A desigualdade social está em nível recorde no Brasil. Uma análise técnica elaborada pelo economista Sérgio Wulff Gobetti, publicada nesta semana pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apontou que a renda dos considerados “muito ricos” no Brasil cresceu em um ritmo até três vezes superior que a média da população brasileira entre 2017 e 2022.

De acordo com a avaliação do economista, enquanto a maioria da população adulta teve um crescimento nominal médio de 33% em sua renda no período mencionado, marcado também pela pandemia, a variação registrada pelos mais ricos foi de 51% para aqueles com renda média mensal de R$ 29,5 mil, 67% para os que possuem renda média mensal de R$ 87,7 mil, e 87% nos estratos mais seletos, com renda mensal média de até R$ 441,2 mil.

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“Ao que tudo indica, a confirmar-se por estudos complementares, elevou-se o nível de concentração de renda no topo da pirâmide para um novo recorde histórico, depois de uma década de relativa estabilidade da desigualdade social”, apontou o Gobetti em sua análise.

Gobetti elaborou o diagnóstico a partir de dados da Receita Federal e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e compara a renda média de quatro estratos sociais da população brasileira entre 2017 e 2022.

“O que se vê é que, além dos mais ricos terem, em média, maior crescimento de renda do que a base da pirâmide, a performance é tanto maior quanto maior é o nível de riqueza”, analisa.

Como resultado, Gobetti avalia que a proporção do bolo apropriada pelos 1% mais rico da sociedade brasileira cresceu de 20,4% para 23,7%% entre 2017 e 2022, mas mais de quatro quintos dessa concentração adicional de renda foi absorvida pelo milésimo mais rico, constituído por 153 mil adultos com renda média mensal de R$ 441 mil em 2022.

Ainda segundo o estudo, a concentração de renda ocorre principalmente entre aqueles que ganham acima de R$ 140 mil mensais líquidos. Essa fatia da população cresceu de 9,2%, em 2017, para 11,9%, em 2022, quando o presidente do País ainda era Jair Bolsonaro.

No Brasil, para estar entre o 0,1% mais rico, é necessário ter uma renda de pelo menos R$ 140 mil mensais. Já para pertencer ao 1% mais rico, basta ter renda superior a R$ 30 mil. E a porta de entrada para os 5% mais ricos são os R$ 10 mil mensais, o que inclui, na prática, grande parte da classe média.

“Ainda é cedo para avaliar se o aumento da concentração de renda no topo é fenômeno estrutural ou conjuntural, mas as evidências reunidas reforçam a necessidade de revisão das isenções tributárias atualmente concedidas pela legislação e que beneficiam especialmente os mais ricos”, comenta Gobetti, na nota.

*Estimativas próprias baseadas nos dados do IRPF/Receita Federal (Crédito:Estimativas próprias baseadas nos dados do IRPF/Receita Federal)

Fatores que explicam aumento da desigualdade social

Entre os motivos para o aumento exponencial na renda da elite econômica brasileira, o economista destaca os ganhos com a atividade rural, parcialmente isentas de impostos, e o aumento do valor distribuído em forma de lucros e dividendos, que passou de R$ 371 bilhões em 2017 para R$ 830 bilhões em 2022.

“Os resultados da análise com base nos dados do IRPF servem de alerta sobre o processo de reconcentração de renda no Brasil e sobre os vetores que mais contribuem para isso – os rendimentos isentos ou subtributados que se destacam como fonte de remuneração principal entre os super ricos”, complementa Gobetti.

O economista João Paulo Travasso Maia, que atua na área de Bureau de Crédito, acrescenta mais fatores para o aumento da desigualdade como, por exemplo, oportunidades de investimentos e perda de renda da maioria mais pobre durante a pandemia.

“Nesse período [da pandemia de Covid-19], o Brasil viveu momentos de oportunidades para investimentos, fator esse que pode explicar o alto grau de rendimento em lucros e dividendos. Além disso, os 95% mais pobres foram mais suscetíveis à redução de renda na época , seja pela perda do emprego ou pela perda do(a) provedor(a) do lar. Esse impacto é minimizado para os mais ricos, visto que estes são muito mais preparados para lidar com crises”, explica.

O economista admite que resolver o problema da desigualdade social não é tarefa simples. Para ele, não se deve trazer a escala dos ricos mais para baixo, mas sim elevar a escala de renda dos mais pobres.

“O começo, ao meu ver, tem de ser por uma reformulação da estrutura fiscal do país. Hoje no Brasil paga-se muito imposto sobre produtos e serviços e pouco imposto sobre a renda. É necessário rever essa estrutura, pois, proporcionalmente, quem consome mais os produtos e serviços são os mais pobres. Isso retira o poder de compra e poupança da população, tornando-os mais propensos a quedas inesperadas na renda”, finaliza.