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A executiva americana Denise Johnson, presidente da subsidiária brasileira da General Motors até a semana passada, escreveu um capítulo inédito na história da indústria automobilística no País. Não apenas por ser a primeira ? e única ? mulher a dirigir uma montadora no Brasil, mas por ter ficado menos tempo no comando do que qualquer um de seus pares, seja da própria GM, seja na concorrência. 

Na terça-feira 21, oito meses depois de assumir o cargo, ela anunciou sua repentina, e surpreendente, saída da empresa, onde trabalhava há 21 anos, por motivos pessoais. A gestão da GM do Brasil, a terceira maior operação da companhia no mundo depois de China e Estados Unidos, voltou para as mãos do colombiano Jaime Ardila, presidente da GM América do Sul, que já dirigiu a operação brasileira.

 

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Passagem meteórica: Denise Johnson alegou motivos pessoais para deixar a GM do Brasil,

mas estaria em rota de colisão com o seu chefe, Jaime Ardila

 

Engenheira de formação, casada e mãe de três filhas ? a família, inclusive, continuou vivendo nos Estados Unidos enquanto ela trabalhou no Brasil ?, Denise era considerada uma das mais experientes executivas da GM. 

 

Ela começou a carreira como supervisora de produção. Antes de comandar a filial brasileira, era vice-presidente de relações trabalhistas na América do Norte. Denise também já havia atuado como diretora da linha de veículos compactos nos EUA. 

 

Seu desembarque em São Caetano do Sul, no ABC paulista, em junho do ano passado, foi precedido de elogios. ?É uma das melhores profissionais da companhia, em um dos mercados mais importantes para a GM. É a pessoa certa no lugar certo?, afirmou Ardila ao comentar a indicação de Denise para a presidência da subsidiária, no lugar de Ray Young, que foi dirigir a GM na China, o principal mercado da montadora no mundo. 

 

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Menos de um ano depois, o encantamento havia acabado. Na quinta-feira 24, durante a apresentação dos resultados da companhia, o executivo foi lacônico. ?Agora, ela deixa a empresa por vontade própria?, disse Ardila. ?Não estou em posição de comentar mais nada sobre isso.?

 

Nos bastidores do mercado automobilístico, o argumento de que a executiva pediu demissão por razões pessoais foi recebido com ceticismo. Denise estava sob pressão para colocar em prática o plano de investimentos da companhia no País, que só neste ano desembolsará R$ 2 bilhões em projetos como a construção de uma fábrica de motores em Joinville (SC), modernização das linhas de produção em São Caetano do Sul e Gravataí (RS), além de lançamento de três novos modelos até o final do ano. 

 

Todos esses projetos, segundo fontes do setor, estão atrasados, o que teria colocado Denise e Ardila em rota de colisão e, em consequência, resultado na demissão dela. ?Denise vinha sendo, sim, pressionada por resultados e por melhor performance da marca no País?, afirmou André Beer, ex-vice-presidente da GM no Brasil, atualmente consultor do mercado automotivo. ?Algo normal para uma presidente de montadora que presta contas à matriz e aos acionistas. O que surpreendeu, na verdade, foi a velocidade de sua saída.?

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Outro fator que indica um desgaste nas relações entre a executiva e seus chefes, foi a limitação da autonomia das decisões no Brasil. Ao anunciar a reabertura de capital da GM da bolsa de Nova York, em 18 de novembro passado, após dramáticos 16 meses de recuperação, Denise reconheceu que existe o interesse da marca de voltar ao mercado de caminhões, mas concluiu. 

 

?Se depender de mim, isso não acontecerá tão breve?, disse Denise à DINHEIRO. ?Temos muito trabalho no Brasil. As prioridades são outras.? 

 

O pedido de demissão de Denise Johnson surpreendeu o mercado automobilístico por várias razões. Além da meteórica passagem, ela estava à frente de uma subsidiária saudável, que ajudou a matriz, à beira da falência, a superar a fase mais aguda da crise em 2008 e 2009. 

 

A filial brasileira registra aumento de faturamento há quatro anos consecutivos. Nos últimos cinco anos, o crescimento das vendas no País elevou de 3% para 8% a participação do Brasil nos resultados globais.  Em 2010, junto com os mercados vizinhos da América do Sul, a subsidiária ? que responde por 65% dos resultados na região, com 658 mil unidades vendidas  ? teve US$ 16 bilhões em receita e US$ 818 milhões de lucro. No mundo, o lucro de US$ 4,7 bilhões em 2010, divulgado na quinta-feira 24, foi o primeiro resultado positivo desde 2004.  

 

A sequência de resultados positivos num horizonte mais amplo, no entanto, esconde uma recente trajetória de queda de participação no mercado brasileiro ? e pode ser um indício das razões que levaram à saída de Denise. 

 

Em janeiro do ano passado, a GM respondia por uma fatia de 21,9% das vendas de automóveis novos no País, percentual que caiu para os atuais 17,7% na primeira quinzena de fevereiro de 2011, segundo a Fenabrave, que representa as concessionárias. 

 

Some-se a isso o atraso na construção da fábrica de motores, em Santa Catarina, que ainda não começou a ser erguida, mas precisa ficar pronta até outubro para dar suporte aos modelos que serão lançados ? três neste ano e, mais seis em 2012. 

 

?Se os construtores forem bons e rápidos, conseguiremos cumprir o cronograma de inauguração?, disse Ardila.  A grande dúvida, é se após a freada de arrumação provocada pela intempestiva saída de Denise, a GM terá condições de retomar o ritmo acelerado, não só na construção da nova fábrica, como na recuperação do mercado perdido.  

 

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