DINHEIRO ? O Brasil estabilizou sua economia, mas não conseguiu voltar a crescer de forma satisfatória. O que está inibindo o desenvolvimento?
LESTER THUROW ? O Brasil não está pronto para crescer e a resposta é muito simples. O caminho natural e óbvio é o da educação. O trabalhador brasileiro tem uma escolaridade média de quatro anos, o que é muito baixo para os padrões internacionais. Além disso, as economias que deram certo, como as dos tigres asiáticos, mostraram que, além da educação, é necessário buscar políticas econômicas voltadas para o exterior. Países como Coréia do Sul, Taiwan e China têm altos superávits nas suas transações internacionais. Não é esse o caso do Brasil. Apenas como comparação, Brasil e Coréia eram países com renda per capita muita parecida nos anos 50. A Coréia, que àquela época era um dos países com um dos piores níveis educacionais, hoje tem a melhor educação do mundo. Isso explica, em grande medida, a diferença de desempenho entre vocês e eles.

DINHEIRO ? O sr. também menciona a questão externa. Déficits da ordem de 4% do PIB, como o brasileiro, são insustentáveis?
THUROW ? Claro. Os exemplos que vêm da Ásia mostram uma receita totalmente distinta da de vocês. Não dá para acreditar que um país possa ancorar todo o seu desenvolvimento na atração de recursos externos ou de investimentos diretos. É preciso desenvolver empresas locais que sejam competitivas internacionalmente, de preferência em setores de alta tecnologia.

DINHEIRO ? Mas o Brasil passou
por grandes desvalorizações
cambiais. Isso não poderia resolver
o problema externo?
THUROW ? O que taxa de câmbio faz é apenas reduzir os salários em dólar. Se esse fosse o único fator de competitividade na guerra internacional, todas as empresas do mundo iriam para o Egito. E eu não tenho visto nenhuma onda de desenvolvimento ou de investimento no Egito.

DINHEIRO ? O governo lançou recentemente o slogan ?exportar ou morrer?, mas o ambiente internacional parece muito mais restritivo e protecionista…
THUROW ? Há uma recessão mundial e o Brasil não pode fazer muito a respeito. Quanto ao protecionismo, não acho que exista uma nova tendência global. De forma geral, o mundo caminha para uma liberalização comercial crescente. Mal ou bem, houve várias rodadas comerciais, a Organização Mundial do Comércio consolidou-se e muitos acordos bilaterais têm sido negociados. No âmbito do Nafta, o acordo entre México, Canadá e Estados Unidos, o volume de comércio passou de US$ 300 bilhões para mais de US$ 700 bilhões. O problema é que o Brasil não tem aproveitado muito as oportunidades da globalização.

DINHEIRO ? Mas as restrições americanas ao aço importado, seguidas pela Europa, não seriam um caso de protecionismo explícito?
THUROW ? São exemplos isolados. Isso sempre acontece em um setor ou outro da economia e não só nos países desenvolvidos. Enquanto isso, há muitos outros segmentos em que as barreiras comerciais vêm sendo suprimidas. Veja o caso do México, um país que fez dezenas de acordos comerciais, com diversos parceiros comerciais distintos, e hoje tem as contas externas em melhor situação do que vocês.

DINHEIRO ? Mas no Brasil costuma-se dizer que as barreiras são maiores justamente nos setores em que o Brasil é competitivo, como siderurgia e agricultura…
THUROW ? Em qualquer parte do mundo, mesmo no Brasil, a atividade agrícola é a que mais recebe subsídios. Nos Estados Unidos e na Europa, naturalmente, também é assim. Mas eu não sei se o Brasil é o país mais competitivo nesse campo. Talvez países como Nova Zelândia, Canadá e Argentina produzam bens agropecuários a um custo muito menor. O Brasil deveria se preocupar em ser mais eficiente nos setores dinâmicos do comércio internacional. Deveria se preocupar em conquistar espaço na área eletrônica, de computadores, de equipamentos para telecomunicações. É isso que vai definir quem serão os líderes no que eu chamo de sociedade do conhecimento. E são setores em que vocês, claramente, não são referência em termos de competitividade.

DINHEIRO ? Qual a sua visão sobre a economia americana? O sr. acredita que a recessão já acabou?
THUROW ? Tudo depende da forma como se mede o problema. Há economistas que dizem que numa recessão é preciso verificar durante alguns meses quedas seguidas do PIB. Eu vejo o problema de outra forma. Que diferença faz se a economia americana decresce 0,1% ou cresce 0,1%? É a mesma coisa. Acho que muitos empresários também pensam assim. O que importa é discutir quando e se a economia americana poderá voltar a crescer 3% ou 4% ao ano, de forma sustentada. Essa questão ainda está em aberto.

DINHEIRO ? E isso é possível?
THUROW ? Ainda não está claro. O certo é que dificilmente a valorização dos ativos e do mercado acionário nos Estados Unidos voltará a se repetir tão cedo. E isso foi um dos motores do crescimento da economia nos últimos anos. Houve um choque muito grande de confiança no mercado depois do que aconteceu com a Enron, com a Andersen e com outras empresas que têm práticas contábeis duvidosas. Greenspan agiu bem ao reduzir os juros, mas a volta do crescimento não está garantida. O futuro é incerto.

DINHEIRO ? Por que há crises em setores, como energia
e telecomunicações, que antes eram percebidos como
um porto seguro?
THUROW ? Houve excesso de investimento e uma desregulamentação malfeita. As apostas dos investidores não corresponderam ao que o mercado seria capaz de absorver.

DINHEIRO ? Como o sr. vê a crise na Argentina?
THUROW ? Com profundo desapontamento. No início do século, a Argentina era um dos países mais ricos do mundo, mesmo estando na América Latina. Hoje é um dos mais pobres.

DINHEIRO ? Não estaria faltando ajuda internacional, especialmente do Fundo Monetário Internacional, ao país?
THUROW ? Não creio que o FMI deva dar dinheiro ao governo
de Eduardo Duhalde. Isso só adiaria a solução dos problemas.
A crise é fruto de decisões equivocadas tomadas internamente.
Um século de atraso não pode ser atribuído exclusivamente a problemas externos. O fato é que a Argentina vem tendo péssimos governos há muitos anos. Eles foram responsáveis pela crise e terão que encontrar uma saída.

DINHEIRO ? O Brasil pode virar uma Argentina?
THUROW ? Depende das escolhas internas. O Brasil também teve um passado econômico glorioso. Entre 1968 e 1978, foi a economia que mais cresceu no mundo. Mas isso foi a exceção, não a regra. É preciso consistência e seriedade dos governos durante muitos anos. Os Estados Unidos levaram um século para alcançar a Grã-Bretanha. Não foi algo instantâneo. Vou muito ao Brasil e vejo que as pessoas ficam um pouco desapontadas. Sempre que eu digo que o desenvolvimento é um processo que envolve várias gerações, as pessoas me perguntam se não dá para resolver o problema em 10 ou vinte anos. Não dá para ser imediatista.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia o ambiente político na
América Latina?
THUROW ? O problema da região é o mesmo de 30 anos atrás, que é o mesmo de 100 anos atrás. Tem a ver com as escolhas que os povos fazem. Países como a Argentina e o Brasil regrediram em razão de governos ruins. Não se pode culpar ninguém de fora.

DINHEIRO ? O sr. vê riscos de volta do populismo?
THUROW ? Essa é uma questão sempre presente na América Latina. Mas, evidentemente, políticas demagógicas só agravam os problemas econômicos. Podem gerar satisfação no curto prazo, mas depois deixam dificuldades ainda maiores.

DINHEIRO ? Qual a sua avaliação sobre o que
aconteceu na Venezuela?

THUROW ? Os Estados Unidos, claramente, agiram muito mal. Não se pode festejar um golpe de Estado, como foi a atitude do governo de George W. Bush. Goste-se ou não de Hugo Chávez, ele foi um líder político eleito pelo povo. Mesmo que fosse um líder capaz de tomar atitudes bizarras e tolas, ele deveria ser visto como um representante legítimo da democracia venezuelana. Para o governo americano, foi constrangedor o que aconteceu.

DINHEIRO ? Sua esposa é israelense e o sr. tem uma filha em Tel-Aviv. Qual a sua posição sobre o conflito no Oriente Médio?
THUROW ? É um desastre absoluto. Não sei quem é pior: Ariel Sharon ou Yasser Arafat. Está provado que, deixados a sós, os judeus e palestinos não conseguirão conviver de forma harmônica. Estão brigando há 50 anos e vão brigar pelos próximos 50.

DINHEIRO ? Os líderes internacionais não deveriam se envolver mais na solução do problema?
THUROW ? Claro. É preciso que os Estados Unidos intervenham e imponham um tratado de paz ou as condições para um eventual Estado da Palestina. É a única solução.

DINHEIRO ? Esses conflitos podem desencadear uma nova crise do petróleo?
THUROW
? É cedo para se tirar conclusões a respeito disso. Mas a minha posição na questão energética é clara. Acho que todos os países, inclusive os Estados Unidos, devem reduzir sua dependência em relação ao Oriente Médio, assim como devem diminuir a queima de combustíveis fósseis. Do ponto de vista ambiental e econômico, a melhor alternativa é a retomada da energia nuclear.