O salário mínimo, que em 2024 é R$1.412,00, é pago mensalmente pelo trabalho da maior parte da população brasileira – 60,1%, segundo o estudo Síntese de Indicadores Sociais 2023, publicado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Sendo um país com heranças de um período colonial recente, o Brasil enfrenta ainda grandes desafios no que diz respeito ao acesso à direitos básicos por grupos minorizados: uma barreira aos direitos humanos plenos, luta travada em todo o mundo na busca por uma vida digna. Nesse sentido, junto à Agenda 2030 da ONU, se destaca a pauta por salário digno.

Este conceito propõe ir além do mínimo necessário para sobreviver, mas passa a considerar quanto uma pessoa precisa ganhar para viver com conforto e segurança, incluindo a capacidade de criar uma reserva financeira. A principal organização que defende e estuda o salário digno, a Global Living Wage Coalition define-o como:

Uma remuneração recebida por uma semana de trabalho padrão por um trabalhador em um local específico, suficiente para proporcionar um padrão de vida decente para o trabalhador e sua família. Elementos de um padrão de vida decente incluem comida, água, moradia, educação, assistência médica, transporte, vestuário e outras necessidades essenciais, incluindo provisão para eventos inesperados.

A discussão sobre remunerações dignas é recente no Brasil. A Constituição de 1988 garante a todos os cidadãos o acesso à moradia, alimentação, lazer e demais direitos sociais, mas esses direitos ainda não foram plenamente alcançados. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que o salário mínimo no Brasil é insuficiente para cobrir as necessidades básicas. Quase 60% do rendimento de quem recebe o salário mínimo é destinado apenas à cesta básica, sendo insuficiente para suprir contas como aluguel, água, luz e telefone. Para o departamento, o mínimo necessário para atender às necessidades de uma família deveria ser superior a R$6 mil.

O ajuste das desigualdades sociais no Brasil precisa, necessariamente, passar por uma discussão séria sobre salário digno. A fixação nacional do salário mínimo desconsidera diferenças regionais no custo de vida, reforça o ciclo de desigualdade e marginalização e viola o direito de cada pessoa a um padrão de vida adequado. Neste ponto, há também a necessidade de alcançar a equidade, com a atenção voltada a ajustes que incluam todos, de acordo com as necessidades específicas de cada um e em todos os ambientes sociais. Atualmente, o Brasil figura como o 14º país mais desigual do mundo.

O acesso a um salário digno tem impacto em todos os aspectos da vida em comunidade, do interior de nossas casas (como moradias seguras, fora de área de risco, com garantia de alimentação, cultura, tecnologia), ao ambiente de trabalho (com condições melhores de, felizes ou ao menos despreocupados com outras inseguranças, entregar melhores resultados nas atividades desempenhadas), além de saúde, educação ou lazer (para acesso a esportes, médicos, parques, cursos profissionalizantes ou de desenvolvimento pessoal, transporte).

Estar na Agenda 2030 da ONU expande as discussões e incentiva o compromisso dos países na busca por políticas públicas que permitam a transição do salário mínimo para o digno. Não só governos, como empresas e organizações, engajadas ou não na pauta ESG (governança ambiental, social e corporativa – do inglês, environmental, social, and corporate governance), tem a oportunidade de oferecer salários que garantam o bem-estar social. No Brasil, a Natura é um exemplo desse engajamento: embaixadora do Movimento Salário Digno da Onu, atingiu em 2024 a meta de salário digno na América Latina – para todos os colaboradores.

Não é apenas sobre melhorar a remuneração nas organizações, mas integrar uma rede em torno do compromisso com a responsabilidade social e com o desenvolvimento sustentável do país, reconhecendo as barreiras enfrentadas por grupos historicamente marginalizados e colaborando com soluções que avancem na equidade de gênero e raça no mercado de trabalho.

O movimento depende de fornecedores, governos e sociedade civil para gerar um grande impacto e devem ser consideradas políticas, leis, acordos coletivos, custo de vida, demanda de mercado, uma vez que todos são impactados pela definição de um salário digno. Mas não é tão complexo como parece se decidirmos começar a reflexão e ação em volta de nós e nos pequenos espaços que conseguimos mudar e impactar.

**Eliezer Leal é co-fundador e diretor da Singuê, consultoria de diversidade, equidade e inclusão.