22/03/2025 - 7:00
Para compensar a perda de arrecadação com a proposta de isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês, o projeto de lei enviado pelo governo Lula do Congresso prevê uma tributação maior dos chamados ‘super-ricos’, incluindo a cobrança de imposto de quem recebe dividendos no Brasil ou no exterior.
A tributação dos dividendos via Imposto de Renda, todavia, não recairá sobre todos os investidores. O governo propôs a tributação de lucros e dividendos que excedam R$ 50 mil por mês, ou R$ 600 mil por ano, com uma alíquota progressiva que pode chegar a 10% ao ano. Vale destacar que atualmente estes rendimentos são isentos para todas as faixas de renda.
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O texto ainda pode sofrer alterações dos parlamentares e, caso seja aprovado pelo Congresso, as regras passam a valer somente em 2026.
Entenda abaixo como funciona hoje a tributação, quem paga e o que pode mudar:
Quem pagará imposto sobre os dividendos?
A nova regra proposta pelo governo afeta quem recebe mais de R$ 50 mil por mês em dividendos de uma mesma empresa. Em outras palavras, um investidor da Bolsa que recebe dividendos de várias empresas, mas nenhum deles ultrapassa esse valor isoladamente, não será taxado.
Já quem tem empresa própria ou investimentos que rendem dividendos altos de uma única fonte, e esse valor mensal superar R$ 50 mil (ou R$ 600 mil no ano), será taxado.
A ideia é tributar os grandes recebedores de dividendos, sem afetar investidores menores. Segundo o Ministério da Fazenda, apenas 141 mil contribuintes (0,13% dos contribuintes do IR) serão afetados pela medida classificada pelo governo como “justiça tributária e social”.
Como será feita a tributação
Na regra atual, os dividendos estão isentos de imposto de renda – tanto proventos vindos de investimentos como ações quanto proventos vindo de Fundos Imobiliários (FIIs) e Fiagros.
A cobrança dos dividendos será feita diretamente na fonte, ou seja, a empresa que distribui os dividendos já descontará o imposto antes de pagar ao investidor. Assim, não será necessário declarar esses rendimentos separadamente na declaração de Imposto de Renda.
A tributação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), que é uma outra forma de pagar proventos a acionistas, também ocorre desta forma.
Além disso, o governo fez uma regra a parte para empresas e investidores domiciliados no exterior. Toda remessa de dividendos que sair do Brasil para fora terá uma alíquota de 10%, independentemente do valor.
De quanto será o imposto?
A alíquota proposta é progressiva, podendo chegar a 10% para os valores mais altos. Funciona assim:
- Dividendos até R$ 50 mil por mês → Isento
- De R$ 50 mil a R$ 100 mil por mês → Taxação começa a subir
- Acima de R$ 1,2 milhão por ano → Alíquota máxima de 10%
Como exemplo, em uma situação hipotética, caso você receba R$ 80 mil de uma empresa, apenas os R$ 30 mil excedentes serão tributados.
E a alíquota de 10% será a máxima, para quem ganha R$ 1,2 milhão ou mais. Para o cálculo, primeiro será somada toda a renda recebida no ano, incluindo salário, aluguéis, dividendos e outros rendimentos. Se essa soma for menor que R$ 600 mil, não há cobrança adicional.
Ainda de acordo com a proposta, na hora de calcular o valor do imposto devido no ano, alguns rendimentos são excluídos, como ganhos com poupança, títulos isentos, herança, aposentadoria e pensão de moléstia grave, venda de bens, outros rendimentos mobiliários isentos, além de indenizações. Veja exemplos divulgados pela Fazenda:
Renda Anual | Cálculo da Alíquota Mínima | Alíquota Final | Imposto Mínimo a Pagar |
R$ 600.000 | (600.000 – 600.000) / 600.000 x 10% | 0% | Nada |
R$ 750.000 | (750.000 – 600.000) / 600.000 x 10% | 2,50% | R$ 18.750 |
R$ 900.000 | (900.000 – 600.000) / 600.000 x 10% | 5% | R$ 45.000 |
R$ 1.050.000 | (1.050.000 – 600.000) / 600.000 x 10% | 7,50% | R$ 78.750 |
R$ 1.200.000 | (1.200.000 – 600.000) / 600.000 x 10% | 10% | R$ 120.000 |
Impacto nos mercados de capitais
A avaliação é de que os novos tributos tenham um impacto no fluxo do mercado de capitais brasileiro.
Kleber Cabral, vice-presidente da Unafisco Nacional, comenta que o novo modelo de tributação sobre remessas de lucros e dividendos ao exterior, estabelecendo uma alíquota fixa de 10%, independentemente do valor transferido, deve gerar uma arrecadação significativa para os cofres públicos, mas terá um impacto imediato, com a expectativa de desvalorização dos papéis de empresas mais expostas a investidores estrangeiros.
“A nova regra pode reduzir a atratividade do mercado brasileiro para capital externo, pressionando preços e aumentando a volatilidade no curto prazo. A depender da reação dos investidores, o movimento pode influenciar o fluxo de entrada e saída de recursos do país, exigindo monitoramento atento por parte do governo e do Banco Central”, afirma.
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Alice Porto, a Contadora da Bolsa, avalia que a nova regra pode afetar o planejamento de gestão de caixa das empresas, em situação análoga a quando se aventou o fim dos JCP e diversas empresas optaram por uma remuneração massiva dos seus acionistas já antes da regra entrar em vigor. “Certamente afetará o planejamento de proventos. As empresas se planejarão para as distribuições e devemos ver um cenário parecido com o que ocorreu com o JCP.”
Para Celson Placido, estrategista da Warren Investimentos, as medidas de compensação anunciadas pelo governo são positivas e amenizam os riscos. “Se a compensação com o que foi anunciado hoje – dividendos, tributação para quem ganha acima de R$ 600 mil anuais – for concretizada é benéfico, porque reduz riscos, ficamos no zero a zero”, analisa.
Imposto sobre dividendos é bitributação?
Ao apresentar o projeto de lei de reforma do IR, o governo garantiu que o pressuposto é manter a neutralidade fiscal, sem aumento da carga tributária total no país.
Analistas do mercado, no entanto, consideram que as novas regras propostas configuram bitributação, citando que as empresas brasileiras já possuem um encargo relevante em tributos e impostos.
“A nova legislação pode ser interpretada como uma forma de bitributação, já que muitos desses rendimentos são tributados no país de origem antes de serem remetidos ao investidor”, diz planejador financeiro Harion Camargo.
O Ministério da Fazenda argumenta que o intuito não é tributar os dividendos, mas considerar esses valores como parte da renda dos sócios e investidores na hora de tributá-los. Se eles forem enquadrados como mais ricos mas estiverem pagando o IR mínimo, não haverá tributação sobre os dividendos.
O projeto prevê ainda que a tributação incidente sobre os dividendos também será devolvida caso a empresa que distribuiu os dividendos tenha recolhido o Imposto de Renda sem abatimentos, ou seja, na alíquota nominal de 34% (para a maioria dos setores), 40% (seguradoras) e 45% (instituições financeiras). Caso ultrapasse os percentuais limites, prevê-se a restituição ou crédito no ajuste anual da pessoa física.