Publicado em 2002, Saudades Mortas, terceiro livro de poemas do ex-presidente José Sarney, desponta para a irrelevância, como as obras anteriores. Sem surpresas. A estatura literária de Sarney é comparável à competência com que presidiu o País entre 1985 e 1990. Seu feito mais memorável à frente da República foi a inflação mensal de 84,32% em fevereiro de 1990, após quatro planos fracassados para estabilizar os preços. Uma cifra tão pavorosa, porém, mascara suas próprias causas. O tenebroso fim do governo Sarney esconde a melancólica mediocridade de seus cinco anos de mandato.

Relembrando. Sarney foi o improvável vice do mineiro Tancredo Neves, que havia costurado uma aliança entre a oposição (sem o PT) e os dissidentes do partido que apoiava o regime militar. Sarney foi escolhido para a vice-presidência exatamente por sua capacidade de ser nem a favor nem contra, muito pelo contrário. Às vésperas da posse, uma diverticulite levou Tancredo ao hospital. A incompetência dos médicos e as bactérias do Hospital de Base fizeram o resto e o poder ficou com Sarney. Sua tarefa não seria fácil. Ele teve de enfrentar o ressentimento dos ex-companheiros, que o viam como traidor, e a desconfiança dos novos aliados.

O PMDB garantia a governabilidade cobrando a salgada tarifa habitual. A economia estava em frangalhos, ainda se recuperando da crise da dívida externa do início dos anos 1980. Tivesse estatura política e desprendimento pessoal, Sarney teria superado essas dificuldades com o peso do cargo. No entanto, seu apego ao poder e sua leniência com malfeitos – moveu mundos e (muitos) fundos para garantir um quinto ano de mandato – tornaram tudo mais difícil. Sem apoios, Sarney se limitava a uma gestão diária das crises. A imagem final de sua política econômica era a do ex-ministro Maílson da Nóbrega, que tentava, com muita conversa e negociação, impedir que a inflação superasse 100% ao mês.

Três décadas depois é possível traçar um paralelo do governo Sarney com o início do segundo mandato de Dilma Rousseff. A adoção contrariada de uma política econômica ortodoxa é atacada publicamente por petistas de primeiro escalão. Uma governabilidade precária vem sendo garantida pelo PMDB, mas a barganha por verbas e cargos tem sido cada vez menos envergonhada. Na terça-feira 3, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, rejeitou uma Medida Provisória que elevava as contribuições previdenciárias sobre as folhas de pagamento de 56 setores da economia.

O cenário econômico não é muito melhor. O dólar sobe, a inflação avança – embora esteja longe de estar descontrolada – e os investidores internacionais se retraem. As grandes empresas brasileiras diminuem sua intenção de investir, a criação de empregos estancou e o desemprego de janeiro subiu para 5,3%, o maior índice desde setembro de 2013. Os dois principais vetores de crescimento, o consumo doméstico e os investimentos na infraestrutura e no pré-sal, perderam fôlego, e há poucos sinais de retomada em breve. Nesse cenário, é impossível não lembrar dos intermináveis anos Sarney e, pior, da irresponsável aventura populista que se seguiu. Sem saudades. Nenhuma.