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“A barbeiragem do BC custou R$ 40 bilhões ao País e eles não prestaram contas a ninguém”

 

 

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“Dos candidatos, Garotinho é o que parece ter uma agenda mais heterodoxa”

 

 

DINHEIRO ? O Brasil perdeu o bonde do crescimento?
COUTINHO
? O Brasil perdeu oportunidades porque o ritmo dos investimentos foi travado pela política de juros altos. O PIB poderia ter crescido pelo menos 1 ponto percentual a mais em 2005. Ao invés de 2,5%, 3,5%. É uma diferença importante. E câmbio não se apreciaria tanto.

DINHEIRO ? A culpa é do Banco Central?
COUTINHO
? O BC escolheu uma meta de inflação muito ambiciosa e tocou um juro alto demais por um tempo longo demais. No ano passado foram gastos 8,1% do PIB em juro, R$ 157 bilhões, mais do que em 2004. Um esforço inglório. Com uma meta realista, o juro teria sido menor.

DINHEIRO ? É preciso ajustar a meta de inflação?
COUTINHO
? O Banco Central persegue metas que são fixadas num conselho que tem dois ministros e o próprio presidente do BC. Essas metas foram fixadas sem estudo macroeconômico sério, sem uma discussão séria, sem uma opinião técnica mais profunda.

DINHEIRO ? O sr. então defende modificações no conselho ou a participação de entidades como a Fiesp?
COUTINHO
? Não sei se esse é o melhor caminho. O ideal seria ter um conselho com representação técnica e não corporativa. O Brasil precisa de uma política de metas compatível com o crescimento econômico. A que está aí é incipiente e imatura e leva o BC a cometer barbeiragens como a do ano passado que custou R$ 40 bilhões em juros a mais que o necessário. O pior é que o BC não presta contas a ninguém. São erros caríssimos para a sociedade.

DINHEIRO ? Há chances de melhora?
COUTINHO
? Uma melhora da economia é possível porque o Brasil evoluiu extraordinariamente na balança de pagamentos. E essa melhora se refletiu numa queda do risco-país. Isso é muito valioso.

DINHEIRO ? O que falta ainda?
COUTINHO
? Falta o robustecimento da posição fiscal do Estado brasileiro. Se tivermos capacidade de enfrentar essa questão com eficiência o Brasil pode saltar para uma trajetória de crescimento segura, sólida, sustentável, sem risco de inflação e com taxas muito maiores que os 3% estimados pelo modelinho lá do Banco Central.

DINHEIRO ? Mas 2006 é ano de eleição…
COUTINHO
? O roteiro para o ano já está traçado. A pergunta que se faz é se o Banco Central vai continuar conservador ou se vai ser mais agressivo. Tudo vai depender do BC. O ano de 2007 me preocupa mais que o de 2006.

DINHEIRO ? Por quê?
COUTINHO
? Porque o novo governo nos primeiros meses terá força política para passar algumas reformas importantes no Congresso. Não poderá desperdiçar esse capital.

DINHEIRO ? Qual candidato tem condição para mudar?
COUTINHO
? É difícil fazer essa análise. Mas enquanto a eleição está polarizada entre PT e PSDB a percepção é de que não haverá mudanças drásticas. Se o candidato do PMDB for o Germano Rigotto, também não muda muito. O Anthony Garotinho é que parece ter uma agenda que poderia ser mais, digamos, heterodoxa.

DINHEIRO ? Não é heterodoxia o que se cobra do governo?
COUTINHO
? Depende. Pode ser heterodoxia desastrada.

DINHEIRO ? Heterodoxia desastrada?
COUTINHO
? O Delfim Netto foi heterodoxo em 1980 e foi uma heterodoxia desastrada. Precisamos de uma heterodoxia eficiente, que mantenha o controle fiscal com frouxidão na política monetária.

DINHEIRO ? Por quê?
COUTINHO
? Porque reduzindo o juro mais depressa se alivia o problema fiscal e o problema cambial. Se o governo afrouxa a área fiscal, a reação será negativa. Ao produzir juro, a combinação é explodir o câmbio e gerar desequilíbrio.

DINHEIRO ? O sr. acha que Lula perdeu oportunidade no começo de mandato?
COUTINHO
? Não. O Lula empenhou muito esforço para passar as reformas da Previdência e Tributária, que não vingaram. E acabou se desgastando. As medidas na Previdência não foram suficientes. É agenda para o novo presidente.

DINHEIRO ? Ouvindo o sr. falar parece simples. Por que o governo não faz?
COUTINHO
? Parece simples mas não é. Essa agenda requer dedicação de especialistas e medidas sensatas. O mercado só vai acreditar que o juro pode cair sem risco quando confiar que há um regime de finanças públicas instalado, baseado na solvência a médio prazo.

DINHEIRO ? Qual é o nível razoável para os juros?
COUTINHO
? O Brasil deveria almejar um juro real abaixo de 6% em quatro anos. Mas para fazer isso é preciso ter fundamentos fiscais críveis.

DINHEIRO ? O sr. esperava que esses fundamentos fossem melhorados num governo do PT?
COUTINHO
? Em parte esse governo começou a fazê-lo, mas a subida dos juros no ano passado frustou e dissipou muita energia. O governo não avançou em muitas áreas.

DINHEIRO ? O sr. se arrepende de não ter aceito o convite para ser ministro do Planejamento de Lula?
COUTINHO
? Acho que em política econômica, na situação brasileira, só tem lugar para um ministro comandar. Naquela ocasião não faria sentido eu ir para o governo. O Brasil vivia uma crise cambial e precisava de um comando único na economia. Não havia espaço para duas personalidades fortes como eu e o Antônio Palocci.

DINHEIRO ? Se fosse cotado para a Fazenda, aceitaria?
COUTINHO
? É a primeira vez escuto isso. Essa hipótese é fora de cogitação porque Palocci vai continuar. Quando falavam na sua saída, o nome cotado era do senador Aloizio Mercadante e não do professor dele.

DINHEIRO ? A política econômica vai bem?
COUTINHO
? Acho que ela poderia ser melhor. Mas não chega a ser um desastre, pelo menos até agora. O governo ainda não acabou e ainda espero que melhore.

DINHEIRO ? O governo o decepcionou?
COUTINHO
? Até certo ponto sim. Ficou aquém do que eu gostaria. Acho que poderia ter sido mais construtivo para avançar na agenda do desenvolvimento, das mudanças institucionais na própria área fiscal, na segurança jurídica e na criação de melhores condições para o investimento. Também poderia ter sido menos conservador na política monetária.

DINHEIRO ? Como?
COUTINHO
? Seria necessário que a melhora na área fiscal funcionasse como um estímulo ao investimento. E não só no aumento do investimento público, mas como indutor do investimento privado, principalmente em infra-estrutura que é o gargalo mais sério da economia.

DINHEIRO ? Esse é o entrave?
COUTINHO
? Sim. Esses investimentos andam num ritmo muito aquém do necessário. Mas para isso é preciso uma série de mudanças como a consolidação das agências reguladoras. Num primeiro momento isso se traduz em aumento do investimento. Se bem feito, gera redução de carga tributária. Junto com a expansão do crédito, pode ser que o investimento privado se mova.

DINHEIRO ? Cria-se a um ciclo virtuoso…
COUTINHO
? Isso. É um ciclo virtuoso. Ao crescer mais, cria-se um ciclo de investimento, importam-se mais bens de capital e isso ajuda a controlar inflação. Existem duas maneiras de controlar a inflação. Uma, que é a ?burra?, é ficar reprimindo a demanda. Outra, a ?inteligente?, é aumentar o investimento, porque o investimento aumenta a oferta e o aumento da oferta contém a alta dos preços.

DINHEIRO ? Fala-se da Selic, mas o investimento produtivo tem a TJLP como indexador. Ela já poderia ser menor?
COUTINHO
? Sim. Acho que ela poderia ser mais baixa olhando especialmente os fatores de risco do Brasil lá fora. À medida que a Selic caia, a TJLP pode vir junto.

DINHEIRO ? O que falta ao Brasil?
COUTINHO
? O Brasil ainda não tem a casa arrumada. Mas acho que em três ou quatro anos, um governo firme conseguirá. Aí, é sair para o abraço, para o crescimento.

DINHEIRO ? O novo governo conseguirá?
COUTINHO
? Eu estou otimista. Houve amadurecimento, uma maior compreensão entre os economistas sobre a orientação da política econômica, o que se pode fazer e o que não pode. Claro que ainda existe divergência, não há consenso em tudo. No fundo, o problema estrutural do Brasil é político. Temos um regime presidencialista sem partidos fortes para dar apoio ao presidente. É um sistema que fragiliza a governabilidade e leva a um esquema de cooptação de aliados, que explica um pouco esses escândalos que estão aí.

DINHEIRO ? A reforma política que está no Congresso resolveria?
COUTINHO
? A reforma não foi amadurecida e a falta dela é um problema que prejudica a institucionalidade do País. Eu vejo mais razões de preocupação com a política do que com a economia. Claro que qualquer um pode pôr a economia para desandar, adotar uma heterodoxia desastrada. Mas a margem de erro é menor na economia que na política.

DINHEIRO ? É preciso uma limpeza geral?
COUTINHO
? É preciso impor regras. Acabar com a impunidade, fazer uma limpeza, óbvio. Temos de ir além e mudar as regras que facilitam a corrupção.

DINHEIRO ? Quem errou mais: José Sarney, FHC ou Lula?
COUTINHO
? Quem errou mais foi o governo FHC. Ele assumiu o País numa situação excepcionalmente favorável. A dívida interna era de 30% do PIB, o cenário internacional era favorável, o nosso balanço de pagamentos estava organizado e, para reduzir a inflação, ele desestruturou tudo. Eu diria que a cota de erros de FHC foi mais comprometedora que a de outros governos.

DINHEIRO ? O sr. se desiludiu com o presidente Lula?
COUTINHO
? Eu espero que o presidente ainda me dê alegrias, que melhore. Eu diria que, até agora, o meu sentimento está abaixo do que eram as minhas expectativas. Realmente espero que até o final do mandato ele consiga inverter essa minha sensação.