01/09/2010 - 21:00
Cuidadosa ao extremo, a candidata petista Dilma Rousseff se traiu na madrugada da segunda-feira 23, diante de centenas de trabalhadores reunidos na porta da fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Dilma em vários momentos de uma campanha que tem três pilares: José Eduardo Cardozo (acima), cotado para a justiça,
Antônio Palocci (centro), que faz a ponte com o Pib, e Michel Temer, interlocutor com o congresso
“Eu vou ser a primeira presidenta deste país”, disse ao lado do presidente Lula, que já a havia apresentado como tal. O ato falho é compreensível para quem está quase 20 pontos à frente do segundo colocado nas pesquisas, o tucano José Serra, e vive uma situação que nem mesmo seu mentor conseguiu em suas duas campanhas vitoriosas.
Embora tenha proibido a equipe de comentar o assunto para evitar o salto alto, a verdade é que a perspectiva de vitória no primeiro turno já deflagrou uma disputa inevitável por cargos e especulações sobre as primeiras medidas a serem adotadas no início do governo.
Dilma estabeleceu a lei do silêncio, mas ela própria tratou de desmentir notícias de que faria um aperto fiscal. Aos auxiliares mais próximos, coube a tarefa de disseminar que Dilma não fala sobre cargos nem mesmo com eles.
E enviou-se também um recado ao PMDB para que os caciques do partido não se precipitem. O candidato a vice, Michel Temer, que no início do mês disse que a divisão do governo era como a “partilha do pão”, veio a público se desculpar. “Pode ser que o PMDB venha a ocupar cargos e ministérios, mas não existe essa coisa de dividir governo”, explicou.
De todo modo, já estão sendo estudadas mudanças na estrutura administrativa. Uma das ideias da candidata é criar um conselho de especialistas em diversas áreas, como economia, energia, segurança e meio ambiente, dentro do Palácio do Planalto, assim como ocorre na Casa Branca. Com nomes fortes perto da Presidência, os ministérios teriam um perfil mais técnico e menos fisiológico. Na economia, Dilma nega a intenção de fazer um aperto fiscal.
“O Brasil tem uma dívida líquida cadente. Não vejo o menor sentido”, rebateu na terça-feira 24. É certo, porém, que o novo governo terá que segurar as despesas para que elas cresçam menos do que as receitas.
Mas o ajuste pode ser gradual porque acontecerá num cenário de crescimento estimado em 5%. Basta segurar as despesas para reduzir o déficit nominal e com isso diminuir a dívida em relação ao PIB, como defende o ex-ministro Antônio Palocci, hoje o braço direito de Dilma.
A candidata, por sua vez, também avalia que, no seu eventual governo, haverá espaço para que a taxa de juros brasileira se aproxime dos padrões internacionais, sem comprometer a meta de inflação, fixada em 4,5% até 2012.
No mercado, já é grande a expectativa em relação aos nomes que vão compor a futura equipe econômica. Uma maior influência de Palocci sobre a Fazenda sinalizaria um compromisso com o controle fiscal.
Além dele, e apesar da recusa de Dilma em discutir nomes até mesmo com os auxiliares mais próximos, já existe um grupo de colaboradores que, pela proximidade com a candidata, tem espaço garantido no governo. É o caso de Erenice Guerra, que era sua secretária-executiva e ficou com sua vaga na Casa Civil.
Também devem ter lugar garantido técnicos com quem ela trabalhou, como Valter Cardeal, diretor de Engenharia da Eletrobras, responsável por coordenar a montagem do consórcio que vai construir a usina de Belo Monte.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquin, é um nome de confiança de Dilma e tem sido lembrado para a presidência da estatal do pré-sal por ter coordenado a elaboração do marco regulatório da exploração das novas áreas petrolíferas, assim como a diretora de gás e energia da Petrobras, Maria das Graças Foster.
Diante dos trabalhadores da Mercedes, Dilma falou pela primeira vez como presidente. Cedo demais?
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, outro nome muito ligado a Dilma, também pode permanecer no cargo ou assumir outra função. Marcio Pochmann, presidente do Ipea, especialista em emprego, pode ir para um cargo ligado a políticas sociais.
Condutor da atual política industrial, calcada na formação de grandes grupos empresariais brasileiros, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, deve ocupar um posto- chave na equipe econômica. Já o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que é filiado ao PMDB, deve manter um assento importante como conselheiro próximo de Dilma para assuntos relacionados à economia.
Um outro efeito imediato da consolidação de Dilma na dianteira da corrida eleitoral é o crescimento de seu poder de atrair recursos para sua campanha. Na contramão, míngua a capacidade de arrecadação de José Serra na proporção que a concorrente se distancia na liderança. É o efeito da corrida com um cavalo só.
“Do ponto de vista do investimento, colocar recursos numa campanha em via de ser derrotada é jogar dinheiro fora”, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais. Na primeira prestação parcial de contas ao Tribunal Superior Eleitoral, os petistas arrecadaram R$ 11,6 milhões, enquanto as doações para a campanha tucana ficaram em R$ 3,6 milhões, atrás dos R$ 4,2 milhões amealhados por Marina Silva, do PV.
O tesoureiro do PV, Álvaro de Souza, atesta a dificuldade em conseguir doações, apesar da boa receptividade por parte dos empresários. “Em termos de doadores, é surpreendente. Mas em termos de volume está abaixo da expectativa. É inegável que nos veem como uma candidatura que está em terceiro lugar nas pesquisas”, disse ele à DINHEIRO.
Uma vitória no primeiro turno também daria a Dilma maior força para negociar com os partidos aliados na formação do novo governo. “Seria um trunfo para começar o governo, com maior independência em relação ao presidente Lula”, avalia o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília.
Mas a coordenação da campanha não quer falar sobre as vantagens no primeiro turno. “Ganhar é bom. Ponto”, resume o deputado José Eduardo Cardozo, um dos coordenadores da campanha de Dilma.
O grau dessa autonomia na divisão do poder depende do desempenho do PT nas urnas e sua capacidade de se igualar em número à bancada do PMDB, a maior do Congresso. As pesquisas internas no partido têm mostrado resultados animadores, sobretudo em São Paulo, onde o PT espera aumentar sua bancada de 14 para até 18 deputados.
Ao todo, o PT teria cerca de 100 deputados, ficando não muito atrás do PMDB, equilibrando a relação de forças entre os dois partidos. O quadro favorável levou, nas últimas duas semanas, petistas a já começarem a conversar com o PMDB sobre um revezamento na presidência da Câmara e do Senado, fator importante para acelerar a aprovação de projetos de interesse do governo. Mas um interlocutor próximo à candidata garante que as duas legendas podem sair desapontadas. “Nem o PT nem o PMDB levarão tudo o que imaginam”, garante.