08/04/2019 - 7:37
O escritor britânico Anthony Pereira, diretor de pesquisas sobre o Brasil no King’s College de Londres – um dos principais centros acadêmicos do Reino Unido -, diz que o discurso economicamente liberal do presidente Jair Bolsonaro está sendo superado por outras narrativas que não ajudam a imagem do País no exterior, como declarações de cunho conservador e sua luta contra a esquerda, mesmo quando ela representa igualdade de direitos e cidadania. Nesta entrevista, o brasilianista, coautor do livro Entendendo o Brasil Contemporâneo, afirma que Bolsonaro deve trabalhar para construir uma base no Congresso e deixar de elogiar ditadores, como Alfredo Stroessner, do Paraguai. Confira os principais trechos:
Após quase cem dias, qual é impressão que Jair Bolsonaro transmite sobre o Brasil?
As mensagens da administração Bolsonaro são um tanto quanto confusas e contraditórias. O discurso economicamente liberal, que parece ser o principal pilar da agenda de reformas, está sendo obscurecido por dois outros discursos, um socialmente conservador e outro que é nostálgico para a ditadura de 1964-85. Isso pôde ser visto quando o presidente Bolsonaro foi para os Estados Unidos. Na entrevista com a jornalista Shannon Bream, da Fox News, ele falou sobre o relacionamento comercial com os Estados Unidos por cerca de 40 segundos. O restante da entrevista foi marcado pelo presidente defendendo suas visões de negros, mulheres e gays, e negando que ele tivesse algo a ver com o assassinato da vereadora Marielle Franco. A Fox apoia Donald Trump e não é um meio de comunicação que o presidente Bolsonaro descreveria como “esquerdista” ou criador de “notícias falsas”, mas ainda assim fez essas perguntas ao presidente. Isso mostra que, fora do Brasil, o discurso econômico está sendo superado por outras narrativas, que não ajudam o Brasil internacionalmente.
Quais são as perspectivas para os próximos meses?
Acredito que o governo está em um momento difícil. Há grandes expectativas de que a reforma da Previdência seja bem-sucedida e comece a reduzir o déficit orçamentário, colocando o Brasil em uma trajetória de crescimento e criação de empregos. No entanto, a reforma proposta pode ser diluída. Além disso, as relações entre o Executivo e o Congresso não parecem ideais.
Bolsonaro é geralmente comparado a Donald Trump. Quais diferenças e semelhanças você vê entre eles?
Ambos usam a mídia social de forma agressiva, gostam de antagonizar os adversários e aumentar o medo e a raiva. Mas em termos de ideologia, políticas e seus partidos, eles são muito diferentes. Trump é um nacionalista econômico e acredita que seu protecionismo está preservando e criando empregos. Bolsonaro tenta vender a ideia de que seu governo é economicamente liberal, que reduzirá o déficit orçamentário por meio da reforma previdenciária, tarifas mais baixas, privatização de empresas estatais e atração de investimentos estrangeiros. Trump não é altamente ideológico. É um negociador, tenta defender setores-chave da economia dos EUA, como aço, automóveis, agronegócio e alta tecnologia. Já Bolsonaro não parece entender a economia e parece disposto a assumir posições ideológicas mesmo quando elas prejudicam os produtores brasileiros.
E na parte política?
O presidente Trump tem o apoio de uma poderosa máquina partidária, o Partido Republicano. O controle dos republicanos sobre o Senado é o motivo pelo qual o presidente Trump não deve perder o cargo se houver um pedido de impeachment. Bolsonaro não tem tal máquina e deve trabalhar muito mais para construir uma maioria no Congresso do que Trump teve que fazer.
Desde o golpe de 1964 nunca houve tantos militares em um governo civil. O presidente, o vice, ministros de Estado e importantes assessores têm origem no Exército. O que isso significa?
O governo e as Forças Armadas se beneficiam mutuamente. Mas há um risco: se o governo falhar, a imagem das Forças Armadas pode ser prejudicada. A deferência que muitas pessoas parecem ter com os militares é uma fraqueza potencial da democracia brasileira. Reflete uma falta de confiança em políticos civis e também uma disposição potencial para aceitar a tutela militar sobre o governo, o que equivale à tutela militar sobre a soberania popular. Isso é perigoso. Em última análise, as pessoas é quem garantem a democracia.
Em viagens ao exterior, o presidente costuma criticar a esquerda, a ideologia de gênero e dizer que quer combater o comunismo, mesmo discurso usado da campanha. Como isso é visto?
Muitas pessoas acham esse discurso desconcertante e anacrônico, algo muito mais relevante para a Guerra Fria do que para as sociedades de hoje. A esquerda tem um papel a desempenhar na democracia. Igualdade de direitos, independentemente de raça, etnia, religião, orientação sexual – e gênero – não é uma ideia ‘comunista’. É claro que é um ideal que não é totalmente realizado em qualquer lugar – pessoas marginalizadas nas democracias capitalistas sabem disso muito bem -, mas sugerir que não é digno como um ideal parece ser um grande retrocesso. Isso divide o Brasil desnecessariamente e também vai contra a Constituição e a jurisprudência do Brasil.
Bolsonaro já elogiou ditadores como Augusto Pinochet (Chile) e Alfredo Stroessner (Paraguai). Há uma percepção de que ele ainda não entendeu a “liturgia do ofício”. O senhor concorda?
Avalio que as críticas estão corretas. O discurso autoritário do presidente obscurece uma grande conquista brasileira dos últimos quarenta anos, que é o desenvolvimento de organizações da sociedade civil e a criação de instituições democráticas viáveis. Também desafia outro ideal que foi reafirmado na transição de regime na década de 1980, que é que a violência do Estado deveria estar sujeita ao estado democrático de direito, e que não deveria ser exercido arbitrariamente. É desconcertante quando o presidente sugere que as ditaduras, incluindo a brasileira, são melhores do que as democracias. Isso enfraquece sua própria autoridade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.