Lula olhou para o passado na hora de escolher o presente que daria à ex-presidenta Dilma Rousseff. Um presente duplo, aliás. Para ela, porque vai trabalhar numa das mais deslumbrantes cidades da Ásia, a chinesa Xangai, recebendo um salário que beira os R$ 300 mil mensais no mais alto cargo do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do Brics. O lado B do presente é para o próprio Lula, que manterá sua companheira histórica longe dos holofotes da política nacional, que só tende a ferver com a volta de Jair Bolsonaro dos Estados Unidos. A jogada tem tudo para dar certo na mesma medida em que tem tudo para dar errado.

A instituição de financiamento formada por cinco países-membros (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros quatro associados navegava sob um comando mais técnico com a gestão de Marcos Troyjo, o antecessor de Dilma. A mudança pode ser boa porque o NBD nunca teve à frente alguém que já ocupou a mais alta cadeira do Executivo de um de seus países-membros. A chegada de Dilma impõe um status de maior relevância com a perspectiva de atração de novos países-sócios, mais capital e o direcionamento para uma economia verde.

Na contrapartida, o temor é que ela conduza uma política de distribuição de recursos mais intervencionista ou ideológica, o que pode atrapalhar o caminho desenvolvimentista e isento que a instituição pregava desde seu nascimento. O NBD surgiu como uma alternativa de financiamento para todo tipo de projeto dos países emergentes, mas sem viéses de apelo militar, político ou cultural. Outro ponto questionável na decisão de Lula é que ele repete comportamentos que eram altamente criticados em Jair Bolsonaro. A escolha de Dilma, politicamente, pode ser comparada à de Abraham Weintraub para uma diretoria do Banco Mundial.

Nessa jornada, o desafio de Dilma é manter o banco confiável e incrementar sua relevância mundial. Com capital autorizado de US$ 100 bilhões, o banco perdeu força nos últimos anos. Os recursos não acompanharam a grandiosidade de seu projeto e, à medida que a economia mundial patinou,ele se apequenou. Para o doutor em direito econômico, professor e autor do livro A Agencia Regulatória dos Brics, Jonnas Vasconcelos, algumas rusgas atrapalham o desenvolvimento do banco. “Um exemplo foi a tensão entre Índia e China em relação às fronteiras e ao Paquistão.” No caso do Brasil, a recente subserviência aos EUA na gestão Bolsonaro causou desconforto.

Com tantos ruídos fica difícil crescer, principalmente se há concorrência. O NBD não é o único banco de fomento de olho nos emergentes. O Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (BAII), por exemplo, será uma pedra no sapato de Dilma. Enquanto o banco dos Brics levou seis anos para angariar quatro novos sócios (Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Uruguai e Egito) o BAII foi de 49 para 105 membros no mesmo período e virou a alternativa ao Banco Mundial, como queria o NDB.

Rogério Marcos Simiotto Reis, que integrou a equipe de economistas do NDB entre 2015 e 2016, disse que falta agilidade, e não dinheiro. Em 2021 (antes da pandemia) havia US$ 17,8 bilhões aprovados, mas só US$ 2,3 bilhões liberados. Cabe a Dilma otimizar esse processo. Também é esperada uma interlocução mais efetiva com o empresariado. “Hoje não se consegue nada com o NBD sem intermédio do governo”, disse Reis. E esse tem de ser o foco da Dilma. Perder tempo com ideologia, burocracia ou projetos individuais só fará ela (e o banco) sair menor do que entrou em 2023.

Quatro perguntas para Marcos Troyjo
Ex-presidente do NBD faz balanço de sua gestão à frente da instituição

ANETO Herculano

Quais foram as principais mudanças da sua gestão?
A expansão inicial de membros do Banco foi uma delas. Também houve o fortalecimento do Departamento ESG e o estabelecimento do Escritório de Avaliação Independente, que tornam os processos transparentes.

Como o NDB dialogou com a nova economia?
De muitas formas. Em 2021 emitimos o primeiro título na China associado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Também reforçamos interações com instituições de desenvolvimento, think-tanks, universidades e centros de pesquisa.

E o que encontrou nessas aproximações?
Muito potencial. Por isso lançamos o NDB THINKLab para promover encontros regulares entre toda a equipe do Banco e alguns dos mais renomados líderes mundiais em desenvolvimento, economia e políticas públicas.

O senhor sentiu evolução também na liberação dos projetos durante sua gestão?
Sim. A carteira do banco somou US$ 32,8 bilhões até 2022. São quase 100 projetos em seus países-membros, e os focos são energia limpa, infraestrutura de transporte, irrigação, gestão de recursos hídricos, saneamento básico e urbanismo.