O arquipélago francês da Nova Caledônia aguarda com nervosismo uma decisão prevista para a sexta-feira da mineradora brasileira Vale sobre a possível venda de sua usina de níquel a um consórcio local e internacional, que enfrenta a oposição feroz de separatistas e lideranças indígenas kanak.

“É um expediente explosivo capaz até de fazer desandar o processo de descolonização em curso e de pôr em risco a estabilidade da região”, avaliou, inquieto, um empresário.

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Manifestações, interrupções de rodovias, bloqueio de minas, de estabelecimentos comerciais e infraestruturas acompanham há várias semanas o cotidiano desta comunidade francesa, situada no Pacífico sul, onde os críticos desta transação prometeram “não ceder em nada para preservar a riqueza mineral do país”.

Na esperança de apaziguar os ânimos, uma “mesa redonda” por videoconferência entre o ministro francês do ultramar, Sébastien Lecornu, e os principais líderes caledônios será celebrada nesta terça-feira para que “cada um expresse suas expectativas e interrogações”.

Esta crise ocorre depois do segundo referendo sobre a independência, em 4 outubro, vencido por uma estreita margem pelos pró-franceses (53,3%), o que exacerbou as desavenças entre as comunidades Kanak e europeia.

Uma terceira votação está prevista para 2022.

Ao final de um mês de discussões exclusivas, a Vale, a maior produtora mundial de níquel, deverá anunciar na sexta-feira se aceita a oferta de recompra de sua usina de níquel no sul da Nova Caledônia, apresentada por um consórcio caledônio e internacional, que inclui o grupo Trafigura.

Caso contrário, a Vale fechará as portas, deixando na rua cerca de 3.000 funcionários e terceirizados.

“Tudo estará pronto para o dia 4 (de dezembro): os documentos jurídicos, as garantias, o financiamento, à exceção do pacto de acionistas da parte caledônia, que o deixaram aberto e flexível”, explicou à AFP Antonin Beurrier, presidente da Vale-NC e membro a título pessoal do consórcio de compradores, batizado de Prony Resources, que ele presidirá.

Apoiada na riquíssima jazida de Goro, a usina da Vale, que utiliza um processo de tratamento químico, é um sumidouro financeiro – soma 2 bilhões de dólares em perdas desde 2014 -, que acumulou riscos técnicos.

– “Especulação bursátil” –

O fechamento da usina de processamento permitiu redimensionar as atividades no local, que produz atualmente um produto intermediário com níquel e cobalto – o níquel hidróxido cake (NHC) -, destinado ao mercado promissor de baterias para veículos elétricos.

 

“Agora temos uma usina que funciona, que alcançou o equilíbrio de exploração”, comemorou Beurrier, contando com uma produção de 30.000 toneladas de NHC este ano.

O consórcio concorrente tem “uma estrutura inovadora”, com 50% de interesses públicos e privados caledônios em curso de repartição, 25% para a Trafigura, negociadora de matérias-primas baseada na Suíça, e 25% para uma financeira, pertencente a Beurrier e outros acionistas cuja identidade não foi comunicada.

A Vale deixa 500 milhões de dólares em caixa para a construção de uma área de armazenamento de rejeitos de mineração, e o governo francês aporta quase a mesma quantia em crédito, garantia e desagravamento fiscal.

Autoridade de regulação e proprietária do subsolo, a província Sul, dirigida por pró-franceses, apoiam o projeto.

Qualificando a operação de “pura especulação bursátil”, o coletivo “Usine du sud: usine pays” (Usina do sul: usina do país), apoiado pela Frente de Libertação Nacional Kanak Socialista (FLNKS) quer barrar a qualquer custo o caminho para a Trafigura.

 

Considerado a base do financiamento da independência, o níquel deve, segundo os separatistas, permanecer “sob o controle da força pública”.

Os membros do coletivo defendem uma oferta concorrente, apresentada pela Sociedade Financeira da Província Norte (Sofinor) e pela Korea Zinc.

Eles afirmam que esta foi discriminada porque a Vale lhe nega a segunda etapa de diligência prévia (“due diligence”), que permite visitar o local. “Nós não vamos entrar de olhos fechados, queremos ter certeza de que não há problemas ambientais”, declarou um alto funcionário da Sofinor.

No fim de outubro, a Vale descartou a Sofinor/Korea Zinc em razão “de garantias financeiras e industriais insuficientes”, enquanto uma nota confidencial do ministério da Economia, em Paris, revelada por veículos de mídia locais, a qualificaram de “preliminar e pouco documentada”.

O FLNKS e o coletivo “Usine du sud: usine pays” informaram que sua demanda “prioritária” a Sébastien Lecornu durante a mesa redonda desta terça será que “a Korea Cinz e a Sofinor possam concluir sua oferta”.