Em quatro meses, país europeu já esgota seu “orçamento” de recursos naturais para 2023. Quem deve pagar a conta para cobrir déficit de recursos alemão é o Sul Global, além das gerações futuras.Apesar da desaceleração econômica provocada pela guerra da Rússia na Ucrânia, a Alemanha ultrapassa nesta quinta-feira (04/05) seus limites biológicos sustentáveis. Em outras palavras: o país acaba de consumir todos os recursos naturais que é capaz de renovar no período de um ano.

Globalmente, tal marco é conhecido como o Dia da Sobrecarga da Terra – ou Data da Superação da Terra, prevista neste ano para acontecer por volta de 28 de julho, como foi em 2022. Na ocasião, a data já havia sido considerada a mais prematura já registrada pela Global Footprint Network, ONG ambiental dos EUA que há quase três décadas calcula os impactos ecológicos globais e nacionais.

Em 1970, a biocapacidade da Terra — definida como a “capacidade dos ecossistemas de produzir materiais biológicos usados pelas pessoas e de absorver resíduos gerados pelos humanos” — era mais do que suficiente para atender à demanda humana anual por recursos. Contudo, no meio século que se passou desde então, ultrapassamos constantemente as capacidades de nosso único planeta.

A humanidade precisa agora de cerca de 1,7 planeta para manter seu estilo de vida — enquanto seriam necessários três planetas, caso todos na Terra consumissem os recursos naturais na mesma magnitude que os alemães.

O Sul Global arcará com grande parte desse custo – assim como as gerações futuras, que atualmente sofrem com a crise climática alimentada pelo consumo excessivo.

Países como Indonésia ou Equador, por exemplo, não atingirão a sobrecarga até dezembro, mantendo, assim, uma vida relativamente dentro de seus próprios meios. Contudo, esses países são alvo de exploração de recursos por nações mais ricas – como a Alemanha.

“A Alemanha é o quinto maior consumidor de matérias-primas do mundo, importando até 99% de minerais e metais de países do Sul Global”, disse em 2022 Lara Louisa Siever, consultora sênior de políticas para justiça de recursos na rede de desenvolvimento alemã Inkota.

Em 2023, o Catar desponta como o principal culpado pelo esgotamento precoce dos recursos renováveis mundiais, tendo alcançado o Dia da Sobrecarga ​​já em 10 de fevereiro. O Brasil, por outro lado, deverá esgotar seus recursos em 12 de agosto, cerca de duas semanas após a data da superação do planeta como um todo.

Alemanha precisa abandonar a lógica de crescimento constante

A Alemanha, como a maioria dos países desenvolvidos, ainda está no topo da lista. Logo no encalço, vem a França, que esgota seus recursos renováveis um dia depois. Grécia, Reino Unido e Japão vêm logo atrás, superando suas capacidades de recursos ainda este mês.

“O grande problema que temos na Alemanha, que temos no Norte Global em geral, é que ainda não entendemos que os recursos são finitos”, disse Viola Wohlgemuth, ativista de economia circular e substâncias tóxicas do Greenpeace na Alemanha.

Ela argumenta com dados do World Resources Institute (Instituto de Recursos Mundiais) que mostram que 90% da perda de biodiversidade se deve à “exploração de recursos e conversão em produtos” e que essa produção também responde por 50% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Apesar desta “enorme crise de recursos”, nações como a Alemanha “não aprenderam”, lamenta Wohlgemuth.

No passado, a Alemanha era considerada “um modelo de virtude climática”, observou o ativista climático Tadzio Müller, de Berlim.

“A origem desse mito da Alemanha como campeã ecológica, ironicamente, não tem nada a ver com a política industrial da Alemanha ou com suas estratégias políticas em nível governamental, mas tem tudo a ver com poderosos movimentos sociais.”

Como exemplos, ele cita o movimento antinuclear nascido nas décadas de 1970 e 1980 que por muito tempo pressionou pela eliminação gradual da energia nuclear; a ascensão da engenhosidade de energia renovável alemã em empresas locais de pequeno e médio porte; e, recentemente, demandas bem-sucedidas de jovens manifestantes climáticos para o abandono dos combustíveis fósseis.

Mas para resolver a questão das mudanças climáticas e o “problema extremamente grave da perda de biodiversidade” ligado ao consumo excessivo, avalia Müller, é preciso mudar fundamentalmente o princípio motriz que sustenta a política econômica alemã: a mentalidade do crescimento sem fim.

Isso se estende à ideia de “crescimento verde” ou o que ele chama de “capitalismo do carro elétrico”, que também se baseia na expansão massiva do consumo de recursos — especialmente minerais e terras raras.

Economia circular é chave para retardar Dia da Sobrecarga da Terra

Num esforço para implementar eficiências que reduzam o uso de recursos, o governo da Alemanha debate atualmente uma nova estratégia nacional de economia circular — ainda que mantendo o mesmo modelo de crescimento, como observa Müller.

Para Viola Wohlgemuth, uma economia circular holística é vital para atrasar a data da Sobrecarga da Terra.

“Devemos mudar nossos modelos de negócios para que os produtos sejam verdadeiramente recicláveis”, aponta, citando também os princípios de reduzir, reutilizar e reciclar no centro do Plano de Ação para Economia Circular do European Green Deal. Wohlgemuth também pede um teto absoluto para o uso de recursos na Alemanha.

Tais limites, acrescenta, precisam abranger o uso de energia. Segundo a ativista do Greenpeace, apenas um quarto do gás alemão é usado em aquecimento ou para cozinhar, com grande parte do combustível fóssil, com seus altos teores de carbono, alimentando uma produção insustentável.

Alemanha precisa acelerar cortes de emissões

“As emissões de gases de efeito estufa são uma consequência direta da superprodução e do consumo e precisam ser cortadas rapidamente se a Alemanha quiser reduzir sua sobrecarga”, avalia Christoph Bals, diretor político da organização ambiental sem fins lucrativos Germanwatch.

“As emissões de CO2 na Alemanha teriam que cair três vezes mais rápido do que agora”, calcula.

Para reduzir tais emissões, a Germanwatch aposta na melhoria do acesso ao transporte ferroviário de alta velocidade e baixa emissão e na redução das viagens aéreas.

“Mas antes de tudo, é preciso lidar com o consumo excessivo. Caso contrário, a Alemanha não conseguirá viver dentro de seus recursos”, ressalta.

“Nós olhamos para todos os problemas de maneiras separadas — mudança climática, perda de biodiversidade ou escassez de alimentos — como se estivessem ocorrendo de forma independente”, observou o fundador e presidente da Global Footprint Network, Mathis Wackernagel.

“Mas todos são sintomas do mesmo tema subjacente: de que nosso metabolismo coletivo, a quantidade de coisas que a humanidade usa, tornou-se muito grande em comparação com o que a Terra pode renovar”.