Autoridades dos Três Poderes fizeram críticas, em evento em Brasília nesta quarta-feira, 25, ao modo de atuação da Polícia Federal durante as operações da Lava Jato. A força-tarefa teve seu auge entre 2015 e 2018.

Indiretas à Lava Jato, preocupação com o avanço do crime organizado e apelo por melhorias nas condições de trabalho no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão responsável por fiscalizar transações suspeitas visando combater crimes – marcaram as declarações de autoridades presentes no seminário “Inteligência financeira contra o crime organizado”, realizado no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.

O evento foi realizado para lançar o estudo “Lavagem de dinheiro e enfrentamento ao crime organizado no Brasil”, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o grupo Esfera Brasil. O Coaf é colocado como protagonista do levantamento, que aponta o fortalecimento institucional do órgão como “fundamental para desarticular as sofisticadas redes de lavagem de dinheiro” de organizações.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, enaltecia o trabalho da instituição ao mencionar a apreensão de R$ 50 milhões em espécie durante o período das eleições municipais de 2024 quando provocou o trabalho feito por seus antecessores.

“Alguém viu a imagem de alguém preso, algemado, sendo ridicularizado durante as nossas operações? Alguém sabe o nome de algum policial federal, um herói nacional, um japonês da federal? Não, porque a nossa política vai ao encontro do que foi dito aqui: trabalhar com efetividade, com resultado, produzindo para o sistema de justiça criminal, e não para efeitos midiáticos e sem conteúdo”, afirmou Rodrigues.

Ele disse que a PF fez mais de 9 mil prisões em flagrante no ano passado, prendendo inclusive um “ex-presidente da República no mês passado”. Rodrigues se referiu a Fernando Collor de Melo, que foi considerado culpado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo recebimento de R$ 20 milhões em propinas da UTC Engenharia em troca do direcionamento de contratos de BR Distribuidora, e hoje cumpre prisão domiciliar em cobertura.

Antes de Rodrigues, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e o ministro do STF Gilmar Mendes, assíduo crítico da Lava Jato e co-fundador do IDP, sede do evento, também fizeram provocações à operação.

“Todos nós sabemos que o enfrentamento ao crime organizado não será resolvido com retórica. Tampouco, e o doutor Andrei trouxe essa visão para a PF, o combate ao crime organizado se dará pela espetacularização das ações policiais e dos órgãos de controle ou por reformas improvisadas”, afirmou Dantas.

Já o ministro do STF declarou que, “considerando os antecedentes recentes que tivemos, é fundamental que nós enfatizemos: Não se combate crime cometendo crime”, antes de ser aplaudido.

A fase midiática da Lava Jato teve força-tarefa da PF, o então juiz Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, que concentrou os principais processos, e o procurador Deltan Dallagnol na coordenação das ações. Moro, escolhido ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e hoje senador pelo União Brasil do Paraná, e Dallagnol, eleito deputado federal e depois cassado, tornaram-se públicos desafetos do PT, hoje no poder.

Apelos pelo Coaf

O evento com apelos a melhorias no Coaf é realizado num momento de troca de bastão no comando do órgão. O próximo presidente, o delegado da PF Ricardo Saadi, deve assumir em 1º de julho, substituindo Ricardo Liáo, que comanda o órgão desde agosto de 2019. Saadi já foi conselheiro do Coaf e, hoje, é diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção da PF.

Saadi usou sua apresentação no evento para cobrar investimentos no órgão que vai assumir. Ele mencionou que o Coaf recebeu 7,5 milhões de comunicações no ano passado, enquanto tem aproximadamente 100 servidores emprestados – e menos da metade trabalha na análise dos dados. Ele criticou o fato de o Coaf não ter carreira própria, o que pode comprometer a qualidade do trabalho.

Ele afirmou ser preciso uma “atualização tecnológica” e um “sistema mais moderno” para o Coaf: “Uma melhora na estrutura do Coaf, todos seriam beneficiados. A partir do momento em que o Coaf tem melhores condições de receber, tratar e analisar esse tipo de dados, vai gerar dados muito mais concretos, objetivos e corretos para a polícia e o Ministério Público”, afirmou.

O Coaf foi tragado para o centro de uma briga por poder e protagonismo durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Com a ida de Moro para o governo federal, o órgão passou a ser vinculado ao Ministério da Justiça. Para o então ministro, a permanência do Conselho na pasta que ele chefiava era algo “estratégico para o enfrentamento da corrupção e do crime organizado”.

Depois que a relação de Moro com o presidente se desgastou, Bolsonaro atuou para transferir o Coaf para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes. Moro reagiu e disse que Jair Bolsonaro tinha “medo” de que informações do Coaf apontassem suspeitas sobre a família e, por isso, o então presidente decidiu “enfraquecer o combate à corrupção”. A declaração ocorreu em meio às suspeitas do chamado “escândalo das rachadinhas”.

Ainda no governo Bolsonaro, o Coaf foi transferido para o Banco Central. Com o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o órgão foi colocado sob a alçada do Ministério da Fazenda, de Fernando Haddad (PT). O organograma desagradou opositores que decidiram, no Congresso, devolver o Coaf ao Banco Central, onde permanece.

Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os pesquisadores do FBSP fizeram seis sugestões de aprimoramento do Coaf:

– Mais recursos materiais e a criação de uma carreira específica para garantir continuidade institucional;

– Infraestrutura tecnológica para processar e analisar grandes volumes de dados, inclusive análise preditiva, machine learning e inteligência artificial;

– Definição de critérios para o compartilhamento de dados para evitar insegurança nas investigações;

– Revisar as regras dos órgãos regulatórios sobre quais atos devem ser comunicados por parte da sociedade, de modo a evitar um excesso de notificações não relevantes;

– Regulamentar os deveres de compliance e de comunicação das prestadoras de serviços de ativos virtuais;

– Melhorar a coordenação prática entre polícias, Ministério Público, Receita Federal e Coaf.