Não faltaram pompa e circunstância à visita da presidente Dilma Rousseff à China, principal parceiro comercial do Brasil, na semana passada. Dilma foi recebida com honras pelo presidente Hu Jintao nos grandiosos salões de Pequim, mas foi muito além da habitual retórica diplomática. No que já pode ser chamado de diplomacia de resultados, a presidente assegurou avanços concretos na área comercial e acertou mais de 20 acordos em diversas setores, como infraestrutura, tecnologia, agronegócios e aviação. 

Dilma volta ao Brasil com compromissos de investimentos que somam mais de US$ 13 bilhões no total, incluindo os US$ 12 bilhões da Foxconn para produzir o iPad no País. Num balanço geral, a viagem presidencial – acompanhada de 300 empresários – rendeu mais do que nunca e abriu espaços importantes de negociação com a nação que caminha para ser a maior economia do mundo.

 

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Passeio na Cidade Proibida, em Pequim: diplomacia de resultados e cobrança de equilíbrio na balança comercial

 

Embora não tenha havido novos avanços na estrutura de incentivos que resulta no intercâmbio comercial pouco favorável ao Brasil, em que a China compra apenas produtos básicos e vende manufaturados para o mercado brasileiro, a passagem da presidente por Pequim e Sanya garantiu vitórias importantes em alguns assuntos bilaterais espinhosos. Uma das maiores conquistas foi a solução para o impasse da Embraer, que ameaçava fechar sua fábrica na China mantida em sociedade com a estatal China Aviation Industry Corpo-ration (Avic), pela falta de demanda para seu avião ERJ-145, para 50 passageiros. 

 

A empresa acertou encomendas de 30 novas unidades do avião E-190 para as companhias CDB Leasing e Heibei Airlines. As aeronaves serão montadas no Brasil e representam pedidos da ordem de US$ 1,25 bilhão. A Embraer chegou a considerar a montagem do E-190, mas vinha enfrentando resistência do governo chinês, que desenvolve um projeto de montagem de um avião semelhante. 

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Mais do que assegurar a venda, a Embraer afinou o tom com a Avic e garantiu a continuidade da joint venture, firmada em 2003, com a estatal chinesa. A companhia brasileira aproveitará as instalações na China para construir jatos executivos Legacy. “Estamos entrando na área de aviação executiva na China sem garantias, como um investimento de risco”, disse o presidente da Embraer, Frederico Curado. Se bem-sucedida, a aposta pode representar vendas de 500 a 600 aviões nos próximos dez anos. 

 

Outro trunfo foi a autorização para exportar carne suína, uma negociação que já se arrastava havia dois anos. Os chineses são os maiores consumidores do mundo do produto e as perspectivas são boas para o setor. Treze frigoríficos brasileiros haviam recebido inspeções sanitárias antes da visita presidencial, mas só três foram autorizados a exportar: a planta da Brasil Foods, em Goiás, o frigorífico Aurora, de Santa Catarina, e a cooperativa Cotrijui, no Rio Grande do Sul.  

 

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Juntos, os três devem vender para a China cerca de 50 mil toneladas por ano, o que representa um faturamento médio de US$ 120 milhões. A DINHEIRO apurou que, até o final deste ano, outras dez empresas serão liberadas para exportar. E outras 13 podem ser certificadas nos próximos dois anos. Para o presidente da Brasil Foods, José Antonio Fay, a visita da presidente foi “decisiva para destravar a negociação”. O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, concorda. “Foi uma ruptura, embora pareça um resultado pequeno”, diz. “Com a carne de frango e a bovina também foi assim, aprovaram poucos frigoríficos até ampliar a exportação.” Neto espera alcançar a meta de exportar 200 mil toneladas para a China, dentro de três a cinco anos.

 

Se os produtores de carne suína e o presidente da Embraer ficaram satisfeitos, o Brasil ainda encontra dificuldades para avançar em compromissos que mudem a pauta de exportação para a China. O seminário empresarial, que aconteceu em Pequim, do qual participaram cerca de 300 homens de negócio brasileiros, tinha justamente como tema principal uma mudança qualitativa na relação comercial. No evento, a presidente deu o recado. Dilma enfatizou que “a transformação da pauta em direção a produtos mais intensivos em tecnologia é o grande desafio para a economia brasileira”, e que as exportações de soja, minério de ferro, petróleo e celulose são boas, mas não suficientes.

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No comunicado final dos encontros bilaterais, a China mencionou vagamente a “disposição de incentivar suas empresas a ampliar a importação de produtos de maior valor agregado”. Não fez referência às tarifas crescentes que cobra de alguns setores industriais. A esperança do governo e das empresas brasileiras, a partir de agora, é domar um pouco mais o dragão chinês quando as negociações forem para o território brasileiro. Em maio, chega ao País uma missão de compras chefiada pelo ministro do Comércio da China, Chen Deming, que deixou claro o interesse dos empresários asiáticos em fazer negócios com o Brasil, principalmente para os eventos esportivos agendados no País – Copa de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016. Em contrapartida, o Brasil faz uma menção ao reconhecimento da China como uma economia de mercado. É uma oferta delicada, pois reduz a chance de adoção de sanções comerciais por dumping contra a concorrência chinesa.

 

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Por ora, os exportadores veem pouca perspectiva de conquistar mercados de maior valor agregado no curto prazo. A Suzano, por exemplo, gostaria de vender mais papel e não apenas celulose para a China, mas vê dificuldades sérias.“Temos problemas tarifários, de logística e tributários”, disse à DINHEIRO Daniel Feffer, vice-presidente corporativo da Suzano Holding. “Sem resolver isso, só é possível aumentar as exportações de papel de maneira transitória.” Mas Feffer reconhece que já houve algum avanço na relação bilateral. 

 

Os investimentos anunciados de empresas asiáticas para ampliar presença no Brasil funcionaram como um indicativo de que há possibilidades de aprofundar as relações. A companhia de telecomunicações Huawei garantiu que vai investir 

US$ 350 milhões num centro de pesquisa e desenvolvimento em Campinas (SP). A empresa de celulares e equipamentos de telefonia ZTE assegurou um montante de US$ 300 milhões para expandir sua fábrica em Hortolândia (SP). 

 

O grupo Chogging anunciou a construção de um centro de processamento de soja em Barreiras, na Bahia, ao custo de US$ 300 milhões.  No sentido inverso, o frigorífico Marfrig está investindo US$ 300 milhões, por meio de sua subsidiária Keystone Foods, em duas joint ventures com as companhias chinesas Cofco e Chinwhiz. 

 

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Para garantir os acordos comerciais, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) propôs, durante a Terceira Cúpula dos Brics, realizada na quinta-feira 14, no balneário de Sanya, que os bancos de Desenvolvimento da China, Índia e Rússia e África do Sul apoiem empresas brasileiras que investirem em seus países. 

 

“Já fazemos isso no Brasil e propusemos reciprocidade”, disse o presidente do banco, Luciano Coutinho. A ideia é conseguir crédito subsidiado, com garantias dadas entre os bancos de desenvolvimento. Um dos principais alvos do BNDES é o poderoso China Development Bank, com ativos totais superiores a US$ 680 bilhões. O banco chinês anunciou uma linha de crédito especial à Petrobras. Será o segundo empréstimo à estatal brasileira: dois anos atrás, o banco em-prestou US$ 10 bilhões para assegurar o fornecimento de petróleo. 

 

Com tantos negócios à vista, o ministro do Desenvolvimento, Comércio e Indústria, Fernando Pimentel, esbanjou entusiasmo. “É inegável que as relações mudaram de patamar”, afirmou. Paulo Francini, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), avalia que o importante, agora, é o governo ter competência para lograr boas trocas nas negociações com os chineses. “Ter vínculos com um país como a China é muito importante para o Brasil”, diz Francini. “Com ou sem o Brasil, ela será a maior economia do mundo e o que temos a fazer é jogar esse jogo.”

 

Colaboraram: Carla Jimenez e Daniel Popov

Enviada especial a Pequim e Sanya