10/11/2004 - 8:00
Foi um jantar desconcertante. No cardápio, pratos insólitos como o creme quente de McFish com espuma gelada e gotas de molho mostarda e canapés de placas de pão Big Mac e cestinhas de maçã com cheddar e molho tártaro. Para acompanhar a degustação, vinhos de ótima cepa. A cerimônia tinha um objetivo: desmontar os sanduíches do McDonald?s para transformá-los em finas iguarias. Coca-Cola? Não. Apenas reduzida, com textura de mel, utilizada como molho. A noitada foi criação da direção da empresa no Brasil, preocupada em exibir o valor nutritivo dos lanches da cadeia de comida fast-food. ?Demonstramos que um sanduíche pode virar uma refeição, transformando a aparência e mantendo o valor nutricional?, diz Flávia Vigio, gerente de comunicação corporativa do McDonald?s.
No comando dos fogões, no rega-bofe ousado que virou do avesso os comes e bebes inventados pela turma de Ronald, estava Maria Luiza Ctenas, pioneira no Brasil de uma tendência que invadiu a Europa e os Estados Unidos e agora desembarca no País ? a desconstrução gastronômica. Maria Luiza propõe a alteração da textura e do formato dos alimentos sem lhes modificar o sabor. Em São Paulo, ela criou há três meses um espaço, o El Olivo ? chamá-lo de restaurante seria pouco. A chef recebe grupos de até dezesseis pessoas por jantar para uma experiência de sensações que fogem da rotina. ?Gosto de dispensar os talheres?, diz ela. ?Nos jantares que faço não pode haver pressa nem mau humor, pois o menu é elaborado para ser apreciado com diversão, surpreendendo a cada prato.? É uma escola fundada pelo catalão Ferran Adrià, o mestre neste campo, criador do caviar de pêras e ?bolha? de ar, servida para ser furada, dando vazão ao aroma.
Trata-se de comer esculturas, alimentos que confundem o olfato e o paladar. É lúdico, embora não seja brincadeira. Não é em qualquer cozinha que as receitas podem ser feitas. São necessários instrumentos como cronômetro e termômetro, por exemplo, que praticamente transformam a bancada em laboratório. ?Tudo deve ser precisamente pesado, medido e anotado durante as experiências para que as receitas possam ser repetidas com exatidão?, diz Maria Luiza. O processo de criação, porém, começa no computador. ?Uso minha memória de olfato e paladar para combinações inusitadas?, afirma. ?Redijo as receitas e as classifico em níveis de dificuldade antes de fazer os testes na cozinha.?
Depois de aprovadas pela criadora, as novidades são postas à prova dos privilegiados clientes. O sucesso das invenções pode ser avaliado pela lotação da agenda do El Olivo. Já há reservas até o fim do ano. ?É claro que nem todos gostam de tudo, mas geralmente as pessoas ficam muito satisfeitas?, diz. Em outras palavras: cabe tudo, menos a indiferença, nessa modalidade de gastronomia que parece reproduzir, entre garfos e facas, o cubismo de Picasso.