Seu primeiro ato foi pedir uma caipiroska, bem forte. ?Com açúcar ou adoçante??, indagou o garçom. ?Açúcar?, decretou o velho usineiro. Naquele almoço, num restaurante na Praia da Boa Viagem, Armando Monteiro Filho mostrava-se melancólico. Comandante de um grupo de quinze empresas ? entre indústrias de base, metalúrgica e usinas de álcool ? e patriarca de 5 mil empregados, ele faz 80 anos a 11 setembro. Prepara uma festa para seus cinco filhos, dez netos e duas dúzias de amigos fiéis. ?Mas será uma reunião íntima, pois o clima não está para festa?, diz. A saúde? Ele joga futebol, faz musculação e trabalha sete horas por dia, seis vezes por semana. Os quatro filhos varões são empresários de sucesso, a começar por Armando Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria. Para completar, esse patriarca é um dos homens mais ricos do Nordeste. ?Rico não, poderoso?, corrige. ?Mas é melhor você escrever que sou forte, que nada me abate?. Mas Armando velho de guerra está abatido, aflito, melancólico. Na quinta-feira 11 de agosto, completou dez anos que seu Banco Mercantil de Pernambuco sofreu intervenção do Banco Central. Desde então, o ex-banqueiro está com todos os bens indisponíveis, pagando as contas pessoais em dinheiro vivo, proibido de portar talões de cheques ou de tomar financiamento para suas empresas. ?Isso é doloroso?, confessa. ?Preciso me livrar logo dessa humilhação?. Ele pede outra caipiroska, com muita vodca e açúcar, e se desfaz emocionado. ?Quero morrer com o nome limpo?. Depois se refaz: ?Não use o termo limpo, pois sujo, meu nome jamais foi. Perdi o crédito, mas não a credibilidade. Melhor você escrever que eu tenho o direito de morrer com a vida organizada?.

Armando Monteiro tem um plano organizado para limpar seu nome. A massa do Banco Mercantil deve R$ 133 milhões a credores privados e outros R$ 232 milhões ao Banco Central. Essas são as dívidas incontroversas. Armando Monteiro reconhece que deve R$ 365 milhões. Para o BC, contudo, ele deve R$ 978 milhões. E, hoje, o Mercantil tem R$ 927 milhões em ativos, de acordo com o próprio BC. Há R$ 154 milhões em caixa e outros R$ 773 milhões em títulos lastreados pelo dólar. O empresário revela que um grande banco internacional fechou um acordo para lhe emprestar nada menos que R$ 700 milhões, quantia suficiente para quitar, à vista e em dinheiro vivo, as dívidas reconhecidas. Também pretende depositar em juízo o valor das dívidas controversas, que ficariam sob a custódia da Justiça Federal até que sejam decididas as pendências com o BC. Em troca do empréstimo, ele entregaria ao banco seus títulos dolarizados ? que vendidos no mercado com deságio de 60% ainda poderiam gerar um lucro de R$ 200 milhões. Mas antes, é preciso que o BC aceite levantar a liquidação do banco. Por duas vezes, Armando Monteiro foi a Brasília conversar com Henrique Meirelles, presidente do BC, que recusou a proposta. ?Ele é impiedoso?, desabafa. ?Como se tornou imexível, pois a política vai mal e a economia vai bem, ele fica abusando?. E completa: ?Não quero mais conversa com ele; agora vou resolver os assuntos na Justiça?.

A briga será longa. Para Meirelles, é uma questão de princípios ? não é certo um banco quebrado lucrar com dinheiro público. O Mercantil sofreu intervenção em agosto de 1995. Vinha de dez anos faturando com a inflação; com o Plano Real, deixou de fechar suas contas. Um ano depois, o banco, já em liquidação, recebeu R$ 530 milhões do Proer e investiu R$ 450 milhões em títulos da dívida externa. É justamente esse o pulo-do-gato: os títulos da dívida externa, comprados quando havia paridade entre dólar e real, valem hoje muito mais. Assim, o passivo se transformou em ativo. Desde 2000, Armando Monteiro busca um acordo com o BC para liquidar as dívidas com os títulos valorizados, mas as partes não concordam com o cálculo do passivo. Monteiro insiste em corrigir o valor do empréstimo do Proer pela TR, como rege a Lei 8.177, de liquidação de instituições financeiras. Já o BC quer cobrar o valor total da dívida reajustada pelo câmbio, mais juros de 8% ao ano. Em novembro de 2002, Monteiro chegou a um acordo parcial com Armínio Fraga e Carlos Eduardo de Freitas, então diretor de Liquidação do BC. Mas, na hora de assinar, os dois pediram ao empresário que aguardasse a posse de Lula. Desde então, as conversas andaram para trás. O Banco Rural, sócio em 22% da massa falida do Mercantil, chegou a escalar o publicitário Marcos Valério para fazer lobby junto ao BC. Também não deu certo. ?O BC emprestou dinheiro, que foi usado para comprar títulos cambiais?, lembrou à DINHEIRO o diretor de Liquidações do BC, Gustavo Vale. ?Eles agora querem ganhar em cima disso?. Monteiro reage: ?Vou até o fim nessa briga. Tenho tempo, meu pai faleceu com 94 anos?.

Recentemente, o velho usineiro teve a idéia de apelar para a Justiça. O caso está na 7a Vara da Justiça Federal em Pernambuco, que já escalou um perito para calcular o valor exato das dívidas. O ex-diretor de Liquidação Carlos Eduardo de Freitas acha que a saída judicial é a melhor para todas as partes. ?É mais confortável para o BC que os valores sejam definidos pela Justiça.?, diz. O atual diretor Gustavo Matos do Vale promete levar a pendência adiante. ?Se eles ganharem, vamos recorrer?. Caso Armando Monteiro vença a guerra, ressurge no mercado um ícone do empresariado nordestino. O velho patriarca começou a escrever um livro de memórias em que pretende relatar os fatos mais importantes dos últimos 60 anos da história econômica do País. O capítulo mais curioso é como ele comprou um banco em pleno regime militar, justo quando liderava a oposição em seu Estado, e acabou se tornando o único banqueiro com idéias de esquerda do País ? talvez do mundo. E que agora quer apenas morrer com o nome limpo.

?Só aceito conversar com o BC na justiça?
Monteiro diz que o Rural não precisava de Valério para fazer lobby a favor do Mercantil

DINHEIRO ? O sr. pediu ao presidente Lula para resolver seu caso junto ao BC?
MONTEIRO ?
Não, nunca! É um assunto técnico. Pedi para o Henrique Meirelles e para o Antônio Palocci, que me negaram. Mas não levei o assunto ao Lula. Ele é meu amigo. No governo anterior, Lula sempre me perguntava como ia o problema do banco. Mas desde que ele assumiu a Presidência, só converso com ele de política. Até conversamos sábado, dia 6 de agosto, mas não conto o assunto. Só garanto que não falei nem vou falar de banco.

O sr. preferiu ajuda do Banco Rural à do presidente?
Ora, o Rural é meu sócio. Em 1995, comprou a parte boa do Mercantil, ficou com 42 agências e com os clientes. No final de 2002, quando o ativo já era maior do que o passivo, o Rural comprou dos minoritários 22% de ações da massa do banco. Queriam comprar minha parte. Mas eu disse que só aceito discutir preço quando o BC suspender a liquidação. Por isso eles tentaram convencer o pessoal do BC a aceitar minha proposta de pagamento das dívidas.

Precisava chamar o Marcos Valério para fazer lobby?
Fiquei sabendo disso depois que estouraram os escândalos. O Rural tinha tanto interesse quanto eu em negociar com o Banco Central, mas eles não precisavam do Valério. Só posso dizer que o Rural sempre muito decente comigo.

Quais os próximos passos?
Perdi a esperança de encontrar uma solução administrativa quando tive desentendimentos com Meirelles. Hoje só aceito conversar com o BC na justiça.