12/09/2007 - 7:00
“O Primeiro Emprego de Lula fracassou porque o mercado quer gente experiente”
“Trocar a hora extra pelo trabalho temporário reduziria à metade o desemprego”
DINHEIRO ? A Organização Internacional do Trabalho (OIT) coloca o Brasil na 65ª posição no ranking de produtividade. Estamos atrás de Bósnia, Irã, Chile e Argentina. O que fazer para mudar esse quadro?
JOHANNES WIEGERINCK ? De fato, o País está perdendo competitividade. Enquanto a produtividade da China triplicou, nos últimos 20 anos, o Brasil estagnou. Creio que dois fatores foram fundamentais para isso. Um deles é que alocamos muita gente para realizar tarefas inúteis, frutos do excesso de burocracia. E isso acontece tanto no governo quanto na iniciativa privada. Outro agravante é a questão gerencial. Há 30 anos, Peter Drucker (guru da área de administração) disse que não existiam países subdesenvolvidos, mas subadministrados. E o Brasil é um exemplo disso. Faltam-nos lideranças voltadas para o que realmente interessa que é o desenvolvimento do País.
DINHEIRO ? Existe algum modelo no qual o Brasil poderia se espelhar, para superar esse desafio?
WIEGERINCK ? A Coréia do Sul, a Nova Zelândia e a Irlanda são bons exemplos. Especialmente esse último que, em apenas 20 anos, saiu de um estado de penúria para a condição de tigre econômico. Hoje, a renda per capita do irlandês é 26% maior que a média da União Européia. Na década de 80 esse indicador era 25% menor que a média da região.
DINHEIRO ? E o que nós, brasileiros, precisamos fazer para dar um salto semelhante?
WIEGERINCK ? Analisando a questão pelo ponto de vista trabalhista, acho que a primeira medida deveria ser a flexibilização da CLT. Precisamos fazer com que a legislação proteja apenas quem efetivamente precisa de proteção. Não tem sentido em um país como o Brasil igualarmos, em matéria de verbas rescisórias, um diretor de fábrica a um operário. O primeiro tem instrução suficiente para se recolocar rapidamente no mercado. Além disso, ele é capaz de formar uma poupança e sabe se defender muito bem.
DINHEIRO ? O sr. está propondo, então, um teto salarial para que as pessoas sejam atendidas pela CLT?
WIEGERINCK ? É isso mesmo. Podemos definir como patamar o valor equivalente a dez salários mínimos (R$ 3,8 mil). Acima disso, as pessoas teriam direito a usufruir de apenas alguns dispositivos da legislação trabalhista.
DINHEIRO ? Mas isso não criaria dois tipos de cidadãos: o de primeiro e o de segunda classe, quando a Constituição diz que somos todos iguais? WIEGERINCK ? Sou partidário da tese de que temos de tratar de forma diferente as pessoas diferentes. Um diretor de banco não precisa de um colchão social. A CLT não foi feita para executivos e acionistas de empresas. Só que, por equívocos do Judiciário, ampliou-se a cobertura para todos os níveis.
DINHEIRO ? O sr. está dizendo que a boa-fé e o altruísmo dos legisladores e do Judiciário prejudica quem eles dizem defender?
WIEGERINCK ? Altruísmo com o dinheiro alheio é fácil. O que tem sido feito no Brasil é jogar o problema para a frente.
DINHEIRO ? Muitos atores da cena política e econômica falam em mudança, mas ninguém quer perder privilégios. Como resolver isso?
WIEGERINCK ? A Espanha conseguiu construir um consenso em torno na flexibilização das leis trabalhistas que possibilitaram reduzir de quase 25% para 8% a taxa de desemprego. Trata- se de um patamar menor que o verificado na França. E olha que o espanhol é um povo bastante passional. Acho que os políticos, os empresários e os sindicalistas poderiam apostar na experimentação. Ou seja, em leis com data de validade. Deu certo, continua.
DINHEIRO ? Mas isso, de certa forma, foi feito no caso dos programas de incentivo ao recrutamento dos jovens e mesmo assim eles não deslancharam. WIEGERINCK ? O Projeto Primeiro Emprego, criado na gestão do presidente Lula, foi um fracasso total por vários motivos. O principal deles é a realidade do mercado. Como existe um excedente de mão-de-obra, as empresas preferem trabalhar com pessoas que têm experiência.
DINHEIRO ? Mas o governo de Fernando Henrique propôs incentivos e nem isso ajudou. Por quê?
WIEGERINCK ? Simplesmente porque todos os pacotes foram mal estruturados.
DINHEIRO ? E o que pode ser feito?
WIEGERINCK ? Apresentei um projeto ao governo, em 2004, que está engavetado até hoje. Nele, eu defendo o uso do mecanismo do trabalho temporário. Funcionaria assim: os jovens que nunca tiveram registro em carteira seriam contratados por um ano. Ao final desse período eles poderiam ser dispensados. A verba rescisória seria idêntica à atual, com exceção da multa de 40% do FGTS. Tenho certeza de que muitas empresas iriam manter esses jovens em seu quadro funcional. E aqueles que não fossem efetivados voltariam ao mercado de trabalho em condição melhor, pois contariam com experiência teórica e prática.
DINHEIRO ? E qual foi a resposta do governo? WIEGERINCK ? Até agora nenhuma. Já falei sobre isso com os ministros Ricardo Berzoini, Luiz Marinho e o atual titular da pasta, Carlos Lupi. Vamos ver se um dia sai.
DINHEIRO ? Qual seria o impacto dessa idéia no mercado? WIEGERINCK ? Creio que, no prazo de um ano, poderíamos garantir o acesso de cerca de um milhão de jovens ao mercado formal.
DINHEIRO ? Sabemos, no entanto, que o problema do desemprego não se restringe aos jovens. E o que fazer em relação às demais faixas etárias? WIEGERINCK ? Mesmo antes de construirmos um consenso em torno das mudanças, acho que uma única lei poderia dar maior dinamismo ao mercado. Trata-se da troca de horas extras pela contratação de pessoal temporário. Com isso, teríamos condições de reduzir à metade a taxa de desemprego, hoje em 9,5%. As horas extras são nefastas para a economia de um modo geral e também para a qualidade de vida dos trabalhadores.
As empresas perdem porque têm um gasto elevado com o pagamento de um adicional que varia de 50% a 100%.
DINHEIRO ? Mas os empresários alegam que horas extras são mais baratas em relação à contratação de um novo trabalhador.
WIEGERINCK ? Isso não é verdade. Essa visão é típica dos empresários que não sabem sequer fazer conta.
DINHEIRO ? Falando em inovações, o sr. acredita que a criação de cotas para deficientes físicos e outros grupos não cria uma situação artificial no mercado?
WIEGERINCK ? A lei, de fato, é muito primitiva. Ela é cheia de defeitos. A idéia é boa, pois esse contingente precisa ser integrado. Mas a regulamentação contém muitos erros. Um deles é o dispositivo que suspende a bolsa-auxílio que o governo paga ao deficiente quando ele ingressa no mercado. Ao perder a vaga ele não volta a receber o benefício. O resultado é que muitos deficientes resistem a ingressar no mercado de trabalho e as empresas não têm como cumprir a lei de cota, ficando sujeitas a multas e outras penalidades.
DINHEIRO ? E qual seria a solução?
WIEGERINCK ? É preciso alterar a regulamentação dando a oportunidade de as empresas cumprirem a cota não apenas com a contratação, mas também com treinamento. Infelizmente, falta criatividade a nossos legisladores e ao governo. E não estou falando de adotar um jeitinho, mas da busca de soluções efetivas e inovadoras.
DINHEIRO ? O sr. está dizendo que os políticos em geral são preguiçosos? WIEGERINCK ? De maneira nenhuma. Acho que o que existe é uma visão calcada no conceito errôneo de que tem de obrigar, forçar e punir com multa as empresas e os cidadãos, em geral, caso contrário nada funciona. Trata-se de uma extensão do pensamento caudilhesco e da linha eu mando e você obedece.
DINHEIRO ? E o que o sr. sugere?
WIEGERINCK ? É preciso mais diálogo. Mas não aquele diálogo no qual as partes já começam a conversa rejeitando a opinião contrária.
DINHEIRO ? Mas isso não é um contrasenso em se tratando do governo chefiado por um ex-líder sindical, como o presidente Lula, que é um ?pós-graduado? na arte da negociação?
WIEGERINCK ? Infelizmente esse problema não é exclusivo das lideranças sindicais e dos políticos. Os empresários repetem os mesmos erros. Acho que o que falta ao Brasil é uma aposta maior na construção de um capital social. Temos de criar mecanismos para fortalecer o diálogo em todos os níveis, baseado na boa vontade e livre de quaisquer preconceitos. A sociedade brasileira foi estruturada em um sistema no qual ninguém confia em ninguém. E isso é lamentável.
DINHEIRO ? O mercado de trabalho está mudando rapidamente. O sr. acha que as escolas preparam o profissional para o mercado? WIEGERINCK ? Analiso essa questão do ponto de vista filosófico. Sou partidário da tese de que as escolas, de um modo geral, não foram feitas para preparar ninguém para o trabalho. Mas sim para garantir às pessoas um arcabouço intelectual. Para desempenhar bem uma determinada função é preciso, além do embasamento acadêmico, o treinamento técnico.
DINHEIRO ? E qual a dica que o sr. daria para quem está em busca de emprego nesse momento?
WIEGERINCK ? O ideal é apostar em áreas nas quais cada um tem vocação e talento. Definido isso, é preciso estudar constantemente e se manter atualizado. Um bom relacionamento com profissionais da área, o chamado network, sempre ajuda. Mas é preciso ser um profissional acima da média para ter sucesso em qualquer ramo de atuação.