Os cerca de 300 dias entre o início de fevereiro e o começo de novembro passaram voando para os funcionários que dão expediente na sede da Endless – startup baseada em São Francisco, na Califórnia. Afinal, entre a euforia do lançamento de um computador com desenho intrigante (ele lembra um ovo meio deformado) e sua aceitação pelo mercado era preciso preencher um gap formado pelas expectativas dos clientes, dos potenciais investidores e também dos parceiros comerciais. 

Neste período, os funcionários da startup comandada por Matt Dalio têm se desdobrado na busca por acordos de distribuição e venda de um produto que foge do convencional, não apenas no formato como no modelo de negócio. Especialmente em um momento no qual a sobrevivência do computador pessoal (quer seja na variante laptop, desktop, netbook e iPAD) vem sendo desafiada pela rápida popularização dos smartphones.

A grande ousadia da Endless é o fato de o produto mirar nos integrantes da faixa mais baixa da pirâmide de consumo. Trata-se de um contingente normalmente negligenciado pelos fabricantes convencionais, mas que experimentariam melhora substancial nos estudos, na gestão de seus negócios e em suas vidas, de um modo geral, caso tivessem acesso à internet. Isso porque, o computador custa US$ 169 e já vem com cerca de 150 programas instalados na área de educação e entretenimento, além de ferramentas relacionadas ao empreendedorismo. 

Nascido a partir de uma bem-sucedida campanha de crowdfunding (vaquinha virtual), o Endless vem sofrendo inevitáveis comparações com produtos e projetos embalados num discurso revolucionário, mas que falharam em cumprir a promessa inicial. A lista inclui o One Laptop for Children (de Nicholas Negroponte), o Nano (veículo subcompacto da Tata Motors) e o IT (o patinete da Segway, empresa de Dea Kamen, que surgiu em 2002 com a promessa de redefinir o conceito de mobilidade urbana, no mundo). 

É bem verdade que os criadores do Endeless jamais prometeram levar ao nirvana tecnológico, apenas num click, os cerca de quatro bilhões de pessoas que sequer têm acesso à internet. Contudo, sua trajetória de mercado destoa muito da euforia inicial. 

“Não é bem assim”, destaca Marcelo Sampaio, co-fundador e chief growth officer da empresa. Nesta entrevista, ele se mostra animado com o desenvolvimento do produto e garante que o projeto está em curva de aceleração. Como exemplo, cita o acordo recém-assinado com a América Móvil (dona da Claro e da Embratel, no Brasil) para distribuir o computador na Guatemala. 

O Brasil também está no roteiro da Endless. A meta, de acordo com Sampaio, é iniciar a comercialização do produto por aqui a partir do final de 2016. A seguir os principais trechos de nosso bate papo. 

O Endless nasceu cercado de esperança. Na prática, as promessas foram cumpridas ou o mercado rejeitou o produto?
As promessas foram e estão sendo cumpridas e sentimos muito isso com o feedback que temos recebido dos nossos primeiros consumidores. Optamos por iniciar a operação pela Guatemala, que já era um de nossos centros de pesquisa, e acabamos de fechar um acordo com a América Móvil. Nosso computador está sendo vendido em quiosques próprios e nas lojas da Claro, na Guatemala. Estamos montando uma estrutura no México, também, e até meados de 2016 começaremos as vendas por lá.

O computador acessível não seria um equívoco num tempo de smartphones cada vez mais baratos?
Isso é o que diz o senso comum e que nós refutamos. O computador ainda é uma importante ferramenta de trabalho, produtividade e educação. Você se comunica pelo celular, mas na hora de escrever o seu livro ou fazer as suas reportagens, você recorre a um computador. Apesar da queda nas vendas de computador, a fatia de novos entrantes é de mais de 20%. Ou seja, um percentual grande das vendas vai para quem nunca havia comprado antes. É esse o público que queremos atingir.

A inclusão digital e também a difusão de conhecimento continuam sendo um grande desafio em nível global. Vocês acreditam que o modelo de negócio da Endless pode resistir aos programas de inclusão criados por governos de países em desenvolvimento, como o Brasil?
Completamente, pois esses programas levam tempo para serem executados e, neste processo, você pode perder a oportunidade de educar e emponderar uma geração inteira. De acordo com a Comissão de Banda Larga para o Desenvolvimento Sustentável, da Unesco, até o final deste ano, o número de pessoas com acesso a internet será de 3,2 bilhões – equivalente a 43,4% da população global. Ainda temos quatro bilhões, portanto, sem acesso a internet.