14/09/2022 - 15:48
Membros de câmara distrital da cidade em que presidente russo cresceu arriscam-se ao protestam contra invasão da Ucrânia. À DW, dois deles afirmam querer mostrar que “muitos russos são contra o que está acontecendo”.Alta traição é a acusação levantada contra Vladimir Putin por deputados do conselho do bairro de Smolninskoye, no centro de São Petersburgo. Eles votaram em 7 de setembro para apresentar uma petição à Duma, a câmara baixa do Parlamento russo. O texto contém um apelo para que o presidente seja removido do cargo, devido a sua investida militar contra a Ucrânia, que na Rússia não pode ser descrita como uma guerra, mas apenas como uma “operação militar especial”.
Nikita Yuferev é membro do câmara distrital em São Petersburgo desde 2019. Logo no início do ataque à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, ele registrou uma manifestação antiguerra para aquele mesmo dia, junto com um colega e representantes de vários movimentos políticos integrantes de outros conselhos distritais. No entanto não obtiveram permissão das autoridades.
Mais tarde, em 2 de março, Yuferev e seus colegas convidaram os moradores de São Petersburgo para uma sessão aberta do conselho. “Veio muita gente, mas também a polícia e as forças especiais da Omon. Mas tudo correu com tranquilidade. Concordamos em fazer um apelo ao presidente Putin para encerrar a operação especial”, conta, em entrevista à DW. O apelo foi enviado ao Kremlin, mas não houve resposta.
Em agosto, Yuferev voltou a enviar um pedido a Putin, desta vez pessoalmente, pedindo-lhe para encerrar a operação especial por motivos humanitários. O Kremlin respondeu: o apelo estava sendo analisado, mas a Rússia realizava uma “operação militar especial para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia”.
“Presidente não atua em interesse da Rússia”
O colega de Yuferev Dmitry Palyuga finalmente apresentou um projeto de petição à Duma na sessão da câmara distrital de 7 de setembro. Palyuga e Yuferev enfatizam que agem dentro da lei e seguem os procedimentos prescritos. “Até agora, não houve precedente de condenação por um apelo a um órgão estatal. Além disso, a lei russa proíbe isso expressamente”, argumenta Palyuga.
A decisão de fazer o pedido não foi tomada de uma hora para outra: ele teve a ideia depois de ver nas mídias sociais, e até nos canais “patrióticos” do Telegram que apoiam o curso do governo, críticas de que “o presidente não está agindo no interesse da Rússia”.
Em julho, o deputado moscovita Alexey Gorinov foi condenado a sete anos de prisão por “divulgar informações falsas” sobre o Exército russo. “É claro que sabemos que estamos correndo um risco, mas achamos que é a coisa certa a fazer agora”, confirma Palyuga.
“Indícios de alta traição”
Palyuga e Yuferev publicaram no Twitter a petição à Duma. O documento afirma que as ações do presidente mostram “indícios de alta traição”, de acordo com a Constituição russa.
Especificamente, quatro pontos são mencionados: destruição de unidades com capacidade de combate do Exército russo; morte e ferimentos de cidadãos russos jovens e fisicamente aptos; danos à economia russa; a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte com o início da guerra na Ucrânia e o armamento das forças ucranianas com modernos equipamentos ocidentais, o que contradiz uma “desmilitarização” do país.
“Embora não vejamos a ampliação da Otan como uma ameaça direta à Rússia, tentamos atingir diferentes públicos com diferentes argumentos para convencê-los de que tudo isso precisa acabar”, explica Yuferev.
Segundo o deputado, metade dos 20 membros do conselho, incluindo o presidente do partido Rússia Unida, do Kremlin, esteve ausente da votação do recurso. De acordo com a lei, porém, havia quórum, com dez deputados. Finalmente, sete dos presentes votaram a favor da petição à Duma.
“Apelo aos russos”
A petição exigindo a renúncia de Putin foi assina por mais de 60 deputados de diversas cidades. Indagado qual reação ele e seus colegas esperam à iniciativa, Nikita Yuferev ressalta que “apesar dos destinatários importantes, nenhum de nossos apelos é realmente dirigido a eles”.
“Estamos cientes de que eles ou não nos responderão ou escreverão qualquer bobagem. A iniciativa é mais um apelo aos russos que estão na Rússia e que estão igualmente preocupados com o que está acontecendo. Queremos mostrar a eles que há muitos de nós que são contra o que está acontecendo.”
Dmitry Palyuga concorda. “Fizemos isso principalmente para mostrar a outros, que não concordam com o que está acontecendo no país, que há parlamentares que também são contra. E esses políticos estão prontos para falar sobre isso em voz alta.”
Como esperado, isso não ocorreu sem consequências. De acordo com Nikita Yuferev, os parlamentares já receberam uma intimação para comparecer à polícia por “desacreditar o Exército”.
“Se eles querem nos punir, vão punir. Mas o que devemos fazer? Ficar quietos?”, questiona Yuferev. Ele tem certeza de que a esmagadora maioria da população russa não é “militarista”.
“Todos nós fomos criados por gerações que testemunharam a Segunda Guerra Mundial. Nossos avós sempre diziam: 'O mais importante é que não haja uma guerra'.”
“Fala-se de uma 'operação especial', mas a gente está começando a entender o que ocorre realmente, quantas mortes há. Nosso povo é amante da paz, e acho que o que está acontecendo em breve será rejeitado pelo povo da Rússia.”
Atualização: Pouco após a publicação do presente artigo, o tribunal distrital de São Petersburgo atendeu à solicitação do procurador-geral da Rússia e dissolveu a câmara de Smolninskoye. Dmitry Palyuga e Nikita Yuferev foram multados em 47 mil rublos (788 euros), cada um. As revistas The Odessa Journal e Newsweek noticiaram que os iniciadores vão recorrer da dissolução do conselho e das multas. Em suas contas do Twitter, Palyuga e Yuferev também confirmaram essa intenção.