17/11/2019 - 14:20
Professor de Teoria Política no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), Thomás Zicman de Barros tem se dedicado a estudar o populismo. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele analisa como o fenômeno afeta a atualidade e aponta a educação política e o fortalecimento das instituições como principal vacina contra esse tipo de discurso.
“Meu diagnóstico desse aumento de demanda por líderes populistas é o desamparo e a angústia na sociedade”, disse Barros. A seguir os principais trechos da entrevista:
Como o sr. define populismo?
Eu definiria populismo como um estilo político. Mas, além disso, o populista é também um produtor constante de crises e instabilidade política, e, através de declarações polêmicas, coloca em xeque regras estabelecidas na sociedade. Pode ser problemático no caso em que essas crises são fantasiosas. Mas existem problemas latentes na sociedade que muitas vezes não são problematizados na esfera pública, e o populista, ao trazer a questão à baila, cria o ambiente para que o tema seja debatido.
O populismo é um perigo para a democracia?
O populismo pode ser um perigo porque a apelação ao povo pode recair na ideia de que existe um povo puro que vai se levantar contra as elites, tidas como moralmente condenadas. Por outro lado, a construção de uma identidade coletiva também pode se dar de forma democrática, mas não deixa de ser instável. Existe uma linha tênue entre o populismo democrático e o populismo antidemocrático.
Existe vacina?
Para além das instituições, que precisam existir e controlar autoritarismos, é um trabalho de educação política das pessoas, para que elas se vacinem, por assim dizer, contra o discurso que divide o mundo entre os puros e os impuros, para que as pessoas entendam que não existe resposta pronta. Mais importante que as instituições, cujo papel é fundamental, é a cultura democrática de tolerância. E, nisso, os líderes políticos têm papel relevante.
Existe um bom populismo?
Pode haver um populismo positivo. O populismo, como lógica política, envolve a construção de uma identidade coletiva, e isso está presente em qualquer movimento político. Quase todos os políticos do Brasil e do mundo falam em nome do povo, da chamada coletividade. Eles apresentam pontos de identificação, constroem uma noção de povo. É possível construir identidades coletivas que sejam tolerantes, que não caracterizem o outro como alguém que deve ser eliminado. A democracia, a meu ver, é acima de tudo uma ética que aceita que não existem respostas definitivas, que não existe uma só resposta para os problemas da nossa sociedade. O populismo positivo se estruturaria em volta desta noção de que o outro não é um inimigo, mas, antes, um adversário.
Vivemos uma “hype populista” mundial?
Quando falamos em “hype populista”, nos referimos a um crescimento do uso do termo, sobretudo pela mídia. A palavra está na moda, o que acaba sendo muito útil para alguns grupos de extrema direita. Para além disso, de fato houve um aumento do número de figuras populistas. Donald Trump é, sem dúvida, um exemplo disso, assim como Hugo Chávez, Marine Le Pen, Evo Morales, a família Kirchner, Bolsonaro e Lula.
Por que o discurso populista é tão aceito hoje em dia?
Uma questão muito relevante hoje é a sensação de falta de reconhecimento das pessoas, que se sentem cada vez mais desamparadas. O governo se mostra incapaz de dar respostas para os problemas cotidianos. Meu diagnóstico desse aumento de demanda por líderes populistas é o desamparo e a angústia na sociedade.
Desde quando existem líderes populistas no Brasil?
Entre os populistas que o Brasil teve incluo Getúlio Vargas, Adhemar de Barros, Jânio Quadros, João Goulart. Mais recentemente, cito Paulo Maluf. Eu também colocaria nessa lista Lula, Bolsonaro, Brizola e Collor, que se encaixa perfeitamente nas características de populismo como estilo político – e olhe que ele era liberal. Populismo, por sinal, não tem a ver com política econômica. Podemos ter populistas liberais, intervencionistas, de esquerda ou de direita.
Como o populismo aparece na disputa política brasileira hoje?
No Brasil de hoje, o termo é utilizado sobretudo para se referir a adversários políticos. Há, na direita brasileira, uma tentativa de vincular o populismo às experiências da esquerda latino-americana, que agora está em crise, somando a isso a ideia de uma irresponsabilidade macroeconômica. Esse movimento também existe do lado da esquerda, que usa o termo para acusar a extrema direita de racista, xenófoba, demagógica e conservadora. De ambos os lados, o termo é utilizado hoje com uma conotação negativa para atacar o antagonista. Além disso, muitas vezes o próprio discurso antipopulista se encaixa numa lógica populista, do nós contra eles. O político antipopulista no discurso é muitas vezes populista em seu estilo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.