DINHEIRO ? Como o sr. vê as transformações das lideranças nestes últimos dez anos? Antigamente, havia lideranças fortes, como o empresário Antônio Ermírio de Moraes. Hoje, não mais. Onde estão os grandes líderes?

João DORIA JR. ? O Brasil mudou também em relação às lideranças empresariais. Hoje, há lideranças múltiplas, setoriais e diversificadas. Não há mais um grande líder, como o Antônio Ermírio de Moraes ou o Eugênio Staub. O Jorge Gerdau é uma liderança importante, mas não tem mais aquela representatividade que já teve. Não obstante ser o mesmo Jorge, com mais experiência e mais cabelos brancos. O próprio crescimento do Brasil e da economia, criando empresas como o Friboi/JBS, que não existiam há dez anos com o porte que têm hoje. Essa mudança provocou transformações e o surgimento de novos nomes. 

 

DINHEIRO ? Isso é bom ou ruim?

DORIA JR. ? É bom e ruim, ao mesmo tempo. Bom para mostrar que a economia cresceu, se multiplicou, se diversificou e produziu novas lideranças. É ruim porque não se consolidou do ponto de vista das entidades associativas e representativas do empresariado.

 

DINHEIRO ? Isso significa, então, que o empresariado está enfraquecido para defender suas posições perante o governo?

DORIA JR. ? Sob certo aspecto, sim. Se o empresariado não se organizar e estabelecer de maneira mais clara as suas vocações, anseios, expectativas e críticas em relação ao governo, vai se enfraquecer. Está faltando liga. Quem faz essa liga são os meios de comunicação, que dão voz a um ou outro segmento em circunstâncias mais graves, como a crise de logística e de infraestrutura. Diante disso, o governo se mobiliza e reage, mas não por força de uma entidade que se manifestou, fortalecida pelas lideranças A e B.

 

DINHEIRO ? Em momentos de crise, muitos empresários ficam mais preocupados em fazer o seu negócio dar certo do que atuar como líderes setoriais, não? 

DORIA JR. ? Esse é outro aspecto. Os empresários, de forma geral, estão muito focados em seus negócios. Está faltando tempo para fazer política setorial. E, no momento anêmico que atravessa a economia brasileira, o empresário tem de estar à frente de seu negócio. Se não estiver, o risco é grande. E, com isso, as pessoas se entrincheiram em suas empresas. 

 

DINHEIRO ? Não está faltando espírito animal para os empresários?

DORIA JR. ? Falta. Mas, de novo, há carência de lideranças. E essa liderança tem de ser do governo. O governo tem de ser o porta-bandeira. Se não houver um líder no governo falando firme e gerando confiança, não vai ser no empresariado que isso vai ocorrer.

 

DINHEIRO ? A presidenta Dilma Rousseff não cumpre esse papel?

DORIA JR. ? Não está cumprindo. Ela tem liderança, mas não tem voz. Ela precisa ter mais voz e comunicação dessa liderança. Lula tinha. Seria um bom papel e uma boa contribuição que a presidenta Dilma daria para a economia. 

 

DINHEIRO ? Não estamos vivendo, então, o dilema de Tostines? O empresário espera uma liderança do governo, que, por sua vez, espera que o empresário invista. 

DORIA JR. ? É o ovo e a galinha. Quem tem a força para liderar esse processo é o governo. Não há no empresariado ninguém que possa pegar esse bastão. No governo, há a figura presidencial de uma mulher que é forte e tem boas características. Ela deve ser a condutora, a maestrina desse processo. Se ela não for, falha o Brasil e falha o governo Dilma. E os dois vão pagar um preço caro.

 

DINHEIRO ? Que conselho daria à presidenta Dilma Rousseff para ajudar os empresários a soltar o seu espírito animal?

DORIA JR. ? Seja líder. Ela tem de liderar o processo. E tem condição para isso. A presidenta Dilma não pode ser uma líder isolada e encastelada no Planalto. Não é bom para ela, para o Brasil, para o empresariado e para a economia. Se viver trancafiada, protegida e defendida, a ponto de não poder estabelecer um diálogo mais amplo com a sociedade civil e não só com o empresariado, ela vai sofrer. 

 

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Antônio Ermírio (à esq.) conversa com Gerdau, durante solenidade, em Brasília,

na década de 1990

 

DINHEIRO ? O que fez o governo perder a confiança do mercado?

DORIA JR. ? No ano passado, as sucessivas estimativas do governo sobre o PIB, que começaram em 4,5% e terminaram em 0,9%. Isso desgastou e criou uma situação de dúvida. E, somados a isso, as aflições do aceno da retomada da inflação, a redução dos investimentos externos no Brasil e o aumento da desconfiança internacional. E digo qual foi o episódio: foi a MP das elétricas. O governo errou fortemente, ainda que com a intenção de reduzir o preço da energia para a população e para a indústria. Rom­peu-se uma relação de confiança, que foi duramente conquistada com os investidores. Essa medida provocou um temor generalizado de que amanhã isso poderia acontecer em outros setores.

 

DINHEIRO ? Se a medida é tão ruim, por que a maioria das empresas aderiu?

DORIA JR. ? Elas não tinham opção: ou aceitavam ou aceitavam. As energéticas perderam muito valor de mercado, gerando prejuízos gigantescos para os acionistas. As estatais perderam quase metade de seu valor. Há uma desconfiança de que o governo possa adotar o intervencionimo como uma medida de reajustar o mercado. Não é o caminho.

 

DINHEIRO ? O empresário brasileiro está aberto à competição?

DORIA JR. ? O empresário que não sabe competir e que imagina que o governo tem de garantir a sua proteção está no caminho errado. No mundo globalizado, ele precisa saber somar forças, consolidar e buscar tecnologias para ser competitivo.

 

DINHEIRO ? A indústria brasileira está preparada para competir globalmente?

DORIA JR. ? Tem de estar. Aquela que não estiver desaparece. Cabe, no entanto, ao governo agir para melhorar a infraestrutura e a logística, reduzir impostos e aperfei­çoar a legislação trabalhista, que é um atraso. 

 

DINHEIRO ? Quem são os líderes empresariais que o sr. mais admira?

DORIA JR. ? Tenho uma admiração declarada pelo Jorge Gerdau, e respeitosa pela trajetória de Antônio Ermírio de Moraes. Um, bastante ativo, que é o Jorge. Outro, afastado dos negócios e da vida pública, que é o Antônio Ermírio. Como memória, é importante o registro do Antônio Ermírio, pelas contribuições que deu ao Brasil na defesa da livre iniciativa e da democracia. E o Jorge Gerdau pelo esforço hercúleo que realiza, quase como um Dom Quixote, tentando aprimorar a eficiência de governos municipais, estaduais e federais. 

 

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André Esteves, dono do Banco BTG Pactual

 

DINHEIRO ? Qual a sua visão sobre Eike Batista?

DORIA JR. ? Ele é um bom empresário e um realizador. Não o qualifico como um líder. Mas eu o respeito, não o desqualifico. 

 

DINHEIRO ? O Brasil precisa mais de Eikes?

DORIA JR. ? Não acho mau que existam Eikes. Não tenho uma posição refratária a ele. Acho bom. Evi­­dentemente que ele estabeleceu uma trajetória mais ousada e corajosa. E não foram governos, foram fundos e investidores internacionais que acreditaram nele. Ele soube vender bem o seu peixe, pois é um excepcional vendedor, tem brilho nos olhos e convence. Assim como o André Esteves, do BTG Pactual, que construiu uma trajetória brilhante e muito rápida. 

 

DINHEIRO ? Mas qual é a contribuição de André Esteves para o capitalismo brasileiro?

DORIA JR. ? Hoje, ele é um consolidador de empresas e de investimentos. Mas não se autodenomina nem grande empresário nem líder. Ele tem humildade.

 

DINHEIRO ? Dá para considerá-lo um líder?

DORIA JR. ? Sim, ele é um líder. O André tem uma visão 360 graus do País e da economia. O negócio que ele criou é respeitado aqui e fora do Brasil. 

 

DINHEIRO ? Nos últimos 20 anos, o Brasil vive uma relativa estabilidade. O sr. acredita que o País deu certo?

DORIA JR. ? O Brasil deu certo. Mas um país não pode estagnar. Ele precisa dar certo todo dia. A partir do momento que deu certo, você comemora, vai para casa e apaga a luz? O Brasil não pode apagar a luz. Ninguém que queira ser um empreendedor pode apagar a luz. Você nunca vai encontrar um empreendedor que vai dizer que está feliz ou está realizado. Se disser, não é um empreendedor. 

 

DINHEIRO ? Quem são os candidatos que podem enfrentar a presidenta Dilma?

DORIA JR. ? É cedo ainda. Mas o fator determinante da eleição será a economia. Se piorar, será mais difícil a situação da presidenta. Se melhorar, crescerão suas chan­­­ces de reeleição. É uma correlação direta.

 

DINHEIRO ? Até lá a oposição vai encontrar algum discurso?

DORIA JR. ? A oposição vai encontrar o discurso na economia. A economia fraca, o aumento do desemprego, a falta de investimento e de esperança contribuem para uma reavaliação. Quem provou a experiência de viver melhor tem pavor da expectativa de viver pior. O grau de fidelidade ao PT é relativo. Se o sonho começa a se esvair, o eleitor vai reagir.

 

DINHEIRO ? A saída da oposição, então, é torcer contra?

DORIA JR. ? Não deveria. Nunca é bom torcer contra. Eu não torço contra. Mas, tecnicamente, para a oposição, a chance real é uma situação econômica não recuperada. 

 

DINHEIRO ? Como analisa os movimentos de protesto no Brasil nos últimos dias?

DORIA JR. ? Há legitimidade. Exceto pela violência, pelas agressões e pichações, a imensa maioria dos jovens que foram às ruas tinha um propósito legítimo de protestar não apenas contra as tarifas de ônibus, mas também contra os equívocos do Estado e da política. Os protestos mostraram que a mobilização popular não é privilégio exclusivo do PT.