Um novo “vírus” parece estar se espalhando pela nossa já enferma sociedade contemporânea: o da demissão silenciosa. Nas últimas semanas, vídeos nos quais milhares de jovens confessam haver aderido a esta nova “modalidade laboral” viralizaram nas redes sociais, especialmente no Tik Tok, a mais utilizada pela geração Z e Millenials.

Essencialmente, consiste em fazer o mínimo possível ou apenas o estritamente necessário para a garantir a manutenção do emprego e assim liberar tempo e energia para “viver”, para se dedicar a outras atividades que tenham mais sentido e tragam mais satisfação. Desencantados com as condições precárias de trabalho, baixos salários e perspectivas frustrantes de futuro, os jovens que não querem prescindir de uma renda mensal constante e que, portanto, não podem simplesmente abrir mão de um emprego, acabaram encontrando uma “estratégia de sobrevivência” que lhes permite continuar garantindo os recursos indispensáveis, sem comprometer sua saúde física e mental.

+ A pressa é inimiga do humano

Tal atitude, que até lembra os movimentos de resistência dos trabalhadores do início da Revolução Industrial, é um fenômeno extremamente sintomático que merece atenção especial por parte de empresários, gestores e empregadores do mundo corporativo de maneira geral.

Superadas as ilusões de felicidade associadas à riqueza financeira e ao status, à posse de bens de consumo e projeção social, tão mobilizadoras para os jovens na virada do milênio (quando virar milionário antes dos 30 anos era o grande sonho), a “novíssima” noção de “propósito”, associada a causas éticas, políticas e sociais, tão em voga na última década, parece estar perdendo força rapidamente, gerando um desconcerto constrangedor nos ideólogos do “novo capitalismo” e nos coachs de plantão.

Tudo parece estar desmoronando muito rápido, e os apelos a princípio tão sedutores como a transformação dos espaços de trabalho em algo semelhante a clubes e parques temáticos, ou a tentativa de apresentar a atividade profissional como meio de realização pessoal e atribuição de sentido existencial para a vida, revelam-se agora como um grande engodo; como simples discurso inconsistente e vazio.

Suficientemente inteligente para perceber a falácia elementar que se esconde por detrás desses discursos e propostas pretensiosamente elevadas, cheias de apelos pseudofilosóficos, essa nova geração de jovens hiperestimulados e hiperconectados, havendo experimentado os efeitos concretos de toda essa parafernália ideológica da pós-modernidade capitalista, está decidindo “pular fora” desse esquema. Ainda que de forma um tanto insegura e aleatória, mostra que está buscando algo mais autêntico e consistente que lhe traga um verdadeiro propósito ou sentido para a vida.

Sentindo-se intimamente defraudados, muitos desses jovens estão começando a perceber o descalabro que se escode por detrás de expressões ou ideias como “propósito”, “felicidade” e “autorrealização” como resultado de “alta performance” no trabalho. A “demissão silenciosa” é apenas o primeiro sinal de uma gritante mudança que está começando e que os empresários e gestores já estão tendo de enfrentar. O problema é que estes, na sua grande maioria, formados no modelo anterior e padecendo de uma enorme carência de compreensão dos fenômenos mais complexos e profundos da vida e daquilo que é próprio do humano, mostram-se incapazes de entender o que se passa no coração e na mente desses jovens. Confiantes na proposta de uma agenda ESG que mal começou a ser compreendida, os gestores ainda nem desconfiam de que para enfrentar os desafios que já se configuram, considerar as dimensões do meio ambiente e da sociedade em termos de demandas e diversidade é ainda claramente insuficiente para garantir uma governança eficaz e humanizada.

O grito silencioso dos jovens clama por uma transformação ainda mais radical do “mindset”. Já é tempo de despertar para a dimensão humanística da gestão. É tempo de se considerar a importância da responsabilidade humanística no âmbito do trabalho.