“Irmãos e irmãs: boa noite.” Não poderia haver palavras mais simples para que um novo sumo pontífice se apresentasse perante os seus fiéis na Praça São Pedro na quarta-feira 13. Mas foi assim, de forma coloquial e despojada, como se estivesse rezando numa paróquia de Buenos Aires, que o argentino Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, filho de um ferroviário e de uma dona de casa que imigraram da Itália, se mostrou pela primeira vez ao mundo como o papa Francisco, em uma noite chuvosa em Roma. “Vós sabeis que o dever do conclave era dar um bispo a Roma”, disse até então Bergoglio. “Parece que os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo para buscá-lo.” 

 

34.jpg

O CEO católico: o papa Francisco abençoa fiéis na Praça São Pedro, na quarta-feira 13

 

O papa Francisco está agora no centro da Igreja e caberá a ele, que se transformou no novo eixo do catolicismo, a missão de revitalizar uma instituição milenar, assolada por escândalos financeiros, acusações de pedofilia e perda de fiéis. Sua escolha para chefiar uma organização com mais de 1,2 bilhão de devotos é simbólica, pois reconhece que o centro de gravidade da Igreja Católica realmente mudou para o Hemisfério Sul. Trata-se de uma decisão política, tomada por um colegiado de 115 cardeais que entendeu que era preciso escolher um CEO mais próximo de onde está o maior rebanho da Igreja Católica e, principalmente, identificado com as demandas sociais da América Latina, da África e da Ásia, regiões consideradas vitais para que a Igreja mantenha sua influência espiritual e geopolítica. 

 

“Não vejo a possibilidade de mudanças nos principais dogmas da Igreja, nem no seu posicionamento em relação a assuntos polêmicos”, afirma Valeriano Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP. “O que deve mudar é a forma com que a Igreja se relaciona com seus fiéis, adotando um modelo latino-americano, mais humanizado e próximo do povo.” Como novo chefe espiritual e político dos católicos, o papa Francisco terá de usar não apenas a sua vocação sacerdotal para lidar com os desvios e escândalos financeiros da Igreja. Será preciso inspirar-se em grandes líderes empresariais e em suas técnicas de gestão. 

 

35.jpg

O CEO e sua corporação: o Papa Francisco faz sua primeira homilia para os 115 cardeais que o elegeram

 

Transparência e governança corporativa deverão ser palavras do manual de administração do novo sumo pontífice, a partir de agora. Em especial, para lidar com o Istituto per Opere di Religione, conhecido como Banco do Vaticano, envolvido em denúncias de lavagem de dinheiro e de métodos obscuros na gestão de ativos estimados em € 6 bilhões. Ele terá também de usar sua capacidade de liderança para conseguir unir as diversas facções que hoje se digladiam na Santa Sé. A divisão ficou clara em sua eleição, na qual os dois grupos – um mais conservador e envolvido com os desvios atuais de gestão, e outro mais progressista, que cobra uma abertura maior da Igreja – só se entenderam quando o nome do então cardeal Bergoglio conseguiu quebrar as resistências de seus pares. 

 

Contou a favor de Bergoglio seu estilo de vida sem ostentação. Ele anda de ônibus e de metrô em Buenos Aires. Preferiu morar em uma pequena casa, em vez do luxuoso palácio episcopal reservado às autoridades eclesiais. Faz também sua própria comida. Em uma demonstração de humildade, lavou e beijou os pés de portadores de Aids. Em sua primeira bênção na Praça São Pedro, pediu que os devotos o abençoassem. Um dia depois de ser eleito, dispensou um carro oficial destinado aos pontífices e optou por um veículo comum para ir até a Basílica Santa Maria Maggiore. Depois, foi pessoalmente ao hotel onde estava hospedado antes do início do conclave pagar a conta e pegar suas malas. 

 

Nesse sentido, seu estilo, como CEO, deve ser o de um executivo austero, como o megainvestidor Warren Buffett, o quarto homem mais rico do mundo, que mora na mesma residência de três quartos, em Omaha, há 55 anos – quando casou pela segunda vez, ele comprou o anel em uma loja que lhe dava desconto, jantou em um restaurante simples e voltou para casa sem comemorações. “Temos agora um homem que conhece muito de perto a realidade dos pobres da periferia do mundo”, diz o bispo Leonardo Steiner, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Esse despojamento franciscano do novo papa, aliado à sua formação jesuíta, será essencial no trabalho de reaproximação da Igreja com seu rebanho e na ampliação de seu mercado. É difícil mudar uma paróquia. O que dirá uma instituição gigante, com 1,2 bilhão de membros espalhados pelo globo. A partir de agora, essa é a missão nada trivial do CEO Francisco. 

 

36.jpg

 

 

Colaborou: Rodrigo Caetano