15/10/2008 - 7:00
EM 2006, JOSÉ LUIZ MAJOLO, 54 ANOS, OCUPAVA O CARGO dos sonhos de qualquer executivo. Sentado na cadeira de vicepresidente do banco ABN Real, tinha 14 mil funcionários sob seu comando, helicóptero ao seu dispor e, como ele mesmo diz, um ?salário astronômico?. Dentro da organização e do mercado financeiro, também era muito respeitado pelos seus 35 anos de experiência. Não havia, portanto, motivos que o fizessem deixar o poder. Mas Majolo jogou tudo para o alto. ?Estava cansado da burocracia do dia-a-dia?, explica ele. ?Eu achava que era a hora certa para abandonar aquilo tudo e me dedicar ao que eu realmente gostava?, explica. Majolo foi cuidar de sua pousada, a Ronco do Bugio, em Piedade, no interior de São Paulo, e nesse meio tempo tornou-se sócio da TerpenOil, empresa que fabrica detergentes orgânicos.
?Sempre lidando com sustentabilidade, a área pela qual me apaixonei e que ajudei a implantar no banco.? À primeira vista, largar uma carreira sólida, com remunerações polpudas, pode parecer loucura. Mas, cada vez mais, executivos abandonam a rotina para ganhar dinheiro, menos dinheiro, é verdade, com projetos que lhes dão prazer, transformando hobby em negócio.
A busca por novos horizontes, longe da pressão das grandes empresas, ocorre devido a uma série de fatores. Um estudo elaborado por Betania Tanure, psicóloga e professora associada da Fundação Dom Cabral, que entrevistou mil executivos de alto escalão, revela que 84% deles são infelizes no trabalho. ?O mercado cada vez mais competitivo é uma das principais causas?, diz ela. A burocracia também é um dos fatores cruciais. ?Em média, 38% do tempo gasto pelos executivos não é produtivo?, explica Betania. Foi justamente por isso que o suíço radicado no Brasil, Gérard Moss, de 53 anos, fez algo impensável. Nos anos 80, ele era dono da Transsafra, uma das maiores transportadoras de grãos do País. ?Em 1988, cheguei a fretar 110 navios e levei três milhões de toneladas de soja para países da Europa. Mas o tempo que eu levava resolvendo problemas nos portos me cansava. Eu ganhava muito dinheiro, mas não tinha tempo para gastá-lo?, conta. Aí surgiu a grande oportunidade de vender a empresa. ?Não pensei duas vezes?, diz Moss. Com o dinheiro, ele comprou um avião e passou três anos viajando pelo mundo ao lado de sua esposa.
Ao voltar ao Brasil, ele ainda tentou trabalhar novamente em uma empresa de transporte marítimo, mas não conseguiu. Hoje, faz expedições científicas com seu avião, patrocinado por empresas como Petrobras e Vale do Rio Doce. Moss já pesquisou o ozônio a baixas altitudes, estudou a qualidade das águas dos rios e, agora, está se dedicando a mapear a origem das chuvas no Brasil. ?Meus valores mudaram?, diz Moss. ?Antigamente, eu buscava o carro de luxo e a viagem de primeira classe. Hoje, aproveito a natureza e aprendi a viver com menos.? Esse, aliás, é um dos grandes desafios para quem estava acostumado com salários mais altos. Os amigos e hoje sócios Paulo Sérgio Genovez e Luís Ricardo de Rossi, ambos com 42 anos, passaram por essa prova. Os dois largaram altos cargos na consultoria americana Accenture porque não agüentavam mais o cotidiano no mundo corporativo. Genovez deixou o emprego em 2001, ficou de molho por um ano e depois partiu para o caminho de Santiago de Compostela. Rossi também largou a empresa no mesmo ano e ainda tentou trabalhar em uma companhia de tecnologia. Como gostavam de ler e do ambiente de uma cafeteria, pensaram em abrir uma livraria. Mas só montaram a Livraria Sobrado, localizada em Moema, em 2006. ?Demorou para encontrarmos o ponto ideal?, diz Rossi. Durante o tempo em que ficaram parados, os dois viveram com as economias que tinham acumulado quando eram consultores. Obviamente, não foi fácil enxugar os gastos, mas a recompensa foi maior. ?Hoje sou muito mais feliz?, diz Genovez. ?Trabalho no meu negócio, com o que eu gosto e tenho muito mais tempo para fazer o que quero.?
O tempo é, na verdade, uma das causas de maior angústia entre os executivos. De acordo com a pesquisa de Betania Tanure, 58% dos profissionais estão descontentes com o ritmo excessivo de trabalho. Mais: as novas tecnologias tornaram os executivos aflitos com o trabalho, pois acessam e-mails relacionados à empresa quase diariamente ? até mesmo nos momentos de lazer. ?Muitos também viajam freqüentemente e não têm tempo para a família?, explica Ademar Couto, diretor da consultoria Ray & Berndtson. Além disso, quanto mais cresce na hierarquia de uma empresa, mais o executivo fica refém do poder, do status e do padrão de vida elevado. ?Quando eu disse que largaria o emprego, minha mulher falou que iria se separar?, diz Mauro Maia, 52 anos, ex-diretor da alemã Merck Ag, empresa que atua no setor químico. ?Tive de convencê-la de que não era louco e sabia o que estava fazendo.? E, de fato, sabia. Em 1999, ao mesmo tempo que atuava no universo corporativo, cozinhava para os amigos nos fins de semana e cursava gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi. Ao deixar a empresa, passou seis meses na Itália e, ao voltar, abriu o restaurante Supra, hoje um dos mais badalados de São Paulo.
Há quem diga que o dinheiro que entra na conta bancária no fim do mês é a única forma de medir o sucesso. Mas sucesso mesmo é trabalhar com o que se gosta. O gaúcho Marco Danielle, fotógrafo e ex-dono de uma editora de fotos em Paris, é um desses felizardos. Depois de viver na França e apreciar os bons vinhos daquele país, ele retornou ao Brasil em 2001 e, ao não encontrar bebidas que satisfizessem-no, decidiu criar um vinho para consumo próprio com uvas de Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul. Assim nasceu o Tormentas, vinho cuja primeira safra de 2004 resultou em apenas 500 garrafas. ?Quando vi o resultado achei que era o momento de produzir para mais gente?, diz Danielle. Seu vinho foi elogiado até por Steven Spurrier, crítico da revista inglesa Decanter. Isso o levou a alçar novos vôos, se associar a mais dois empresários, entre eles o arquiteto Milton Scola, e criar a Vinha Solo, um projeto que consumirá R$ 9 milhões e garantirá uma produção anual de 70 mil a 90 mil garrafas. Outro executivo que transformou o prazer pessoal em uma forma de ganhar dinheiro foi Alberto Salles, 59 anos. Salles, que trabalhou anos na Gillete e chegou ao cargo de presidente da divisão Oral-B, se aposentou e descobriu nos charutos a forma de ganhar dinheiro. Ele montou a Emporium Cigars e atualmente é o importador oficial de charutos cubanos para o Brasil. ?Além de ser apreciador de charuto, agora trabalho a alguns quarteirões de casa, no bairro do Leblon?, diz o empresário carioca.
Mais do que ter a própria empresa, o sonho desses executivos é escapar das constantes pressões do mundo corporativo. Ainda mais hoje, com o fenômeno da globalização que fez surgir uma hierarquia espalhada em vários países. Hoje, por exemplo, um executivo brasileiro que trabalha em uma empresa alemã responde para um chefe nos Estados Unidos, outro na Ásia, mais outro na Europa. Fábio Mazza, 40 anos, procurou distância desse tipo de situação. Em 1998, ele trouxe a empresa colombiana Thomas Greg & Sons, gigante na área de impressão de cartões de crédito, cheques e documentos de segurança, para o Brasil. Paralelo a isso, Mazza praticava golfe e presidia o Clube 500, clube de golfe localizado em Guaratinguetá. Como possui muitos contatos no green, foi chamado para ser diretor comercial de um condomínio de golfe. Logo percebeu que havia espaço para crescer nessa área, deixou o condomínio e montou uma agência de viagens voltada ao esporte, a Golf Travel, que presta consultoria para estruturação de campos e também organiza o Brasil Golf Show, maior evento do setor. Está feliz? ?É claro?, diz ele. ?Transformei meu hobby em negócio?, diz Mazza.