02/11/2001 - 8:00
Pouca gente atinou, mas a segunda-feira de euforia nas bolsas brasileiras, no mesmo momento em que a Argentina caminha para o calote, tem tudo para entrar para a história como a quarta-feira, 2 de julho de 1997, quando a Tailândia quebrou ? só que ao contrário. Há quatro anos, a Tailândia abriu o efeito dominó que, na seqüência, derrubaria as moedas de Rússia, Malásia, Coréia, Indonésia e Brasil. Os mercados haviam chegado a uma certeza: quando um país em desenvolvimento espirra, os outros ficam resfriados. No primeiro semestre deste ano, contudo, a Turquia quebrou e não levou ninguém consigo. Afinal, o que está acontecendo?
O que está acontecendo é que, desde maio de 2000, quem socorre os países endividados é um alemão nascido na Polônia. Horst Köhler, 58 anos, o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, quer provar ao mundo que o importante é o país ter as contas em ordem: superávit fiscal, baixa inflação, uma relação equilibrada entre receita e dívida. E, neste momento, não há ninguém no mundo em melhores condições de corroborar o que se pode chamar de ?teoria da descontaminação dos mercados? que a disparidade existente entre Brasil e Argentina.
Desde a crise mexicana de dezembro de 1994, os latino-americanos se acostumaram a uma estranha lógica: a desgraça de um piorava a vida de outro, com uma recíproca que quase nunca era verdadeira. A bonança de um não melhorava o outro (a exceção foi o Brasil do real valendo um dólar, só que a favor da Argentina). A teoria da descontaminação empreendida por Horst Köhler se tornou finalmente visível ao mercado nesta semana, mas dentro do FMI ela está sendo construída há algum tempo. Em agosto deste ano, começou a operar um Departamento de Mercado de Capitais Internacionais, capaz de se antecipar a eventuais crises de liquidez. Foi também aberta a Linha de Crédito Preventiva (LPC), destinada a socorrer imediatamente países sob ataque especulativo.
Nada disso serviu à Argentina simplesmente porque os índices macroeconômicos do país não mostram solidez. E tudo isso servirá ao Brasil porque as contas nacionais estão em ordem ? o único empecilho era a balança comercial, mas a comprovação, pelos mercados, de que a desvalorização do real pode gerar um superávit anual superior a US$ 6 bilhões foi o bastante para virar o jogo.
Köhler sabe o que faz porque, de 1990 a 1993, ele era vice-ministro das Finanças da Alemanha, encarregado das relações internacionais financeiras e monetárias. Ou seja, quando George Soros ganhou US$ 1 bilhão apostando contra a libra esterlina, Köhler acompanhou tudo de perto. Em setembro de 1992, quando começou a corrida contra o franco francês, ele fazia parte do chamado eixo franco-alemão que resistiu aos ataques.
Ele conhece o poder de um ataque especulativo porque era um dos mais atuantes funcionários europeus no início de 1993, quando as superpotências do continente quase se curvaram aos mercados. Köhler trabalhou na unificação da Alemanha, o que somada à experiência européia com os programas de desenvolvimento para Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia, lhe deu uma razoável visão das dificuldades de regiões em desenvolvimento. Por fim, representou o governo alemão nas negociações da união econômica e monetária da Europa que, passados oito anos, resultará em janeiro na implantação da moeda única.
É por causa desta política que o presidente Fernando Henrique e o ministro Pedro Malan têm mostrado tanta tranqüilidade quando tratam dos problemas da Argentina. Com os números em ordem, o Brasil está escorado no anunciado amparo do FMI para resolver qualquer crise de liquidez em 2002. ?O País deve tomar as medidas julgadas necessárias para resolver a crise?, receitava, num artigo há um mês, o diretor do escritório europeu do FMI, Flemming Larsen. ?Apoiando estas medidas, o FMI e outros agentes oficiais darão o suporte financeiro.? Com os capitais de Wall Street em baixa e o FMI mostrando nova musculatura, não deixa de ser curioso o fato de o presidente Fernando Henrique ter parado de falar em ?reformar as instituições de Bretton-Woods?.