DINHEIRO ? Passada a turbulência que levou à renúncia do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, como está a sua vida?
SEBASTIÃO BUANI ?
Estou passando pelos momentos mais difíceis da minha vida. Dez dias antes de o Severino renunciar, a Câmara me pôs para fora. Não tive nem 24 horas para fechar o restaurante. Perdi toda a comida que estava preparada para ser vendida naquele dia. Os meus funcionários foram expulsos e a loja lacrada. Foi um baque.

DINHEIRO ? E depois?
BUANI ?
Depois veio o pior. Eu tive que demitir 54 funcionários, da noite para o dia. Pessoas que tinham 30 anos de Câmara e estavam lá antes do Buani. Estou em uma contenção extrema para pagar as rescisões. Cada dia eu pago uma parcela para dois, três funcionários. Já me ligaram se oferecendo para agenciar a minha mulher e minha filha. Eu tive que ouvir: ?Com uma mulher e uma filha gostosa assim, eu não ficaria pobre?.

DINHEIRO ? Como a sua família tem reagido a essa situação?
BUANI ?
A Diana (esposa Claudiana Buani) acha que eu tenho uma amante. A minha sogra disse a ela que quando o marido não gasta em casa é porque tem outra do lado do fora. Só se for o Roberto Setúbal, do Itaú, a quem devo R$ 80 mil. Esse mês eu não tive como recolher a pensão dos meus filhos. Falei com a minha ex-mulher que não é nada compreensiva.

DINHEIRO ? Quanto o senhor deve?
BUANI ?
Devo mais de R$ 200 mil, entre aluguéis na Câmara, empréstimos que fiz para investir no restaurante e dívidas trabalhistas. Quando eu cheguei na Câmara, o restaurante recebeu três pessoas. Quando me tomaram, vendia 800 refeições. Só eu sei como me sinto quando um oficial de justiça bate na minha porta. Eu já vendi o meu apartamento. Uma Mercedes e um Mondeo. Preciso levantar um dinheiro rápido e sair dos juros bancários.

DINHEIRO ? O senhor pretende disputar a concorrência e retomar o restaurante do 10º andar do anexo IV?
BUANI ?
Eu li na imprensa que estou proibido de participar pelos próximos dois anos. Aliás, a minha vida toda está na imprensa. Outro dia um funcionário veio me mostrar uma coluna de um grande jornal. Ele se deu mal I, Ele se deu mal II, Ele se deu mal III. Ele era eu. Eu provei que o presidente da Câmara cobrava propina e, desde então, só me dou mal.

DINHEIRO ? O senhor se considera um corruptor ou um herói?
BUANI ?
Eu fui extorquido. Eu não tive alternativa.

DINHEIRO ? O senhor poderia ter evitado o pagamento de propina? Ser honesto é possível?
BUANI ?
(risos) Para ficar rico rapidinho não. Ser honesto é muito difícil. A licitação na Câmara era para 400 refeições, eu cheguei a servir 1,2 mil. Dediquei a minha vida aos quatro restaurantes da Câmara e as sete lanchonetes. Revolucionei o sistema de refeição. Trabalhei 14 horas por dia. Fiquei dez anos sem tirar férias. Isso adiantou? Não. Só suor não adianta.

DINHEIRO ? O quê que adianta?
BUANI ?
Ter amigos. O problema de todo órgão público é o apadrinhamento. Enquanto eu tinha o presidente da Câmara, que era o primeiro secretário, a concessão foi toda minha. Veja quando eu perdi a concessão: quando eu perdi o apoio do presidente. Não basta ser honesto. Só vence quem tem amizades. Em um comércio comum, se o empresário fizer o trabalho bem feito, vai ficar a vida inteira lucrando. Não depende de político. Na Câmara é diferente. Naquela época, um político me procurou dizendo que eu tinha o presidente na mão. Que poderia reaver as concessões, a minha dívida seria reduzida e receberia outras vantagens. Eu já estava cansando. Estava sendo extorquido e aparecendo como corruptor. Eu não quis. Ele me adiantou que aconteceria tudo o que está acontecendo.

DINHEIRO ? Sempre foi assim?
BUANI ?
Eu só posso falar pelo que eu passei. Mas antes de mim, um empresário ficou por 10 anos na Câmara, explorando os quatro restaurantes e as sete lanchonetes. Depois conseguiu vender a concessão para uma tal de Márcia. Isso me deixou boquiaberto, porque o contrato não prevê esse tipo de negociação. Ele se dizia muito poderoso.

 

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Suspeitas de traição: “Só se a minha amante for o Roberto Setúbal, a quem devo R$ 80 mil”

 

DINHEIRO ? O senhor se considera um empresário honesto?
BUANI ?
Estou há 11 anos no Senado, há poucos meses no Ministério da Fazenda e assumi hoje (31 de outubro) no Ministério da Saúde. Nos ministérios a autoridade máxima com que falo é com o gestor do meu contrato. As relações são diferentes. Só fui uma vez no gabinete no Palocci (Antônio Palocci, da Fazenda) combinar uma recepção e nem vi o ministro. Na Câmara, o empresário cruza com os deputados o tempo todo e as relações se estreitam com o tempo. O Severino sempre almoçava no restaurante. Sempre.

DINHEIRO ? O senhor chegou a sofrer retaliação, após a apresentação do cheque?
BUANI ?
Eu recebi uma carta do Senado, hoje (31 de outubro), me comunicando que vão fazer uma licitação e que o meu contrato será válido até término da licitação. Só que eu estou há 11 anos no Senado e tenho o direito a mais três anos de concessão. Na época da licitação, só venci a concorrência porque ninguém mais queria. O restaurante não tem cozinha. Fica num um salão no subsolo. A Câmara me deve
R$ 30 mil e não me paga. Mas a minha dívida com ela de R$ 15 mil passou para R$ 25 mil. Se eu não posso chamar isso de retaliação, posso chamar de quê?

 

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As musas da família: “Já me ligaram se oferecendo para agenciar minha mulher e minha filha”

 

DINHEIRO ? Como o senhor pretende se reerguer?
BUANI ?
Com trabalho. Eu nasci pobre, sou o 11º de uma família de 13 filhos. Fui engraxate, bóia-fria e desde os seis anos ajudo em casa. Eu ainda tenho três restaurantes e vou trabalhar muito. Só que recomeçar cheio de dívidas, aos 53 anos, é muito difícil. É uma luta solitária, porque a margem de lucro é muito pequena. Os impostos levam 50% do faturamento da comida a quilo.

DINHEIRO ? É isso mesmo? A metade?
BUANI ?
É. As máquinas são lacradas e somos obrigados a recolher cem por cento do que é vendido. É cruel. Não há sonegação. O lucro sai da quantidade que se vende. Eu tenho tirado dos meus outros restaurantes para pagar as dívidas que ficaram no da Câmara. É um momento muito difícil. Os cobradores e fornecedores não querem saber se você denunciou e por isso está mal. Paguei os meus impostos direitinho a vida inteira e olha a minha situação.

DINHEIRO ? O senhor se arrepende?
BUANI ?
Muito. Ser eu for contar a história do empresário Buani eu vou chorar. Se eu tivesse continuado fora, estava muito bem. Na época do Fernando Henrique eu acreditei no Plano Real e em um ano abri três restaurantes. Mas na Câmara, eu perdi a coisa que eu mais amei na minha vida profissional. O Fiorella, da 113 Sul, quebrou, porque eu investi todo meu tempo na Câmara e deixei os restaurantes de fora nas mãos de gerentes.

DINHEIRO ? Então não é uma boa ter contratados com a Câmara?
BUANI ?
Têm contratos com órgãos públicos que são maravilhosos. Por exemplo, serviço terceirizado. A empresa paga x e a Câmara paga dois x para ele. Há grandes contratos e gente que mata e morre por eles. Por isso sempre se ouve falar em esquema de propina. Os valores que movimentam são altos. Eu não tive sorte. Perdi meus quatro restaurantes aqui fora e quando me vi estava com a vida enfiada lá dentro e tudo na mão do Severino Cavalcanti.

DINHEIRO ? A lei de licitações é fácil de ser driblada?
BUANI ?
Hoje um contrato é para um ano com direito a quatro prorrogações. Este é problema. Porque não interessa se o empresário está fazendo a parte dele. Para prorrogar é preciso negociar. Se o homem quiser dar uma mordidinha vai conseguir. Foi o que o Severino fez. A lei deveria ser alterada para um contrato de dois anos e pronto. Sem prorrogações. Se o empresário decidir continuar, ele tem que disputar novamente. Mas ele vai saber que se entrou em 1º de novembro de 2005 vai ter que sair em 1º de novembro de 2007, sem jeitinho.

DINHEIRO ? Qual foi o último jeitinho que o ex-presidente tentou dar em relação ao restaurante do 10º?
BUANI ?
Eu recebi a visita de um parlamentar me dizendo que eu poderia recuperar a concessão. Era só criar duas empresas laranjas e desmentir o pagamento de propina. Já viu algum herói vivo? Ele me perguntou. Aquele era o momento de compor. Se não fosse naquela hora não seria mais. Eu já estava desgastado. Era ele ou eu. O deputado pegou o telefone, ligou para o presidente e me colocou em contato com o Severino.

DINHEIRO ? O que ele disse?
BUANI ?
É a primeira vez que eu vou contar essa história. Ele disse que queria ir para Nova York, mas que estava preocupado com o que eu ia dizer. Eu afirmei que não falaria com a imprensa antes de falar com a Polícia Federal. Nesse momento Severino afirmou que falaria com o Márcio Thomaz Bastos (Ministro da Justiça) para que o meu depoimento à PF demorasse uma semana. Eu só falei quando Severino estava em Nova York. Enfrentar o Severino não é fácil. Ele estava nos Estados Unidos e eu não conseguia ir a padaria.

DINHEIRO ? E agora? O Severino parece que se reelege, e o senhor?
BUANI ?
Eu serei candidato a deputado federal pelo PT do B. É uma questão de honra para mim. Tenho a maior vontade de assumir com Severino no ano que vem. Porque eu saí por baixo, devendo, expulso, humilhado e cheio de dívidas. O Severino só renunciou. Outro dia eu sai cabisbaixo do Itaú e um senhora, de 84 anos, me parou e disse: ?Eu oro todos os dias pelo senhor e pela sua família?. Quero ver se o povo fará por mim o que eles dizem que fariam. A população me deve isso.