A primeira reunião da presidenta Dilma Rousseff com seus 39 ministros, na Granja do Torto, uma das residências oficiais, na terça-feira 27, começou tensa. No meio do seu discurso, que durou cerca de 35 minutos, Dilma queixou-se com o operador do teleprompter (aparelho que exibe o texto para auxiliar o orador) que o ritmo das frases estava muito lento e dificultava a naturalidade da leitura. Ela tinha pressa para dividir o teor do que era lido e não queria deixar margem a dúvidas: o duro ajuste que será implementado na economia, a partir deste ano, é uma decisão sua e não apenas da equipe econômica.

Ao quebrar o silêncio no qual se recolhera desde a posse, quatro semanas antes, a presidenta acabou por confrontar-se consigo mesma e as promessas feitas no ano passado. Não houve uma autocrítica, mas o reconhecimento de que não há como implementar um equilíbrio fiscal sem afetar, de uma forma ou outra, algumas conquistas sociais. “Os ajustes que estamos fazendo são necessários para manter o rumo, para ampliar as oportunidades, preservando as prioridades sociais e econômicas do governo que iniciamos 12 anos atrás”, disse ela. Foi o aval esperado pelo mercado e pelos próprios integrantes da equipe econômica, que ficaram bastante satisfeitos com a menção ao superávit de 1,2% do PIB.

Para marcar esse novo período, Dilma disse que o governo “não tem mais dinheiro para jogar pela janela” e recorreu, ao final da reunião, a uma frase do ministro das Pequenas e Micro Empresas, Guilherme Afif Domingos: “Sabemos que um boi se come por partes. Vamos comer o boi por partes, então”, concluiu. A analogia ilustra bem o momento atual e qual é o conflito de Dilma Rousseff. A Dilma de 2014 não apenas permitiu o descontrole dos gastos, acima da capacidade de pagamento. Ela também prometeu, durante a campanha eleitoral, que não reduziria direitos trabalhistas – “nem que a vaca tussa” – e teria uma política econômica para produzir crescimento econômico, emprego e renda.

Não é o que a nova Dilma, modelo 2015, conseguirá cumprir, pois o dinheiro não será suficiente para entregar todas essas promessas. “Se tivesse havido transparência na condução da economia no governo Dilma, dificilmente a presidente teria aprofundado os erros que nos trouxeram a esta situação de descalabro”, escreveu a ex-ministra Marta Suplicy em artigo na Folha de S.Paulo, na terça-feira 27. “Não estaríamos agora tendo de viver o aumento desmedido das tarifas, a volta do desemprego, a diminuição de direitos trabalhistas, a inflação, o aumento consecutivo dos juros, a falta de investimentos e o aumento de impostos, fazendo a vaca engasgar de tanto tossir”, criticou a petista, que apoiou a reeleição da presidenta.

À VENCEDORA, AS BATATAS (QUENTES) As contas da Dilma 2014 começaram a ser entregues à Dilma 2015. 
A mais emblemática chegou na quinta-feira 29, na forma de um déficit primário de R$ 17,2 bilhões, o equivalente a 0,3% do PIB. Foi o primeiro saldo negativo desde o início da série histórica, em 1997. O novo secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, que assumiu o cargo em janeiro, reafirmou o compromisso de não fazer malabarismos com os números, como era comum na gestão de Arno Augustin, no primeiro mandato. “Esta administração busca e trabalha com transparência, tempestividade e conformidade das regras.

Essa é a nossa diretriz”, afirmou na entrevista coletiva convocada para divulgar o constrangedor resultado do ano passado. Outro desafio à credibilidade do governo é a situação da Petrobras, que na semana passada voltou a perder valor de mercado com a estimativa de que as perdas com superfaturamentos de obras e ineficiência podem chegar a mais de R$ 88 bilhões (leia aqui). A Dilma do segundo mandato tenta recobrar a confiança perdida no primeiro e, com isso, retomar os investimentos e o crescimento da economia. A reunião ministerial escancarou esses desafios. A mensagem de austeridade, anunciada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi bem recebida pelo mercado e pelos empresários.

Mas as reformas dos benefícios ligados aos trabalhadores, como seguro-desemprego e pensões, provocaram a insatisfação das centrais sindicais, uma das bases de sustentação política do governo. Tentando reduzir as resistências dentro do próprio governo às mudanças nos benefícios sociais, o ministro da Previdência, Carlos Gabas, foi um dos primeiros a falar. Citou exemplos de fraudes no sistema, como casos em que o empregador combinava uma falsa demissão, mas continuava pagando o salário de maneira informal enquanto o trabalhador recebia o seguro-desemprego. “O patrão dava um aumento de salário ao empregado que era pago pelo governo”, queixou-se o ministro aos colegas.

MORDIDA TRIBUTÁRIA O governo precisa aprovar no Congresso as mudanças no seguro-desemprego, no abono salarial, na pensão por morte e no auxílio-doença, que podem gerar uma economia de R$ 18 bilhões já em 2015, de acordo com estimativa da área econômica. Outros R$ 20,6 bilhões virão do aumento dos impostos, tornando ainda mais difícil a vida das empresas e contribuintes do País, e o contingenciamento de gastos com custeio deve resultar numa economia mensal de R$ 1,9 bilhão. São recursos fundamentais para garantir o cumprimento da meta fiscal.

“Este será um ano muito difícil, com aumento de desemprego e dúvidas sobre o apoio político do governo no Congresso”, avalia Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra. O controle da inflação e das contas públicas foi a base dos discursos do ministro Nelson Barbosa, do Planejamento, e Alexandre Tombini, presidente do Banco Central. Segundo os ministros presentes ouvidos pela DINHEIRO, houve receptividade e compreensão de todos com a necessidade de aperto dos cintos. “Precisamos fazer mais com menos”, disse um deles, repetindo a frase do discurso de Dilma.

“Vai ser um desafio contingenciar despesas, por isso é importante comunicar e alinhar a nova política fiscal com os ministros”, disse Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria. Também chamou a atenção dos presentes o bom relacionamento da presidenta com o ministro da Fazenda, dissipando as dúvidas sobre se ele teria ou não o apoio presidencial em seu pacote de ajuste. Levy foi chamado pela presidenta, na manhã da reunião, para acertar alguns pontos do que ela iria ler mais tarde. Eles ficaram juntos cerca de duas horas.

A reunião não ficou apenas nas más notícias. O governo também está preocupado em apresentar uma agenda positiva para as empresas e o setor de infraestrutura, evitando que as informações sobre o segundo mandato fiquem restritas aos aumentos de impostos e cortes de investimentos ou de benefícios sociais. Os ministros defenderam a simplificação dos procedimentos para acelerar os licenciamentos ambientais, por exemplo. Às oito e meia da noite, depois de quatro horas de reunião, a presidenta encerrou a agenda oficial e convidou os ministros para jantar.

No cardápio, carne, peixe e pato. No caso de Dilma, que segue uma restrita dieta, uma salada. O jantar seguiu até as dez da noite de forma descontraída – Levy ensaiou cantar uma música em italiano, a clássica Bella ciao. E a reunião, que começou de forma burocrática e cercada de apreensão, virou uma confraternização entre os membros do primeiro escalão. A recomendação da presidenta para que os ministros defendam o governo começou a ser colocada em prática. Na quinta-feira 29, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que participou de uma reunião com empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, para explicar a necessidade do aumento de impostos anunciado pelo governo como parte do ajuste fiscal, mostrou que fez a lição de casa.

“Nós propusemos as medidas no tamanho que achamos correto e vamos defender”, afirmou. Os empresários deixaram claro que preferiam ver um ajuste maior pelo lado do gasto do governo. “Mostramos ao ministro que não há como pensar em aumento tributário, é preciso reduzir despesa”, disse o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que também discorda da ampliação de 15 dias para 30 no prazo de afastamento a ser pago pelo empregador em caso de auxílio-doença. A Dilma de 2015 terá um longo caminho a percorrer apenas para consertar os erros cometidos nos últimos anos.

Colaborou: Paula Bezerra

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Devagar quase parando

Criação de vagas com carteira assinada em baixa, em 2014, reforça a preocupação com o emprego no País

Por Denize Bacoccina

A manifestação de trabalhadores na avenida Paulista, em São Paulo, na quarta-feira 28, contra as mudanças nas regras do seguro-desemprego e das pensões da Previdência é um sinal dos tempos. A alteração dos benefícios trabalhistas acontece justamente num momento em que o mercado começa a gerar um número bem menor de vagas. Em 2014, foram criadas apenas 396,9 mil postos, o pior desempenho desde 1999, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho. Em contrapartida, a pesquisa mensal de emprego, realizada pelo IBGE, mostra um desemprego de 4,8% em 2014, o menor da série histórica.

Mas essa é uma realidade que já ficou para trás. O primeiro sinal foi a queda do salário médio em dezembro em relação ao mês anterior. No ano passado, foram criados novos postos de trabalho apenas nos setores de serviços, comércio e, em menor escala, na administração pública. Na indústria e na construção civil, as empresas estão demitindo. “A tendência, a partir de agora, é ficar muito pior”, diz José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, setor que fechou 106,4 mil vagas em 2014. “A expectativa é de um cenário ruim para o emprego”, afirma Renato da Fonseca, gerente executivo de pesquisa e competitividade da Confederação Nacional da Indústria. O governo foca no copo meio cheio.

“O grande desafio agora é a qualificação do trabalhador”, afirma o ministro do Trabalho, Manoel Dias. Os sindicalistas, que promoveram o protesto na semana passada, prometem endurecer as negociações para evitar mudanças nas regras do seguro-desemprego, justamente num momento em que esse instrumento de proteção deve ser mais requisitado. “Queremos a revogação das mudanças e abrir negociação do zero”, diz o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. Uma nova reunião com o governo está marcada para terça-feira, 3 de fevereiro. A presidenta Dilma, que antes tinha de provar ao mercado que está disposta a adotar a austeridade em seu governo, terá de enfrentar uma batalha, que promete ser longa, com sua base eleitoral, nem um pouco disposta a pagar a conta do ajuste na economia.