Desde os anos 70 os brasileiros se acostumaram a pensar no seu próprio país como uma nação industrial. Afinal, o Brasil que Juscelino Kubitschek pôs na linha de montagem, nos anos 50, hoje fabrica de aviões a telefones celulares, exporta automóveis e máquinas, abastece a si mesmo de quase tudo de que necessita, de plataformas de petróleo a aparatos eletrônicos. Não obstante, a indústria brasileira corre risco. Nos últimos 20 anos, sua a participação no PIB caiu de 32% para cerca de 23% do Produto Interno Bruto. Nesse processo, alguns setores, como o de componentes eletrônicos, foram varridos do mapa. A maioria dos outros simplesmente estagnou ou encolheu. Cresceram vigorosamente apenas as indústrias voltadas às exportações, num sinal de enfraquecimento do mercado interno. Visto de fora, com algum rigor, o Brasil pode ser descrito como uma vítima da ?doença holandesa? ? um fenômeno econômico que se caracteriza pela redução acentuada e veloz do setor industrial em relação ao resto da economia. O Brasil, em outras palavras, pode estar sofrendo de desindustrialização.

Para esclarecer essa questão urgente e suas implicações, a Federação das Indústrias de São Paulo promove, nesta segunda-feira 28, um megaseminário sobre Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento. Para esse encontro, coordenado pelos diplomatas Rubens Ricupero e Sérgio Amaral, foram convidados alguns dos maiores estudiosos mundiais da indústria. Da Suíça virá Richard Kosul-Wright, pesquisador britânico da Unctad, o organismo das Nações Unidas dedicado ao comércio e ao desenvolvimento. Da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, virá o chileno Gabriel Palma, especialista em industrialização da América Latina. Os dois economistas falaram à DINHEIRO na semana passada e o diagnóstico que eles têm a oferecer não é nada animador. Ambos vêem o Brasil em franco processo de desindustrialização, ainda que sustente uma indústria mais vigorosa e diversificada do que os vizinhos da América do Sul. ?O Brasil está fazendo tudo ao contrário do que recomenda o manual universal de crescimento da indústria?, diz Palma. Juros altos, taxa de câmbio valorizada e desinvestimento público na infra-estrutura são uma espécie de receita para liquidar a indústria no longo prazo. É o contrário do que estão fazendo países como China e Coréia, cuja indústria floresce e estimula taxas de crescimento que dobram ou triplicam as do Brasil. ?Há uma íntima associação entre o encolhimento da indústria brasileira e as baixas taxas de crescimento do país nas últimas décadas?, afirma Kozul-Wright. Sim, porque setores primários como agricultura e mineração, ainda que vigorosos e bem sucedidos como o brasileiro, não são capazes, historicamente, de produzir taxas elevadas de crescimento. É a indústria, em sua busca incessante por produtividade, quem dinamiza a economia e dissemina os avanços tecnológicos e gerenciais. ?Uma economia com pouca indústria está condenada ao baixo crescimento?, diz Palma.

Esse processo de desindustrialização, que devasta a África e afeta claramente a América Latina, nada tem em comum com aquele em curso nas economias maduras. Entre elas, é natural que ao se atingir uma renda per capita de US$ 8 000 ou
US$ 9 000 haja uma transição em direção aos setores de serviços e de alta tecnologia. Entre nós, não é esse o caso. A renda per capita ainda está em cerca de US$ 4 000, a economia não amadureceu, mas, não obstante, a indústria começa a definhar, precocemente. ?As economias da América Latina estão fazendo a transição para o nada?, diz Palma. ?Estão trocando a indústria pela produção de commodities agrícolas e minerais.? O diplomata Rubens Ricúpero, ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, acrescenta um outro problema: as negociações comerciais. Em troca de abertura dos mercados agrícolas da Europa, países como o Brasil estão sendo pressionados, na Organização Mundial do Comércio, a reduzir ainda mais as tarifas que protegem a indústria local. Diz Ricúpero: ?Se isso ocorrer, o resultado pode ser desastroso?.