22/11/2017 - 7:38
Pelo menos 13 medicamentos para doenças raras – não ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e obtidos por meio de medida judicial – estão com a distribuição atrasada há mais de dois meses, segundo levantamento realizado por associações de pacientes a pedido do Estado. Sem os remédios, pacientes já têm de lidar com a evolução de suas doenças, mas ainda não há prazo para o retorno da distribuição das doses. O Ministério da Saúde informou que está analisando as ações judiciais de solicitação das medicações e está em fase de compra dos remédios.
O atraso para receber o remédio Elaprase faz a estudante Aveline Cardoso Rocha, de 29 anos, temer pela saúde dos três filhos. Os meninos de 4, 5 e 11 anos, têm o diagnóstico de mucopolissacaridose tipo II, uma alteração genética que pode comprometer a parte cardíaca e a respiratória. O mais velho e o mais novo já enfrentam dificuldades.
“O mais velho está com a síndrome do tubo do carpo: as dores no punho estão insuportáveis e ele não consegue dormir. O analgésico não responde e faz um mês que está assim. O mais novo vai fazer uma cirurgia para drenar a secreção que se instalou no tímpano em janeiro.”
Aveline diz que o filho de 11 anos começou a tomar a medicação aos 5 anos e os outros dois antes de completar 1 ano. Este é o maior período de atraso no repasse que já enfrentou. “É um remédio muito caro, cada ampola custa R$ 9 mil. Os mais velhos tomam três por semana e o mais novo, duas.”
Levantamento feito pelas entidades Instituto Vidas Raras, Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag) e Associação Brasileira de Doenças Raras (ABDR) apontou 13 medicações cujo repasse não é feito desde setembro. Há casos de interrupções, porém, que começaram a ser feitas já no meio do ano, segundo as instituições. “Em torno de 1,5 mil pacientes estão sentindo a falta de medicamentos. O pânico está generalizado, porque algumas doenças são imediatas. Quando o paciente não toma o remédio, ela avança. Outras são mais silenciosas, mas é o remédio que traz o equilíbrio para a saúde”, diz Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras.
O filho de 9 anos da dona de casa Noeli Socorro Gonçalves, de 37 anos, tomava o medicamento Ataluren diariamente havia um ano para tratar a distrofia muscular de Duchenne, doença que causa fraqueza muscular. Ele está desde agosto sem o remédio. “Deu uma piorada. Está andando mais lento e se segurando nas coisas, afetou os movimentos.”
Noeli conta que o filho tomava o remédio três vezes ao dia. “Estou deprimida, porque o medicamento não vem. Se tivesse como comprar, a gente daria um jeito, faria uma ‘vaquinha’. Estamos esperando o Ministério da Saúde.”
Evolução
A evolução da doença e a ocorrência de danos que não podem ser revertidos são os principais efeitos da interrupção do tratamento, segundo a médica geneticista Dafne Horovitz, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM). “Por tempo limitado, não leva a um risco imediato de vida, mas o que piora da doença no período não necessariamente vai ser revertido. Depende do paciente e do curso da doença”, afirma Dafne.
Pacientes que têm Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) e Síndrome Hemolítico-Urêmica Atípica (SHUa) correm mais riscos de evoluir para quadros mais graves e até morrer. Nessas doenças, há a destruição dos glóbulos vermelhos e as pessoas correm o risco de ter anemia e complicações em órgãos como fígado e rins. “A principal preocupação é morrer da trombose”, explica Rodrigo do Tocantins Calado, coordenador do Comitê de Falências Medulares da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular.
O filho de 4 anos da agricultora Aline Parise Tofanin, de 29 anos, está sem tomar o medicamento Eculizumab, mais conhecido como Soliris, desde 12 de outubro. Diagnosticado com SHUa há dois anos e meio, o menino tomava duas doses da medicação por mês. “Ele está perfeito de saúde, mas não pode ficar sem tomar o remédio, porque corre o risco de voltar tudo. A minha maior preocupação é ele voltar a ficar doente. Essa síndrome pode levá-lo a óbito”, diz a mãe.
Regularização
Em nota, o Ministério da Saúde informou que o processo de compra dos medicamentos citados está em andamento, assim como o atendimento aos pacientes. A pasta disse que está analisando e confirmando cada ação judicial para fazer o repasse das medicações e destaca que a medida foi desencadeada após uma auditoria sobre o medicamento Eculizumab, o Soliris, neste ano.
“Dos 414 pacientes, 28 não foram localizados, 5 não residem no endereço informado, 6 recusaram a prestar informações e 13 já morreram. Além disso, cerca de metade não apresentou diagnóstico da doença para a obtenção do medicamento. O custo anual por paciente desse medicamento é de R$ 1,3 milhão. Em relação aos demais, a aquisição e a entrega dos produtos responde a decisões judiciais. A oferta é determinada por cada sentença. Cabe ressaltar que o número de ações judiciais não reflete o número de pacientes, pois existem ações coletivas.”
Informa-se ainda que o ministério criou recentemente o Núcleo de Judicialização, que tem como função detectar fraudes, cumprir decisões e aprimorar o processo de aquisição dos medicamentos. “Em sete anos, a União destinou R$ 4,5 bilhões para atender a determinações judiciais de compra de medicamentos, além de depósitos judiciais. Até agosto deste ano já foram R$ 721,1 milhões do orçamento para atender a demandas de medicamentos. Até o fim deste ano, incluindo também Estados e municípios, a perspectiva é de que o gasto com determinações judiciais atinja R$ 7 bilhões. O Ministério da Saúde cumpre todas as decisões judiciais.”
O ministério confirmou o envio de doses para o paciente Ricardo Ferreira de Souza e disse que o caso do filho de Noeli Socorro Correa Gonçalves está em “processo de cotação de fornecedor.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.