A descriminalização do porte de drogas para uso pessoal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), decidida nesta terça-feira, 25, abre a discussão sobre a definição dos critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes, como a quantidade de droga que é possível portar sem ser enquadrado criminalmente.

As propostas apresentadas pelos ministros até agora vão de 25 a 60 gramas. Na sessão desta terça, os magistrados disseram que iriam negociar uma proposta intermediária, de 40 gramas.

Se uma pessoa for abordada portando mais do que a quantidade fixada, ela poderá responder a um processo como traficante, com pena prevista de cinco a 15 anos de prisão. A decisão só passa ter efeitos práticos quando o julgamento for encerrado e o acórdão, publicado.

Conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em maio do ano passado, 33% dos casos de condenação por tráfico de maconha estão abaixo do limite discutido, de 40 gramas. Em relação à quantidade de processos em que houve apreensão de maconha, 37% seriam impactados.

Mesmo com consenso dos ministros sobre a quantidade de droga que alguém pode portar sem ser enquadrado criminalmente, o Congresso Nacional terá um prazo estabelecido para regulamentar a questão, separando juridicamente as duas condutas, em conjunto com outros órgãos. O prazo acordado deve ser de 18 meses – o anúncio oficial também deverá feito nesta quarta-feira.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), criticou a decisão da Corte. Para ele, o STF está “invadindo a competência técnica que é própria da Anvisa e invadindo a competência legislativa que é própria do Congresso Nacional”.

Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que “é nobre que haja diferenciação entre usuário e traficante”, mas afirmou que a “Suprema Corte não tem que se meter em tudo”.

O tema causa divergência entre especialistas. Uma parcela acredita que a definição de critérios pode evitar condenações injustas e reduzir a subjetividade, incluindo o risco de viés racial, nas análises da polícia e do Judiciário sobre casos de apreensões de drogas. Isso poderia diminuir o encarceramento.

Outra parcela de especialistas vê fortalecimento da atuação de facções criminosas e a possibilidade de aumento do número de usuários.

Impactos diferentes em cada Estado

A descriminalização poderá gerar impactos diferentes em cada Estado, ainda de acordo com a pesquisa. A mediana da quantidade de maconha apreendida com cada pessoa processada por traficar cannabis no País é de 85 gramas.

Isso significa que, em ao menos metade dos casos, o carregamento encontrado com o réu foi menor ou igual a essa marca. O estudo aponta a predominância de casos com pequenas quantidades.

Em 58,7% dos processos envolvendo maconha, a quantidade apreendida é menor que 150 gramas. Os Estados com as menores medianas são Amazonas (20g), Roraima (23g), Espírito Santo (23g) e Piauí (26g).

Em São Paulo, foi de 54g, também abaixo da média nacional. Por outro lado, os Estados com maior mediana são Rio (147 g), Pernambuco (112 g) e Santa Catarina (111g).

O estudo quantitativo analisou processos de 5,1 mil réus com indiciamento (na fase policial), denúncia e/ou sentença por crimes de tráfico de drogas, com decisão terminativa no 1º semestre de 2019.

Os pesquisadores destacam ainda a imprecisão das informações sobre as drogas nas denúncias, laudos e sentenças.

A descriminalização não quer dizer que a maconha foi liberada no País, nem que haverá comércio legalizado da planta ou das flores prontas para consumo. Descriminalização é um conceito jurídico diferente de liberalização.

Ou seja, a decisão do Supremo abrange só o porte da substância. Fumar maconha continua proibido.

A Lei de Drogas, aprovada em 2006, não pune o porte da substância com pena de prisão. A norma atual estabelece que o usuário pode ser condenado a medidas socioeducativas por até dez meses. Para os traficantes, a pena é de cinco a 15 anos de prisão, e não há quantidade de entorpecentes que diferencie os dois.

A Corte analisa recurso extraordinário da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista especificamente para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.

O órgão parte de um condenado por portar 3 gramas de maconha.

No início do julgamento, em 2015, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu o limite de 25 gramas para definir o porte pessoal de maconha, com base em legislação de Portugal. (COlaboraram Italo Lo Ré e Karina Ferreira)