07/05/2003 - 7:00
Um grupo de cientistas americanos anunciou na última quinta-feira ter desvendado o código genético do Bacillus anthracis, causador do antraz. Houve alguma comoção? Nenhuma. Cinqüenta anos depois que James Watson e Francis Crick descreveram na revista Nature a dupla hélice do DNA ? o artigo foi publicado em 25 de abril de 1953 e lhes valeu o prêmio Nobel ? a engenharia genética tornou esse tipo de anúncio corriqueiro, quase banal. Mesmo os 3,5 bilhões de degraus do DNA humano já foram mapeados em 99,99% do seu conteúdo, conforme informaram há dias os cientistas do Projeto Genoma Humano. Mas se do ponto de vista da ciência o meio século do DNA já é um enorme sucesso, do ponto de vista dos negócios ele está apenas chegando às portas das empresas. O boom da biotecnologia dos anos 90 criou nomes sonoros como Genentech e Biogen ? com faturamento anual de US$ 3,0 bilhões e US$ 1,5 bilhão, respectivamente ? e pôs na Bolsa americana nada menos que 380 empresas de biotecnologia. Apesar disso, ainda não se engendrou um produto que seja o equivalente na área genética ao chip da Intel, assim como não se criou um ramo industrial que faça sombra à indústria de computadores e de software. Existe um próspero setor empresarial ligado à genômica, mas ele ainda é um esboço do que se espera que venha a ser no futuro. ?Nos próximos anos as chamadas ciências da vida estarão na base da maior indústria do mundo?, garante o economista Juan Enriquez, professor da Harvard Business School e autor do livro O futuro e você, publicado no Brasil pela Negócio Editora. Enriquez diz que atividades como agricultura, química e medicina já estão sendo redesenhadas pela disponibilidade de informações genéticas e que nos próximos anos essa revolução se tornará visível e onipresente. ?Em breve as companhias vão depender do código genético, da mesma forma como hoje dependem dos zeros e uns do código binário?, disse ele à DINHEIRO.
A experiência passada sugere que Enriquez está certo. Desde o surgimento do capitalismo, todas as grandes revoluções científicas tornaram-se cedo ou tarde em revoluções tecnológicas e empresariais. O eletro-magnetismo, por exemplo, explodiu como ciência no começo do século e até hoje alimenta toda a indústria baseada na eletricidade e nas telecomunicações. Agora os especialistas acreditam que atingiu-se com as técnicas de bioinformática ? a matemática computacional que permite o seqüenciamento e a interpretação de dados genéticos em larga escala ? o ponto em que a ciência se transforma em negócios. Não é por outro motivo que gigantes mundiais como Monsanto e Pfizer estão gastando bilhões para posicionar-se nesse setor. Todos têm em mente que no início deste século havia mais de 300 montadoras de automóveis nos Estados Unidos, das quais sobraram apenas três. Quem chega primeiro e se instala tem mais chances de permanecer.
?O Brasil está muito bem posicionado nessa revolução?, acredita José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. A instituição está por trás de um investimento de R$ 100 milhões que produziu em cinco anos o primeiro seqüenciamento genético de uma praga vegetal ? o amarelinho, que afeta as plantações de laranja. Esse feito arrancou aplausos do mundo científico, formou mais de 500 especialistas e pôs o Brasil na vanguarda das pesquisas sobre patologia vegetal ? uma área em que o País tem enorme vantagem competitiva e pode transformar conhecimento em lucro com rapidez. ?Na agricultura não trombamos com os americanos. Eles investem pesadamente na genética humana?, diz Fernando Reinach, diretor da Votorantin Ventures. Criado em 2000, esse fundo tem cerca de US$ 100 milhões para investir na criação de empresas brasileiras de biotecnologia. Até o momento já investiu US$ 20 milhões em três delas ? a Alelix, que emprega 25 PhDs e pesquisa remédios contra pragas cítricas; a Canaviales, criada este ano para desenvolver espécies mais produtivas de cana-de-açúcar, e a Scylla, cuja principal patrimônio é o cientista João Meidanes, um dos maiores especialistas do mundo em bioinformática. Essas três empresas, que ainda não dispõem de nenhum produto e apenas gastam em pesquisa, são 100% da biotecnologia empresarial brasileira. Obviamente não é muito, mas é um começo como o Brasil não teve na eletricidade ou na informática. Cinqüenta anos depois, ainda é tempo de pegar uma carona na dupla hélice do DNA.