Com 1m87 de altura, chefe de 35 mil funcionários e fortuna pessoal estimada em US$ 1,5 bilhão, o maior empresário do Brasil encerra contradições proporcionais ao seu tamanho. ?Dinheiro é secundário?, afirma Antônio Ermírio de Moraes, diretor-superintendente do Grupo Votorantim, quando lembrado de seu eterno destaque no rol dos homens mais ricos do País ? e do mundo. ?Estas listas que saem por aí são bobagens, servem para eu levar chumbo.? Pode ser, mas em matéria de dinheiro ele não se descuida. Tem medo de ver seu cartão de crédito clonado, não faz compras pela Internet e costuma carregar no bolso duas notas de R$ 50. ?Para entregar ao ladrão em caso de assalto?, diverte-se. Ele administra um vasto arsenal de idéias desconcertantes para alguém na sua posição. Nunca como este ano as exportações da Votorantim foram tão bem, com desempenho equivalente a US$ 600 milhões, mas Ermírio gosta de disparar contra a globalização da economia e fazer mira na concentração de riqueza. ?Do jeito que a coisa vai, sobrarão no mundo apenas três países fortes.? Ele vive um instante de paz em suas relações com o governo, mas não perde a chance de cutucar o personagem principal. ?Tenho achado o presidente Fernando Henrique muito cansado e tenso ultimamente. Ele perdeu o sorriso do primeiro mandato e está difícil entender sua política?, diz.
Aos 72 anos, Ermírio parece ter encontrado na condição de comentarista da cena nacional uma âncora para suas inquietudes. ?Consigo dividir minhas preocupações e levar minha mensagem a milhares de pessoas?, definiu a DINHEIRO. Ele agora volta ao papel de escritor. Nesta terça-feira, 26, em São Paulo, está lançando o livro SOS Brasil ? texto integral da peça que reestréia em outubro ?, onde exerce no melhor estilo suas críticas e avaliações sobre problemas brasileiros.

Às oito da manhã de cada dia útil, Ermírio faz questão de estar na sede da Votorantim, no centro velho de São Paulo, quando de sua sala no sétimo andar reassume sua função principal. Ali, num ambiente taciturno montado por móveis pesados, pôsters de usinas elétricas pendurados pelas paredes e pilhas de relatórios amontados tanto em sua mesa pessoal como na de reuniões, ele exerce o papel de empresário que ora critica, ora é autor teatral, ora escritor. A seguir, o crítico-escritor:

 

DINHEIRO ? O sr. sabe quanto dinheiro tem hoje na conta bancária?
Antônio Ermírio de Moraes ?
Dinheiro para mim é secundário, nunca liguei para ele. Importante é ter a consciência tranquila. Não sei exatamente quanto tenho, mas é o suficiente para que eu não passe um cheque sem fundo. Isso não pode.

DINHEIRO ? O sr. guarda dinheiro no exterior?
Ermírio ?
Não, nem um centavo. Ou melhor, me desculpe, devo ter uns 8 mil dólares em Nova York, com um representante nosso. Um neto meu nasceu com uma atrofia na artéria pulmonar e precisou sofrer uma cirurgia muito delicada. Nós fazíamos na Beneficência, mas houve uma recomendação para levá-lo a Boston. Então, transferi uns US$ 15 mil para os Estados Unidos. Só a diária do hospital era de US$ 1,5 mil, e ele ficou cinco dias. Uma diária caríssima.

DINHEIRO ? Quanto o sr. carrega no bolso?
Ermírio ?
Entre 50 e 100 reais, para o caso de ser assaltado. Dou para o ladrão. Pago tudo com cheque. Tenho cartão de crédito só por causa das viagens. Uma vez, em Nova York, paguei a conta do hotel com dólares e o sujeito examinava as notas e olhava feio para mim. Me senti um bandido. Então resolvi ter um cartão de crédito, mas um só, para não ser clonado. Comigo não tem aquele negócio de americano, que abre a carteira e mostra uns 50 cartões. É um só, American Express.

DINHEIRO ? O sr. faz compras pela Internet?
Ermírio ?
Olha, isso está no começo. Brasileiro gosta sempre de dar um jeitinho, né? Com essas coisas eu sou meio mineiro, prefiro ir devagar porque a turma vai muito depressa. Sei que entregam mercadoria errada mas cobram na hora certa. Isso acontece muito nos Estados Unidos também, não é só aqui que tem malandragem. O tráfego de dinheiro diário no mundo é de US$ 1,5 trilhão por dia. Não há instituição que consiga controlar isso tudo. O cara aperta um botão aqui e quebra um sujeito do outro lado do planeta.

DINHEIRO ? Como o sr. cuida da sua segurança?
Ermírio ? Não há muito o que fazer. Se eu precisar ter um carro blindado, mudo de país. Já fui assaltado duas vezes. Na primeira, o bandido abordou o motorista e gritava ?relógio, relógio?. E eu no banco de trás ainda disse ?quem é esse idiota que está gritando?. Aí ele virou para mim e pediu o meu relógio. Eu dei, né? Acho que o cara estava drogado. Outra vez foi na Rebouças, num farol. O sujeito encostou a arma no meu peito. Eu berrava para ele ter calma e tentava tirar o relógio do pulso, assinado pelo Ayrton Senna. Tava difícil, mas saiu.

DINHEIRO ? Como o sr. se vê nas listas dos mais ricos do Brasil e do mundo?
Ermírio ? Não, essas listas, relações, isso tudo é bobagem. Servem para eu tomar chumbo. O Antonio Ermírio é culpado até pela unha encravada dos outros. Aqui, sempre pagamos impostos e, da minha parte, faço o que posso pelo social.

DINHEIRO ? O sr. tem se especializado em criticar o governo. É o seu alvo preferido?
Ermírio ? Cá entre nós, o governo olha o povão meio por cima, não liga muito para esta gente sofrida. Na área da saúde, por exemplo, acho até que o ministro Serra tem boa vontade, mas o problema é do todo. Ele está se debatendo contra os preços dos remédios, mas é difícil brigar contra multinacionais. Esse congelamento tem mais efeito publicitário do que prático. Agora, os remédios genéricos estão chegando ao mercado com preços muito semelhantes aos anteriores.

DINHEIRO ? O sr. é o maior empresário do País. O presidente da República o consulta?
Ermírio ? Não, de jeito nenhum. Eu não tenho a menor pretensão de ser um conselheiro dele, quero manter independência. Eu ficaria muito honrado se ele me consultasse, mas isso não acontece. Não tenho um convívio estreito, mas acho que ele perdeu aquele sorriso que tinha no começo do mandato. Da última vez que falamos, eu liguei para ele, uns quatro meses atrás, para falar sobre a crise energética. Eu disse ?olha, presidente, do jeito que a coisa vai, a energia está indo para uma situação de necessidade. Se deixar na mão dos ministérios, ninguém vai resolver quanto será o preço do gás para as usinas termoelétricas, porque há uma briga entre eles. Ninguém vai investir US$ 400 mil, US$ 500 mil na construção de uma usina térmica sem saber qual o preço da matéria-prima. O senhor tem de tomar a frente da deliberação e dizer quanto vai ser o preço. Não deixe isso na mão dos ministros porque vai correr solto, o tempo vai passar e ninguém vai fazer nada? ?.

DINHEIRO ? E ele?
Ermírio ? Ele disse ?você tem toda a razão?, mas depois tudo ficou como estava, nada foi resolvido. Nem em privatização do setor se fala mais. Esse assunto pode esquecer.

DINHEIRO ? Como vai o seu banco?
Ermírio ? Ele foi criado para que a gente parasse de pagar comissão em excesso para os outros bancos. Hoje a gente paga comissão para o próprio grupo, é bem melhor.

DINHEIRO ? O sr. é visto também como um homem conservador. Como está vendo a sociedade?
Ermírio ? No tempo do Chico Buarque de Holanda, a gente abria a janela e via a banda passar. Hoje, a gente liga a televisão e é só trocar a vogal ?a? por ?u?. Não há mais palavra feia. A televisão está jogando os costumes no chão.

DINHEIRO ? E a febre de consumo?
Ermírio ? Tem muita gente por aí que é rica por dois ou três meses, compra e depois não consegue pagar. Aqui do lado tem um depósito das Casas Bahia. Você vê sair aparelho de som, televisão, coisas que as pessoas compraram e não pagaram. Tem muito idiota por aí que compra BMW, Ferrari e depois não consegue pagar. O dia que alguém me ver dirigindo uma Ferrari pode me colocar na camisa-de-força e mandar para o hospício, terei enlouquecido. Num País como o nosso não se pode andar num carro desses por questão de status. O status tem de vir da inteligência.