Adeus à secular disputa entre forma e função na arquitetura. É o que parecem gritar, em curvas improváveis, dois edifícios inaugurados no mês passado: o The Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles, do canadense radicado nos Estados Unidos Frank 0. Gehry, e o Museu de Arte Moderna de Graz, na Áustria, da dupla britânica Peter Cook e Coulin Fourrier. A uni-los há um traço: a silhueta torta, linhas que desafiam qualquer catalogação. São obras de arte em si. Privilegiam a forma mas não abandonam a função. É coração e razão o tempo todo. As impressionantes placas de aço do edifício de Gehry, escuras à noite e amareladas no pôr-do-sol da Califórnia, escondem uma conquista tecnológica: como sede da Orquestra Filarmônica de Los Angeles, o prédio de US$ 274 milhões precisava ter a melhor acústica do mundo. Era uma exigência de Lillian Disney, viúva do pai do Mickey, que doou US$ 50 milhões, há duas décadas, para o início do projeto. O que fez Gehry: contratou os melhores profissionais do mercado. Convocou músicos e engenheiros. Ao longo de treze anos desenvolveu um programa de computador, o Catia, criado originalmente pelos franceses da Dassault para a construção de aeronaves, de modo a adaptá-lo às exigências das pranchetas. ?Seria impossível tirar das maquetes o que imaginei sem a ajuda da informática?, diz Gehry, ele mesmo avesso ao computador (seus colaboradores, mais de 130, se debruçam nas máquinas por ele).

Eis a chave da nova arquitetura: o casamento com a tecnologia. Ela permite avanços imaginados por outros visionários ao longo dos séculos ? e, como não havia recursos técnicos para erguer desenhos atavicamente irregulares, os defensores de ângulos mais retos, racionalistas à exaustão, ávidos pela funcionalidade, acabavam vencendo. Antoni Gaudí, o gênio catalão do estilo art-nouveau, costumava dizer que antes da função vinha o sonho. Por falta de dinheiro e de recursos da ciência, nem sempre havia como torná-lo real. Por isso a igreja Sagrada Família, de Barcelona, é inacabada.

 

Hoje, os loucos do compasso fazem subir todo tipo de parede. O Museu de Arte de Graz, uma bolha azul encravada nos castelos românticos da Áustria, já apelidado de ?Friendly Alien?(Alienígena Amigável), nasceu quase por acaso. Na maquete original, havia um acrílico transparente a moldar o telhado que se assemelha a um polvo ou a uma bolsa de água quente. No momento da fundição, os arquitetos descobriram que havia uma sobra de tinta azul. Com ela tingiram o esboço do projeto em três dimensões. Apresentado dessa forma à comissão julgadora austríaca, teve que sair do papel na marra. Era uma brincadeira liderada por Peter Cook, o iconoclasta inglês. Foi levada a sério e vingou a um custo de US$ 50 milhões. Para o arquiteto Ricardo Ohtake, um dos curadores da Bienal de Arquitetura de São Paulo, ?Cook tem um espírito pop que o faz o beatle da arquitetura?. Nesse caso, ele está mais para o período lisérgico de Sergeant Peppers do que para as baladas do tempo do iê-iê-iê. De um caminho a outro, as descobertas da informática ajudam a confirmar um aforismo clássico de Rino Levi, um dos pilares do modernismo brasileiro: ?Arquitetura é arte e ciência?.