28/02/2019 - 12:18
A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma das milhares de doenças raras que existem no mundo, sendo que a estimativa é de seis a oito mil tipos. De origem genética, ela afeta principalmente meninos e é a distrofia muscular mais frequente na infância. O desafio é o diagnóstico precoce. Sem ele. há retardamento da melhora na qualidade de vida do paciente.
Murilo Pescatori recebeu o diagnóstico por volta dos sete anos de idade, mas os sintomas começaram a aparecer mais cedo, algo comum na DMD. Mesmo assim, a dificuldade de identificação ocorre porque os sinais podem ser vistos como normais da fase de desenvolvimento da criança.
“Ele sempre foi muito esperto, mas caía muito. Nas aulas de natação, a professora achava estranho que ele colocava muito a ponta do pé no chão. Quando foi para a escolinha, com dois anos e meio, ele fazia os circuitos normalmente, mas com o decorrer do tempo, a professora percebeu que ele tinha certa dificuldade para levantar, pular. Fazia tudo, mas não era como os outros meninos. Eu também achava a panturrilha dele desenvolvida demais”, conta Isabel Cristina Pescatori, mãe do jovem, agora com 19 anos.
A partir desses indícios, ela foi com o filho ao ortopedista, que pediu para ela esperar mais um tempo. Depois de seis meses, Isabel consultou outro especialista e depois mais outros, uma “peregrinação” conforme ela descreve.
“Nenhum médico conhecia, ortopedista não sabia, pedia para fazer uns exames que não levavam ao resultado. Passei com ele por dois neurologistas e nem eles conseguiram descobrir. Até que um neurologista pediu exames de sangue e veio o diagnóstico. Depois disso, conseguimos o tratamento de melhora de qualidade de vida”, diz Isabel.
A pediatra Ana Lúcia Langer, presidente da Associação Paulista de Distrofia Muscular, ressalta a importância dos professores no diagnóstico precoce da doença. “Professor deve avaliar a corrida do menino, pois existe uma diferença sutil. Quando ele começar a usar tesoura, notar que, em vez de fazer um corte, o papel dobra. Quando desenha, normalmente o traço é mais leve”, pontua. “Isoladamente, nada vale, mas se for somar evidências, tem alguns indícios.”
Hoje, Murilo leva uma vida normal. “Me adaptei bem a tomar vários remédios, fazer tratamento. Não foi uma diferença que impactou minha vida, mesmo quando fui para a cadeira de rodas”, afirma. Ele recebeu todo o apoio e respeito da família e dos amigos. A dificuldade que ele aponta é de acessibilidade. “Não tem e quando tem está quebrado”, diz.
O que é distrofia muscular de Duchenne?
A DMD é uma doença hereditária e degenerativa causada por uma mutação genética no cromossomo X. Geralmente, as mulheres são portadoras do defeito genético e não apresentam sintomas, mas em 30% dos casos, a mãe não é portadora e o problema ocorre naturalmente na criança.
A mutação impede a formação da distrofina, proteína fundamental para manter a integridade da fibra muscular, conforme explica o neurologista infantil Marco Antônio de Albuquerque. “Se você não tem essa distrofina, a fibra se rompe e vai perder sua função”, explica. Com isso, a pessoa pode apresentar fraqueza e perda gradativa das funções musculares, incluindo a musculatura pulmonar e cardíaca.
Albuquerque, que é responsável pelo atendimento de pacientes com distrofia de Duchenne no Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, diz que, na última década, importantes avanços permitiram entender melhor a doença e criar estratégias de tratamento, mas ainda se observa que a idade do diagnóstico permanece a mesma.
“Estudos mostram que a média de diagnóstico nos diferentes países varia de quatro a cinco anos. Isso já é tarde, quando os primeiros sintomas ocorrem muitas vezes já no nascimento. Tem sempre um atraso de dois anos no diagnóstico. No HC, a média é de sete anos”, comenta o neurologista.
Sintomas e diagnóstico
Albuquerque aponta sinais básicos que podem indicar a doença: atraso no desenvolvimento motor, não andar entre 16 e 18 meses, atraso da fala e hipertrofia de panturrilha. Neste último caso, embora possa aparecer em outras distrofias, na DMD é mais frequente. O aumento dessa parte do corpo ocorre devido a uma infiltração de gordura nos músculos que estão com fibras rompidas.
Outra indicação que pode ser verificada em casa, na escola ou no consultório é o sinal de Gowers, manobra em que a criança usa as mãos para “escalar” o próprio corpo a partir de uma posição agachada, porque não tem força muscular no quadril e nas coxas.
Além dos sinais clínicos, é importante solicitar um exame de sangue para analisar os níveis de CK, enzima que é liberada no sangue quando os músculos estão danificados. Taxas extremamente altas, acima de dois mil, indicam distrofia.
Desafios
“Há um medo, uma desestruturação por conta do que vai acontecer depois. Por ser uma doença degenerativa, a cada fase surge uma situação nova, uma dificuldade nova, (a pessoa) vai passando por perdas”, diz Maria Clara Migowski, integrante do conselho administrativo da Aliança Distrofia Brasil e presidente da Associação Carioca de Distrofia Muscular.
É assim que ela descreve as primeiras dificuldades para pacientes e famílias que se deparam com um diagnóstico de distrofia de Duchenne. Outro problema é a necessidade de tratamento inter e multidisciplinar, pois, segundo ela, a maioria dos Estados brasileiros não oferece os tratamentos.
“Às vezes, a família fica a semana inteira indo cada dia numa terapia diferente. Agora, estão surgindo novas tecnologias que dão sobrevida, mas vem um novo problema que é o acesso. Os medicamentos e equipamentos não são baratos, e o objetivo de todos nós, familiares e associação, é que essas tecnologias sejam incorporadas ao SUS, que se consiga acesso mais fácil”, afirma Maria Clara.
Murilo, por exemplo, precisa de fisioterapia, hidroterapia, aparelhos ortodônticos e exercícios para o pulmão, além dos medicamentos que retardam a progressão da doença. Segundo a mãe dele, todos os serviços são pagos.
Diagnóstico precoce
As doenças raras podem afetar diferentes partes do corpo e alterar diversos sistemas. Por isso, a endocrinologista Erika Bezerra Parente, presidente da Comissão de Campanhas em Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), ressalta a campanha da instituição neste 28 de fevereiro, que celebra o Dia Mundial de Doenças Raras.
“São doenças graves, boa parte delas levam ao óbito precoce, mas que têm tratamento. Por isso a gente faz o alerta da importância do diagnóstico precoce e, para quem já identificou, procurar médicos específicos, porque, às vezes, tratam com não especialistas”, diz.
No caso da distrofia de Duchenne, a médica explica que doenças musculares têm risco aumentado de diabete pelo fato de a musculatura não ser saudável para captação de glicose no sangue. Assim, um acompanhamento com endocrinologista também se faz necessário.