Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa. (…) Esta terra em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”, escreveu Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, Dom Manuel, em 1500, por ocasião da chegada ao Brasil dos primeiros portugueses. Passados 522 anos após a carta de Caminha, sobrou muito pouco da visão inicial dos colonizadores, que intensamente ao longo do tempo destruíram os arvoredos. Na mais recente Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-27), no Egito, os avanços práticos foram poucos e a discussão girou sobre como reflorestar o planeta, as formas de financiar esse empreendimento e tentar salvar o mundo das mudanças climáticas.

Na mesma COP-27, os bancos Itaú, Santander e Rabobank se uniram a três grandes companhias do setor de commodities — Marfrig, Suzano e Vale — para lançar a Biomas. A nova empresa terá a missão de plantar 2 bilhões de árvores nativas e de preservar outras 3 bilhões na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, em uma área de 4 milhões de hectares. Segundo Cristiano Oliveira, porta-voz da Biomas e também gerente-executivo de Novos Negócios da Suzano, essa área é equivalente ao tamanho da Suíça ou do estado do Rio de Janeiro. “É um desafio enorme para os próximos 20 anos”, afirmou.

Divulgação

“É um desafio enorme para os próximos 20 anos. A área é equivalente ao tamanho da Suiça” Cristiano Oliveira porta-voz da Biomas.

Oliveira explicou que cada um dos seis sócios da Biomas está aportando inicialmente R$ 20 milhões, R$ 120 milhões ao todo, na empresa para que comece a operar dentro do horizonte de um ano, antes de iniciar o Capex Florestal, o investimento em florestas propriamente dito. “Será um imenso esforço de execução”, afirmou. “Estamos abertos para parcerias com outras empresas, ONGs e comunidades para começar projetos-piloto nos primeiros dois ou três anos.”

Questionado pela DINHEIRO sobre a sustentabilidade financeira da nova empresa, Oliveira contou que após os recursos iniciais aportados pelos sócios, a sustentação da companhia virá via comercialização de créditos de carbono. De acordo com o executivo, o alcance de bons resultados dependerá de inúmeras parcerias, e conexões, tanto na parte de conservação como em restauração de áreas degradadas, além da capacitação das comunidades para trabalhar em viveiros, na produção de sementes e de mudas. “Além do impacto ambiental, o sucesso da Biomas depende do impacto social nas comunidades dessas áreas”, afirmou.

POTENCIAL Para outro porta-voz, Júlio Natalense, gerente-executivo de Iniciativas de Carbono da Suzano, o mercado de créditos de carbono gera recursos para iniciativas como a Biomas. Ele detalha que no mercado regulado são transacionados cerca de US$ 90 bilhões por ano entre créditos de carbono, permissões ou impostos sobre emissões. “Já no mercado voluntário, o volume de comercialização atingiu US$ 2 bilhões em 2021, e deve seguir crescendo significativamente, com expectativa de demanda ainda mais acentuada entre 2030 e 2050.” Natalense cita dados da Ecosystem Marketplace, iniciativa da organização sem fins lucrativos Forest Trends. Marcella Ungaretti, head de ESG do Research da XP, disse que o avanço desse segmento representa vantagens no longo prazo. “Em termos de atrativo financeiro, temos visto as discussões em relação ao mercado avançando’, afirmou a analista. “Ao mesmo tempo em que os compromissos para redução das emissões, tanto por parte das empresas, quanto das nações, estão sendo estabelecidas.”

Em outras palavras, os bancos e as empresas sócias da Biomas podem arrecadar parte dos recursos internacionais que são destinados para minimizar os efeitos das mudanças climáticas. No entanto, Natalense alerta que há diversos desafios a serem superados, tanto do ponto de vista regulatório, que demanda definições dos marcos legais para um mercado regulado no Brasil, como do ponto de vista internacional. “Ainda faltam definições de regras e princípios de governança para que possa existir a transação internacional de créditos”, afirmou o gerente de Iniciativas de Carbono da Suzano.

O tamanho da empreitada da Biomas, se concretizada em 20 anos, retiraria 900 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera. “O equivalente a cerca de um ano de emissões da Austrália”, disse Oliveira, porta-voz da empresa. Mas como pregam os ecologistas, é pouco e a humanidade ainda levará gerações para descarbonizar o planeta.