11/01/2023 - 13:46
“Tomamos a difícil decisão de reduzir nossa força de trabalho em cerca de 10%, principalmente nas próximas semanas”. Uma carta de demissão foi direcionada a funcionários da Salesforce, empresa americana de software, no último dia 4 de janeiro. O movimento acontece na primeira quinzena de 2023, que já contabilizou milhares de demissões pelo mundo. CoinBase, Goldman Sachs e Amazon também seguem a tendência do ano passado, com cortes bruscos na Meta, Microsoft, entre outras. Há quem acredite em um prenúncio de recessão mundial.
As medidas acontecem em paralelo ao alerta do Banco Mundial, que bateu o martelo sobre previsões de crescimento em 2023, diante da possibilidade de recessão em vários países. O dado anterior do banco de desenvolvimento econômico falava em 3%, e agora Caia para a casa de 1,7% este ano.
+ Reforçado temor com recessão global pesa no Ibovespa
“Dadas as frágeis condições econômicas, qualquer novo acontecimento adverso (…) pode levar a economia mundial a recessão”, advertiu o BM. O período, assim como 2008, pode ser marcado pelo desemprego em massa, queda na taxa de lucro, baixa na produção e consumo das famílias e outras características de uma retração na economia mundial.
“Os três principais motores do crescimento global – Estados Unidos, zona do euro e China – passam por uma fragilidade pronunciada, com repercussões adversas para as economias de mercado emergentes e em desenvolvimento”, acrescentou o Banco Mundial.
Quem está demitindo?
As demissões na Amazon.com vão subir para mais de 18 mil como parte de uma redução da força de trabalho divulgada anteriormente, disse o presidente-executivo da companhia, Andy Jassy, em comunicado na quarta-feira.
A equipe do Goldman Sachs está se preparando para anúncios de demissões nesta quarta-feira (11), quando o banco norte-americano segue os amplos cortes sobre sua força de trabalho de 49 mil pessoas: mais de 3 mil funcionários serão demitidos, disse a fonte em 9 de janeiro.
Junto ao grupo financeiro, a Salesforce anunciou o corte de 10% de pessoal. “O Plano inclui uma redução da força de trabalho atual da empresa em aproximadamente 10% e algumas saídas de imóveis e reduções de espaço de escritórios em determinados mercados”, detalhou a empresa em relatório.
Em 2022, a Meta, detentora do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou a demissão de 11 mil funcionários; com a aquisição de Elon Musk, o Twitter foi outra rede afetada, com corte de 50% dos funcionários, além dos pedidos de demissão voluntária (sem números oficiais, a imprensa estima que o número esteja na casa de 3 mil pessoas).
A Microsoft fez parte da onda e cortou mais de 1 mil empregos de suas divisões de trabalho. No comunicado, feito em outubro do ano passado, a companhia já justificava o ato pelo medo de uma recessão global.
Na lista de big cortes, também aparecem empresas como a Netflix (-300 funcionários), Loft, Quinto Andar e Ebanx.
Empresas têm informação privilegiada e estariam demitindo com medo de a crise crescer?
Seguindo o rastro que vem sendo deixado pelas empresas de tecnologia, que mergulham em demissões, vale questionar se há um movimento interno de informações para que as decisões sejam tomadas.
“Não é uma questão de informação privilegiada, até porque a expectativa é sim de uma crise e recessão para os próximos anos em alguns mercados; uma recessão de leve a moderada, mas ainda assim uma recessão. Temos sinais de altíssima incerteza, sobre os quais você não precisa de nenhum dado privilegiado para discutir, pois é fruto de como os países vão lidar com os efeitos de uma pandemia, como é que vai ser essa recuperação da economia no pós-crise da Covid-19”, avalia Henrique Pacheco, professor do MBA Management do IAG – Escola de Negócios PUC-Rio.
Luca Belli, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, explica a mudança de cenário, e diz ser contra qualquer informação ‘escondida’. Para ele, tudo está ‘às claras’: “O cenário mudou, os efeitos da pandemia para as empresas de tecnologia estão acabando, e chega ao fim a onda surfada por elas com o uso de aplicativos digitais e outros recursos usados no período de isolamento”, defende.
Demitir seria precaução exagerada, dado que a China reabriu fronteiras e o índice de emprego nos EUA tem melhorado?
Outros elementos são trazidos para a discussão em meio a decisão das big techs. O payroll, relatório sobre emprego nos EUA, foi anunciado com otimismo pelas autoridades americanas, diante da criação de 6,7 milhões de empregos desde o começo do governo do presidente Joe Biden. Neste domingo, 8, a China continental reabriu fronteiras marítimas e terrestres com Hong Kong e deu fim a quarentena exigida pela política de proteção contra a Covid-19.
Apesar do índice de emprego nos EUA ter melhorado, a realidade do mercado no segmento de Tecnologia mostra-se diferente dos demais, segundo Luiz Barbieri, coordenador do MBA de Gestão de Processos de Negócios do Ibmec-RJ.
“A China já fechou as portas antes, e pode voltar a fechar. Há uma certa dificuldade de prever como o governo chinês irá se comportar. Mais do que uma expectativa de crescer, estamos em um cenário de alta incerteza e você tende a se preparar para garantir flexibilidade. Nesse cenário as empresas buscam opções que garantam flexibilidade, pois se o cenário melhorar ou piorar ela estará precavida”, compara o professor da PUC-Rio.
Além da Tecnologia, há outros segmentos que podem estar no caminho de ‘quebra’?
O reflexo do período da pandemia mundial também é avaliado pelos analistas. Para eles, o segmento de Tecnologia apresenta maiores desafios em função de um mercado que oscila ao sabor das novas tecnologias, da crença de que a pandemia trouxe um aumento do online permanente e crescente, além da falta de mão-de-obra qualificada ou extremamente cara.
“Dentro deste segmento, podem sobrar vagas em algumas posições específicas e em outras; com o crescimento dos cursos tech, sobram profissionais”, explica Barbieri.
Para ele, a mão-de-obra especializada estava escassa e passou a gerar salários astronômicos. A partir de agora, com mais profissionais qualificados, a demanda reduz e a oferta aumenta, gerando salários mais equilibrados.
Outro fato relevante é que o crescimento acelerado das empresas de tecnologia durante a pandemia, em função da migração para o online de muitos serviços, fez com que muitas acreditassem que o crescimento seria contínuo e não foi. Com isso, algumas, contrataram pessoas com essa expectativa e a medida em que o mercado estabilizou e iniciou uma redução, cortes acontecem.
Rochlin, da FGV, acrescenta que setores como construção civil, veículos e eletroeletrônicos podem ser afetados pela alta da taxa de juros, sendo muito dependentes de crédito e financiamentos, e assim, desestimulando o consumo.
A alta da taxa de juros influencia nas demissões?
Para analistas, as demissões em massa de grandes conglomerados estão associadas aos mesmos motivos do alerta do Banco Mundial. Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica da Fundação Getúlio Vargas, avalia que o boom de demissão vem com cenário desfavorável. “Com a alta da taxa de juros nos EUA e na Europa, se espera um crescimento econômico menor, e as bigtech se antecipam e se ajustam a ele. O setor tem se arrefecido, bem abaixo do que ocorreu no período da pandemia”, explica.
Analistas destas mega empresas , de olho em “big numbers”, podem provocar uma crise agindo dessa forma?
“Para uma empresa de fato gerar uma crise, restrita a um setor, ela tem que ter um poder monopolista. Então uma empresa por si só não é capaz de criar uma crise: o que você tem no mercado são as expectativas dos gestores e, se esses gestores têm uma expectativa muito ruim, tendem a se preparar e adotar posturas de crise”, explica Pacheco.
Rochlin, no entanto, acredita que tais expectativas podem se deteriorar, e chama o movimento de “profecia auto cumprida”: se começa a pensar que o cenário é ruim, a crença passa a se alastrar e ações correspondentes, como as demissões, criam esse cenário para as próprias empresas.
Qual o risco de uma crise como a de 2008?
No geral, a visão é de que é cedo para comparar os cenários. Enquanto Rochlin fala em pressão inflacionária, e acredita que o cenário não indica um crash como o de 2008, Barbieri aponta que o risco existe, mas a depender de apostas que são realizadas em uma única direção.
“A inexistência de uma polivalência de investimentos diversificados pelas grandes empresas pode gerar perdas significativas nos próximos anos, à medida que o mercado cresce, se desenvolve e não gera inovação disruptiva capaz de mudar o comportamento do consumidor. Mudar o comportamento do consumidor para uma nova direção e tecnologia gera novas oportunidades de crescimento, gerando influências globais”, finaliza.