impedem o cadastro em plataformas concorrentes, como Rappi e Keeta, ou até limitam o número de unidades da rede que podem ter exclusividade com o iFood na mesma cidade. Na entrevista feita nesta semana, Wang afirma que alguns preferem ficar apenas na 99. Como contrapartida, são oferecidos incentivos financeiros.
Pouco após a informação sobre os contratos vir a público, a Keeta foi ao Cade para tentar impedir esta prática. No começo de outubro, o Rappi solicitou ingresso na ação como parte interessada.
Simeng Wang reforça na entrevista sua crença nestes contratos como forma de superar a concentração do mercado de delivery. “A gente é feliz de ver que o concorrente principal tem mudado nas cidades que a gente lançou: tem investido mais para consumidores”, diz. “O mercado vai ganhar mais eficiência e escala. Todo mundo investindo consegue chegar nessa escala mais rápido, de ter mais eficiência, mais rápidamente, com melhores produtos.”
Brasil é o foco da 99
Em sua comunicação oficial, a 99 repete várias vezes o discurso sobre melhorar o mercado como um todo. “A 99 quer ser esse player que lidera uma nova era de investimento, que lidera inovação para transformar essa indústria”, diz Wang. “Conseguimos sonhar com um super app com mobilidade, food e a fintech“, destaca.
O sucesso da estratégia ditará rumos não apenas para o 99Food, como para o grupo chinês Didi como um todo. Controladora da 99 desde 2018 (antes, a empresa foi a primeira startup brasileira a atingir valor de US$ 1 bilhão), a holding definiu o Brasil como seu mercado prioritário. É um dos motivos pelos quais a empresa considera que terá sucesso agora, em contraposição a tentativa anterior de lançar o delivery de comida no país, encerrada em 2023.
“A gente estava lançando, eu pessoalmente estava lançando mobilidade em países na Europa. A empresa tinha várias iniciativas, isso não funciona”, recorda Wang. “Brasil é muito grande, muito diferente. Demanda o foco estratégico do grupo. Isso foi o maior aprendizado da 99 quando nós saímos. Foi um fracasso.”
Agora, a situação mudou. “No fim do ano [de 2024], o grupo Didi fez uma reunião estratégica e definiu que, nos próximos anos, o Brasil é o mercado mais estratégico do grupo, que recebe toda atenção, todo o investimento para que a gente possa ser bem-sucedido. Isso é fundamental.”
Mais escala com taxas menores
Durante o lançamento no segmento 99Food em São Paulo, o executivo explicou que a visão a longo prazo do grupo ainda assim é ganhar mais com escala do que com taxas: ter mais pedidos e mais restaurantes, para sustentar um negócio com menos cobrança dos clientes e colaboradores.
Atualmente, a empresa informa contar com cerca de 55 milhões de brasileiros cadastrados na sua plataforma, habilitados assim para usar um dos diferentes serviços: mobilidade, entrega de comida ou conta bancária pelo 99Pay. Os dados de faturamento não são divulgados.

Nas cidades em que seu delivery de comida foi lançado neste ano — Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro e suas respectivas regiões metropolitanas –, a empresa encomendou em parceria com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) pesquisas sobre o tamanho dos gastos dos consumidores e estabelecimentos brasileiros com delivery. O resultado foi uma pressão do órgão para que o iFood também diminuísse as cobranças.
A empresa também tem uma estratégia agressiva de preços para consumidores e entregadores, com uma grande quantidade de cupons de desconto nos pedidos e bônus de até R$ 250 por dia para os motociclistas e ciclistas que baterem metas nos primeiros dias em uma nova cidade. Questionado sobre a sustentabilidade deste modelo, Simeng Wang afirmou que as gratuidades e descontos são passageiros. “Isso nos permite um futuro de rentabilidade”, disse.
A estratégia está dando certo?
A 99 não divulga os indicadores de desempenho que tem utilizado para avaliar seu sucesso. Questionado, o diretor-geral desvia para seus clientes e parceiros, afirmando que o objetivo principal da empresa hoje é aumentar o tamanho do mercado de delivery no país.
“A gente começou a ver o mercado realmente crescer. A nossa tese principal: investir aqui para que o mercado cresça. Temos feedback de vários restaurantes contando que aumentaram as vendas em 40% ou 50%, e isso nos deixa muito felizes. Também os entregadores conseguiram aumentar ganho”, afirma.
Outra métrica, segundo o diretor-geral, seria a ausência de bugs. Todavia, após a entrevista e no dia seguinte ao lançamento no Rio de Janeiro, o aplicativo da empresa enfrentou uma pane de mais de 24 horas. Os motivos não foram explicados, e a empresa comentou apenas que buscou resolver a situação o mais rápido possível.
Em menos de um ano, empresa dobra investimento
Apesar da ausência de mensuradores exatos, a empresa enviou um sinal de que está atingindo seus objetivos ao anunciar em setembro um aumento de 100% nos investimentos no 99Food. Em abril, a previsão era de R$ 1 bilhão até 2026. Agora, a empresa pretende completar R$ 2 bilhões.
“A gente viu que o mercado cresceu mais que a gente esperava”, afirma Wang. “Então, se a pergunta é se tem chance de aumentar ainda mais, a resposta é: se a gente ver mais adesão, se a gente ver que o mercado cresce, reage mais, a gente vai aumentando.”
Com o investimento estabelecido hoje, a empresa afirma que seu delivery de comida chegará a 100 cidades até junho de 2026. Para além das grandes capitais, o plano envolve testes em cidades de diferentes portes.