A fabricante americana de computadores Dell passou por maus bocados nos últimos anos. Fundada por Michael Dell, que também acumula os papéis de CEO e chairman, a companhia revolucionou o mercado de computação ao adotar o modelo de venda direta, nos anos 1980, e permitir a qualquer pessoa comprar um PC, com pouco investimento. O surgimento dos tablets e smartphones, no entanto, colocou em xeque esse modelo, o que provocou perdas enormes aos cofres da companhia. O consenso na indústria e no mercado financeiro, pouco mais de dois anos atrás, era de que a fabricante havia envelhecido e já não tinha força para competir com rivais modernas e arrojadas, como a sua compatriota Apple e a coreana Samsung.

Segundo o diagnóstico do mercado, assim como o computador morreria, a Dell sucumbiria às novas tecnologias. O fundador, no entanto, tomou uma decisão radical para tentar salvar a sua empresa. Ele passou a não dar ouvidos a previsões e conselhos de analistas financeiros e investidores, fugindo do que se tornou conhecido como a ditadura dos trimestres, numa referência aos balancetes divulgados a cada três meses pelas empresas cotadas em bolsa, raiz do imediatismo e das exigências por resultados de curto prazo. “A questão é simples: é preciso assumir riscos”, afirmou o empresário, em entrevista à DINHEIRO, no início do ano passado.

“Sem precisar prestar contas para os investidores, fica mais fácil.” Em setembro de 2013, Dell fechou o capital da companhia, na maior transação desse tipo realizada nos Estados Unidos em todos os tempos, movimentando US$ 25 bilhões. Pouco mais de um ano depois, a estratégia de Dell começa a produzir resultados. A empresa encerrou 2014 com 12,8% de participação no mercado global de computadores, ante 11,6% no ano anterior. O crescimento das vendas, que totalizaram 40 milhões de unidades, foi de 9,9%, de acordo com a consultoria Gartner, especializada em tecnologia.

Com isso, a Dell manteve-se na terceira posição no setor, atrás da chinesa Lenovo e da americana HP. Nos Estados Unidos, seu principal mercado, o crescimento foi ainda maior, 15%, com dois pontos a mais de participação, segundo a empresa de pesquisas IDC. Mas foi no Brasil que a companhia deu o seu maior salto. Ela passou de 6% de participação para 14%, consolidando-se como a segunda maior vendedora de PCs do País, atrás apenas da paranaense Positivo. “Paramos de ouvir os analistas e passamos a ouvir os nossos consumidores”, afirma Luis Gonçalves, presidente da Dell no Brasil.

“Afinal, são eles que compram nossos produtos.” A grande mudança da Dell foi, na verdade, uma volta às suas origens como fornecedora de equipamentos para o mercado corporativo. Em vez de buscar o glamour do design da Apple, ou a potência e o baixo custo dos produtos da Samsung, a fabricante americana apostou nas ferramentas mais pedidas pelos departamentos de TI das grandes empresas, como sistemas de gerenciamento e segurança. O pulo do gato, segundo Gonçalves, é que essas características tornam os computadores atrativos, também, para o uso doméstico.

“Cada vez mais as pessoas usam o computador, tanto em casa como no trabalho”, afirma o executivo. “Já não há mais distinção entre um equipamento corporativo e um doméstico.” Esse é um fenômeno chamado, no jargão do setor, de “bring your on device” (BYOD), ou, em português, traga seu próprio dispositivo. Estimativas do Gartner apontam que, daqui a dois anos, 90% das empresas no mundo adotarão a prática de incentivar o funcionário a trabalhar com o próprio computador, em vez de fornecer um para ele. O foco da Dell no segmento corporativo não se resume aos notebooks e desktops.

Como afirma Michael Dell, no último ano, a companhia investiu centenas de milhões de dólares em áreas como computação em nuvem, análise de dados e big data, conceitos e tecnologias ligados à mobilidade e à internet. A fabricante, cujo faturamento é estimado em US$ 60 bilhões anuais, ingressa, dessa forma, em um mercado pujante, mas que já é dominado por competidores de peso, como a IBM, a Oracle, a Amazon e até o Google. Dell, por sua vez, já mostrou que é um visionário e que não está preocupado com o curto prazo.

“Vivemos em um mundo cada vez mais afetado pela miopia – governos que não enxergam além da próxima eleição, um sistema educacional que não enxerga além dos métodos de avaliação convencionais e mercados financeiros que não enxergam além da próxima grande transação”, afirmou o empresário, em artigo publicado no jornal americano The Wall Street Journal. “Toda empresa em qualquer indústria enfrenta os mesmos desafios e oportunidades da era digital. Precisamos encontrar maneiras de sair do ciclo destrutivo do pensamento de curto prazo. Se nós não inventarmos o futuro, alguém irá fazê-lo.”