10/07/2022 - 17:05
Uma festa de aniversário com temática pró-Lula e decorada com símbolos do PT foi palco de um crime de ódio em Foz de Iguaçu (PR), em meio ao clima de tensão que marca o país a poucos meses da eleição presidencial, com uma campanha que já vem acumulando sucessivos episódios de violência política.
Na madrugada deste domingo (10/07), o guarda municipal Marcelo Arruda, que também atuava como tesoureiro do PT da cidade e já havia sido candidato a vice-prefeito, foi assassinado por um agente penitenciário bolsonarista durante a celebração do seu aniversário de 50 anos. A vítima conseguiu abater o agressor em legítima defesa antes de morrer. Uma câmera de segurança registrou o crime.
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O crime foi condenado por parte da classe política e levantou acusações de que o comportamento do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro vem instigando violência contra adversários.
O crime
Segundo informações do boletim de ocorrência, o crime ocorreu quando Arruda e convidados celebravam o aniversário do guarda municipal, que ocorria com cerca de 40 pessoas na sede da Associação Recreativa Esportiva Segurança Física de Itaipu (Aresfi).
Imagens da festa mostram retratos de Lula nas paredes e símbolos do PT no bolo. Por volta de 23h, a festa foi interrompida temporariamente quando o agente penitenciário federal Jorge José da Rocha Guaranho passou em frente ao local de carro e gritou “aqui é Bolsonaro”.
Guaranho estava com uma mulher que tinha uma criança de colo. Ele não era conhecido pelos presentes na festa e não havia sido convidado, de acordo com testemunhas. Segundo o boletim, Guaranho saiu do carro com uma arma de fogo a mão e gritando frases de apoio a Bolsonaro. Segundo uma testemunha, ele foi inicialmente dissuadido pela mulher que estava no carro e deixou o local, mas gritou que voltaria.
Guaranho retornou vinte minutos depois e desta vez abriu fogo. Antes de disparar, ele foi abordado pela esposa de Arruda, uma policial civil, que se identificou como tal. Ainda assim, Guaranho disparou dois tiros contra Arruda. Imagens de uma câmera de segurança mostram Guaranho disparando diretamente contra Arruda, que cai no chão. O agente penitenciário então se aproxima e dispara mais uma vez diretamente no peito de Arruda.
No intervalo da saída de Guaranho e seu retorno, Arruda havia buscado sua arma no carro como precaução. Quando Guaranho voltou e disparou, Arruda, ferido, revidou e acertou três vezes o agente penitenciário após levar o segundo tiro. Ambos acabaram morrendo.
“O bolsonarista apareceu do nada. Ninguém conhecia ele. Ele gritava que ia matar todos os petistas, gritava palavras de ordem e ‘aqui é Bolsonaro'”, relatou ao jornal O Globo o filho mais velho de Arruda, Leonardo. “Pelo ódio dele, parecia que ia matar todo mundo. Mas meu pai conseguiu evitar o pior, antes de morrer.”
Arruda deixa quatro filhos, entre eles uma menina que tem apenas dois meses de vida.
O perfil de Guaranho no Facebook mostra várias publicações em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e a favor de armas. Em outubro de 2018, durante a campanha eleitoral, Guaranho postou “eu sou o caixa 2 de Bolsonaro”.
Suas contas no Twitter e Facebook também exibem publicações com outros bandeiras bolsonaristas: apoio a Donald Trump, oposição ao aborto, ataques à imprensa, denúncias mentirosas de fraude nas eleições americanas, conspiracionismo sobre a pandemia e críticas ao Supremo Tribunal Federal.
Violência política
Nas últimas semanas, a pré-campanha eleitoral já acumulava episódios de tensão e violência política. Nesta semana, uma bomba caseira foi detonada num comício de Lula no centro do Rio de Janeiro, sem deixar feridos. O autor foi preso. Em junho, um drone já havia lançado um líquido descrito como “água de esgoto” sobre apoiadores de Lula num evento em Minas Gerais. O autor, um fazendeiro, também foi preso. Antes disso, militantes bolsonaristas já haviam cercado um veículo que transportava Lula na cidade paulista de Campinas.
Após o assassinato de Arruda, políticos de oposição acusaram o presidente Jair Bolsonaro de instigar esse tipo de violência.
O presidente de extrema tem, de fato, um histórico de defesa de agressões contra adversários políticos. No final dos anos 1990, quando era deputado, ele defendeu que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fosse “fuzilado” e que o ex-presidente do Banco Central Chico Lopes sofresse “tortura”, além de afirmar que o Brasil só mudaria “matando 30 mil” pessoas.
Ainda na campanha de 2018, durante um evento no norte do país, o então candidato afirmou para apoiadores “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein?”. Durante a pandemia, Bolsonaro também falou várias vezes em armar a população para que ela reagisse com força contra governadores e prefeitos que haviam ordenado a paralisação de atividades sociais e econômicas para frear a disseminação do vírus.
Ainda nesta semana, Bolsonaro lançou uma ameaça velada e uma convocação aos seus apoiadores. “Não preciso dizer o que estou pensando, ou o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para um novo Capitólio, ninguém quer invadir nada. Mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições”, afirmou Bolsonaro em sua live semanal, fazendo referência à invasão da sede do Congresso dos EUA por uma turba de extremistas em 6 janeiro de 2021. Em desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro vem multiplicando ataques ao sistema eleitoral do país e indicando que não deve aceitar pacificamente uma derrota nas urnas.
Reação
Dirigentes do PT e membros da classe política não-bolsonarista condenaram o assassinato de Marcelo Arruda. Alguns, como ex-presidente Lula, acusaram o presidente Jair Bolsonaro de incentivar a violência.
“Duas famílias perderam seus pais. Filhos ficaram órfãos, inclusive os do agressor. Meus sentimentos e solidariedade aos familiares, amigos e companheiros de Marcelo Arruda. (…) Também peço compreensão e solidariedade com os familiares de José da Rocha Guaranho [o agressor], que perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável”, escreveu Lula no Twitter.
“Este domingo amanheceu de luto após o assassinato brutal do companheiro Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu. Ele foi assassinado durante sua festa de aniversário de 50 anos. Minha solidariedade aos filhos, esposa e amigos. Esse não é o Brasil que conhecemos e amamos”, escreveu no Twitter o petista Fernando Haddad, pré-candidato ao governo de São Paulo.
“Nosso companheiro e amigo Marcelo Arruda, guarda municipal em Foz do Iguaçu, foi assassinado ontem em sua festa de 50 anos. Um policial penal, bolsonarista, tentou invadir a festa com arma. Trocaram tiros. Ambos morreram. Uma tragédia fruto da intolerância dessa turma”, escreveu a presidente nacional do PT, a deputada paranaense Gleisi Hoffmann.
“Mais um querido companheiro se foi nessa madrugada, vítima da intolerância, do ódio e da violência política”, declarou uma nota divulgada pelo diretório nacional do PT e assinada por Hoffmann.
“Embalados por um discurso de ódio e perigosamente armados pela política oficial do atual Presidente da República, que estimula cotidianamente o enfrentamento, o conflito, o ataque a adversários, quaisquer pessoas ensandecidas por esse projeto de morte e destruição vêm se transformando em agressores ou assassinos”, prossegue a nota.
“É triste, muito triste, a tragédia humana e política que tirou a vida de dois pais de família em Foz do Iguaçu. O ódio político precisa ser contido para evitar que tenhamos uma tragédia de proporções gigantescas”, escreveu o presidenciável Ciro Gomes (PDT).
“O assassinato de Marcelo Arruda é consequência da guerra do ‘bem contra o mal’ invocada por Bolsonaro que gera dor, medo e lágrimas para todos os lados. É preciso dar um basta nessa política de violência”, escreveu a ex-presidenciável Marina Silva, dirigente da Rede.
“Talvez tenha sido dado ontem em Foz do Iguaçu o primeiro tiro da guerra civil que pode caracterizar a eleição deste ano. Durante guerra civil não há terceira via”, escreveu o ex-governador e ex-presidenciável Cristovam Buarque (Cidadania).
A Prefeitura de Foz do Iguaçu lamentou a morte de Marcelo, que trabalhava há 28 anos na corporação, era diretor da executiva do Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu (Sismufi).
O presidente Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o crime. Já um dos seus filhos, o vereador Carlos, que já foi apontado em um inquérito como líder do esquema de disseminação de fake news, aproveitou a ocasião para usar táticas diversionistas, publicando comentários sobre supostos crimes do PT, evitando abordar diretamente o assassinato cometido por um bolsonarista em Foz do Iguaçu.