Dividir para sobreviver. Esse é o novo lema adotado pelas companhias de tecnologia da comunicação para resistir à crise aberta pelo declínio da Internet. Heresia? Para as empresas, não é. Embora essa estratégia não esteja nos estatutos que regulam as atividades dessas corporações nem nos mais audaciosos manuais de administração, defendem que a organização em unidades reunindo negócios similares vai garantir cortes de custos, ganhos de produtividade e ampliação da eficiência. Anunciada recentemente pelas matrizes, essa política já chegou ao Brasil.
A 3COM brasileira não é mais a mesma desde julho. A filial foi separada inicialmente em duas subsidiárias, com funcionários, estruturas e equipes diferentes. Antes, Vânia Ferro, ex-titular da presidência, comandava sozinha a indústria. ?Todas as decisões serão tomadas por times contratados para pensar especificamente em cada um desses grupos de negócios?, explica Vânia. ?Assim,
as energias estarão concentradas.? Na Lucent, a reestruturação
foi anunciada cerca de dez dias atrás em uma reunião em Londres, na Inglaterra, entre os executivos de todas as subsidiárias. As primeiras medidas foram detalhadas com exclusividade a DINHEIRO pelo presidente local Renato Furtado. Prevê, além da criação de duas unidades, redução no portfólio de produtos e um trabalho comercial dirigido aos 30 maiores clientes que tem em todo o
mundo. ?Só uma ampla reestruturação nos ajudará a superar os percalços enfrentados pela companhia, como os resultados
aquém do estimado?, avalia Furtado. A gigante Cisco Systems,
dona de um faturamento de cerca de US$ 22 bilhões, também
se fragmentou, criando, nos Estados Unidos, 11 novos grupos de tecnologia. Por aqui as mudanças não serão tão grandes, mas o presidente Carlos Carnevali adianta que a área comercial deverá
ser reinventada. ?Sobrevivemos ao caos. Agora, precisamos nos adequar à nova realidade de mercado?, frisa. ?A fonte da
eterna juventude não existe?.

?O crescimento estúpido do mercado americano na década passada e a geração de riqueza proporcionada pela evolução tecnológica transformaram do dia para a noite diversas empresas em megacorporações?, analisa Daniel Domeneghetti, diretor de estratégia da E-consulting, consultoria especializada em Internet, tecnologia e comunicações. ?Mas não é possível crescer sempre?, resume Domeneghetti. Em 2001, os papéis das empresas de tecnologia da comunicação na Bolsa Nasdaq se desvalorizaram sensivelmente. Em 1999 e no ano passado, o índice dos papéis mais negociados chegou a ser de 4.800 pontos. Hoje, não chega a 1.700. O mais trágico retrato da decadência, porém, é a série de números negativos apresentados pelas companhias. A 3COM perdeu US$ 246 milhões só no último trimestre de 2000. O prejuízo também bateu às portas da Cisco. No ano fiscal encerrado em julho último, o balanço mostra perdas de US$ 1 bilhão, contra um lucro fabuloso de US$ 2,6 bilhões registrado entre julho de 1999 e junho de 2000.

Desde sua fundação, a Cisco não pára de crescer. No ano fiscal de 1993, vendeu US$ 500 milhões; dois anos depois superou a marca de US$ 1 bilhão e, em 1999, ostentou a receita de US$ 19 bilhões. Em 2000, levou o baque. Com a web se apagando, a Cisco também começou a perder o brilho. As encomendas escassearam, as aquisições realizadas no auge da era da Internet se tornaram inviáveis e a estrutura montada pareceu, de repente, grande demais. Um plano de emergência foi elaborado. Para subsistir, a Cisco terá que cortar, em um ano, mais de US$ 700 milhões em custos. Além de demitir cerca de 8 mil dos 38 mil funcionários, desfez-se de ativos.

Agora, as filiais em todo mundo estão sendo reviradas com a implantação de uma nova estrutura organizacional. As linhas de negócios serão agrupadas em 11 unidades ? desde acesso, gerenciamento de rede e óptico até armazenamento, voz e wireless. No Brasil, o cenário é um pouco distinto. A subsidiária não foi tão afetada pela queda da Internet, mas mesmo assim começa a se ajustar ao programa. ?A velocidade de crescimento no Brasil em 2000 superou os Estados Unidos e só perdeu para o Japão?, assegura Carnevali. Na sede, o espaço físico ocupado foi reduzido; os vendedores trabalham em escritórios virtuais e a área comercial vem sendo reestruturada para facilitar a comunicação com os representantes das novas divisões de negócios da empresa.

Para rever sua atuação, a 3COM contratou a consultoria McKinsey, que apontou a mesma solução dos concorrentes: fatiar a empresa. Batizado de ?Simplicidade Radical?, pregou a criação de duas unidades de negócios. A Business Connectivity Company (BCC) atende o mercado de sistemas de rede e a Business Networking Company (BNC) ficou com áreas como tecnologia sem fio, roteadores e soluções de telefonia pela Internet. ?Serão subsidiárias, operando como pessoas jurídicas autônomas, liderando seus respectivos mercados?, conta Vânia. No Brasil, a executiva foi escolhida para comandar a BNC e Gustavo De Martini, que já fazia parte do time da casa, passou a dirigir a BCC. ?Equipes independentes poderão pensar só nos produtos e serviços que suas unidades abrangem. Será mais produtivo?, frisa De Martini.

A vida pós-Internet também não tem sido fácil para a Lucent, fabricante de fibras ópticas. ?Sofremos com a queda de receita,
a perda de lucratividade e a queda das ações?, desabafa o presidente Furtado. Para retomar o lucro, a empresa precisa
cortar U$S 2 bilhões em custos. Tem sido uma tarefa ingrata. Desfez-se de várias das empresas que a compõem, está encolhendo o portfólio e eliminou US$ 700 milhões em investimentos neste
ano. Como desfecho da reorganização, as operações serão
alinhadas em duas unidades ? a Mobility Solutions (tecnologia
móvel) e a Integrator Network System (linha fixa). ?Cada uma terá recursos humanos e financeiros próprios?, explica Furtado. Para o Brasil, a reunião em Londres apresentou uma boa notícia. Dos 60 países em que atua, a Lucent escolheu 20 para centralizar as
forças de venda, técnica e administrativa. ?Seremos um dos core-countries da corporação?, festeja Furtado. Pelo menos por aqui,
a empresa que luta para sobreviver demonstra um bom desempenho. O executivo garante que, nos últimos quatro anos, conseguiu multiplicar os resultados por 12.