08/12/2000 - 8:00
DINHEIRO ? A OMC tem sido bombardeada com críticas. Como é presidir a instituição neste momento?
MIKE MOORE ? É muito mais frustrante do que difícil. Isso porque a tomada de decisões não depende de você, mas dos membros da organização. E a única coisa que eu posso fazer é encorajar os membros a tomar as decisões que considero certas. Mas nem sempre isso é possível. Por isso, muitas vezes é frustrante ver o quanto poderia ter sido feito em comparação com o que se fez. Além disso, às vezes é difícil porque o papel da OMC é ainda muito mal compreendido.
DINHEIRO ? O sr. está percorrendo diversos países latino-americanos há vários dias. Qual o objetivo da visita?
MOORE ? Já faz algum tempo eu queria vir para a região. Escolhi Uruguai, Argentina, Chile, México e Brasil que são países importantes. Queria ver como estão as coisas por aqui e sentir os avanços.
DINHEIRO ? E o que o sr. viu?
MOORE ? Não posso fazer comentários específicos sobre cada país em particular. Mas, de modo geral, acho que a região avançou muito nos últimos anos em termos de abertura comercial, de melhoria da qualidade de vida e de aumento da renda. No Brasil isso é muito claro. Mas as pessoas esquecem-se disso muito rapidamente. É que em política não importa o que já foi feito, mas o que será feito. Na minha opinião, o Brasil já se transformou em uma superpotência. É verdade que o País enfrenta ainda uma série de problemas. Tem dificuldades para aumentar seu comércio no exterior e isso decorre de problemas como antidumping e outras barreiras tarifárias e não-tarifárias.
DINHEIRO ? No passado, o Brasil foi alvo de duras críticas da comunidade internacional por não cumprir à risca as regras comerciais. Isso já mudou?
MOORE ? Eu nunca concordei com essas críticas. Na verdade, nesse meio todo mundo critica todo mundo, mas por razões políticas. O Brasil possui uma diplomacia da mais alta qualidade. É só ver o ministro (Luiz Felipe) Lampreia. Eu gosto muito dele. Durante as negociações, as pessoas param e o escutam. E ele é muito duro.
DINHEIRO ? Que nota o sr. daria para a nossa política comercial, que recentemente foi reavaliada pela OMC?
MOORE ? Eu nunca faria isso. É errado. Se fizesse isso, alguns países poderiam ficar mal. O que não é o caso do Brasil, posso garantir. O País está no topo. A maior prova disso é que tem muita gente interessada no Brasil, pois já é um dos grandes players, um grande produtor, e que possui produtos de qualidade.
DINHEIRO ? Como o sr. vê esses acordos regionais que estão sendo firmados em todo o mundo?
MOORE ? Um economista purista diria que esse modelo provoca uma série de distorções, de divisões, e, em diferentes níveis, traz vários problemas. Mas eu entendo por que os países estão buscando esses acordos. O interesse vai além do comércio. Esses acordos estão ligados a paz, estabilidade e sociedade. Então, não acho que haja tantas contradições como se diz. É claro que existem. Por exemplo: todo mundo só quer saber de negociar com México, Brasil e com os Estados Unidos. Ninguém, porém, se interessa pelas pequenas economias, que correm o risco de ficar à margem do processo. E isso é perigoso. Mas eu diria que os processos têm sido positivos de uma forma geral. Digo isso embora a OMC não seja um organismo regional, mas, sim, multilateral.
DINHEIRO ? O sr. está envolvido em uma empreitada para relançar a Rodada do Uruguai. Tarefa nada fácil. O sr. tem um plano, uma estratégia para tornar isso realidade?
MOORE ? São os ministros os que estão encarregados dessa tarefa. Mas temos uma estratégia, sim. Até o final do ano esperamos ter uma definição clara de quando e onde será sediada a nova rodada de negociações. No momento, trabalhamos com três opções: Genebra, Catar e um terceiro país, que ainda não está totalmente definido e, por isso, não estamos tornando pública a informação. Eu, pessoalmente, gostaria que fosse num país em desenvolvimento. Mas a decisão final caberá aos ministros.
DINHEIRO ? Por que escolher um país em desenvolvimento? Os riscos de protestos não seriam maiores?
MOORE ? Porque seria um sinal de que não é só pelos países desenvolvidos que estamos fazendo isso. Mostraria que estamos ao lado das economias menores.
DINHEIRO ? Nesse relançamento da Rodada do Uruguai será possível se avançar em pontos nevrálgicos como antidumping, propriedade intelectual e avanços tecnológicos, cujo debate está parado há anos?
MOORE ? Sem dúvida. Nós temos que avançar. Não há outra saída. Aliás, não vamos fazer o relançamento a não ser que todos se mostrem dispostos a avanços. Assim como o Brasil e outros países querem discutir antidumping e agricultura, os ricos também têm suas demandas. Cada um terá que ceder um pouco.
DINHEIRO ? Mas como fazer isso com o ceticismo que ronda as negociações?
MOORE ? É preciso entender que parte das críticas em torno desses assuntos reflete muito mais o medo que muitos países têm das negociações. Outras, é claro, são construtivas.
DINHEIRO ? Que avanços podemos esperar?
MOORE ? Nós realmente não sabemos até onde poderemos ir. Mas temos feito todo um trabalho de bastidor. Os primeiros resultados já começaram a aparecer e algumas negociações estão a caminho. É o caso das discussões na área agrícola, de serviços, competição e tarifas industriais. É preciso deixar claro que ainda são discussões, não negociações. Mas esse é o processo normal e estamos avançando. Afinal, discussões levam a negociações.
DINHEIRO ? Que sinais indicam um desejo maior em negociar esses pontos?
MOORE ? Não posso falar sobre a posição de um determinado país. Mas tenho observado mudanças de atitude. Cultivo o hábito de iniciar as reuniões ministeriais sempre com a mesma pergunta: ?Quem tem uma posição diferente da adotada em Seattle, que levante as mãos?, digo. Há seis meses ninguém se dignava a levantar as mãos. Agora, porém, com as negociações, as mãos já começam a se mexer. Tem havido movimentos, inclusive em favor da questão agrícola.
DINHEIRO ? É de conhecimento público que os países ricos possuem uma série de mecanismos protecionistas, mas que são muito bem camuflados…
MOORE ? É por isso que precisamos de uma nova rodada de negociações. Não podemos fazer nada que não conste de nossas acordos e regras.
DINHEIRO ? O sr. concorda que é preciso rever os subsídios agrícolas?
MOORE ? É claro. Afinal, todos os subsídios agrícolas praticados pelos países ricos representam mais que todo o PIB dos países africanos. Se a agricultura fosse liberalizada e os subsídios eliminados, esse valor corresponderia a três vezes toda a ajuda canalizada para os países em desenvolvimento.
DINHEIRO ? Os protestos contra a atual política têm, então, razão de ser?
MOORE ? Sim. Há razões para os protestos. Os países menos desenvolvidos têm apenas um por cento do comércio mundial. Muitas pessoas dizem que o sistema é injusto. Mas, por outro lado, muitos países em desenvolvimento dizem, também, que as regras têm sido boas. Que elas os têm obrigado a se disciplinar e a resolver seus problemas e não mais adiá-los.
DINHEIRO ? Por exemplo.
MOORE ? É o caso da Coréia do Sul. Há 30 anos, a qualidade de vida desse país era semelhante à das Guianas. Agora, já é semelhante à de Portugal. Tenho visto os indicadores de qualidade de vida da maioria dos países da Ásia crescerem nesse período. E veja quanto Portugal tem elevado seus níveis de vida desde a integração com a Europa.
DINHEIRO ? Algumas regras não favorecem os países mais ricos?
MOORE ? Eu não aceito essa história de que as regras discriminam um país apenas porque ele está em desenvolvimento. Mas é verdade que alguns dos acordos podem não ser tão justos quanto se gostaria, como no caso da agricultura, dos têxteis.
DINHEIRO ? A retaliação de US$ 1,4 bilhão que a OMC autorizou o Canadá aplicar contra o Brasil, na disputa envolvendo as indústrias de aeronaves Bombardier-Embraer, foi injusta?
MOORE ? Nunca vou discutir essa questão. Faz parte do sistema arbitrar e, é claro, que há custos para uns. Mas é para isso que existimos. Há decisões que precisam tomadas.
DINHEIRO ? Mas quando ocorrem episódios como o da Bombardier-Embraer, no qual o Canadá saiu vitorioso, não fica parecendo que o país rico foi favorecido pela OMC? O governo canadense também dava subsídios…
MOORE ? Não é a OMC. São os países que determinam as regras. É o nosso sistema. Não se pode falar que é a OMC. Quanto a essa história de que há pressão dos países ricos talvez isso fosse verdade no passado. Mas não hoje. Isso não funciona mais.
DINHEIRO ? É possível a OMC adotar políticas de maior tolerância com os países em desenvolvimento?
MOORE ? Há espaço para isso. Qualquer coisa é possível, desde que haja negociação.
DINHEIRO ? Qual o impacto que a adesão da China à OMC deve ter sobre a economia mundial?
MOORE ? Vai afetar todo mundo. Não tenho dúvidas que vai afetar outras economias e aumentar o grau de competição entre os países em todo o mundo. Mas a diferença é que o país estará sujeito às regras comerciais, o que não acontece hoje.
DINHEIRO ? E especificamente o Brasil. Será afetado?
MOORE ? É claro que haverá conflitos.