26/01/2022 - 9:13
Consciente do risco de polêmica, mas convencido de que seu país deve “entender sua história”, o cineasta israelense Alon Schwarz causou alvoroço com “Tantura”, um documentário sobre um suposto massacre de palestinos em 1948.
Exibido pela primeira vez na semana passada, no Festival Sundance, nos Estados Unidos, “Tantura” aborda a tomada por parte do Exército israelense da vila de pescadores homônima, em maio de 1948, logo após a criação do Estado.
O documentário se baseia, principalmente, na pesquisa de Theodore Katz. Durante a elaboração de sua dissertação do mestrado em história na Universidade de Haifa (norte de Israel) na década de 1990, o então pós-graduando coletou depoimentos de soldados israelenses e residentes palestinos, que evocavam o massacre de moradores desarmados desta aldeia no que hoje é o norte de Israel.
O filme coloca esses soldados na frente da câmera. Alguns negam, veementemente, que civis tenham sido mortos durante os combates e falam de um “mito”. Outros confirmam sem rodeios que as tropas abateram moradores palestinos quando a batalha já havia terminado, às vezes à queima-roupa, na praia.
“Aconteceu”, confessa Yossef Diamant, um veterano da brigada Alexandroni.
“Não se falou sobre isso, e eu não tinha falado antes, (porque) poderia causar um grande escândalo”, acrescenta.
A dissertação de Theodore Katz recebeu excelente nota na universidade, mas acabou imersa em uma polêmica nacional quando suas conclusões foram publicadas em um jornal israelense em 2000.
Veteranos da brigada Alexandroni, unidade que combateu em Tantura, denunciaram o pesquisador por difamação.
O estudante se viu obrigado a pedir desculpas e a afirmar que não houve massacre em Tantura. “Um dos maiores erros” de sua vida, ele diz no filme sobre essa retificação.
– Fossas comuns? –
O número de palestinos mortos nesse povoado mediterrâneo que ficou destruído varia, a depender da fonte das estimativas.
O documentário defende a hipótese de que existem valas comuns na área. Afirma isso depois de entrevistar historiadores e ouvir relatos de testemunhas, principalmente palestinas, mas também na análise de um especialista em topografia.
Comparando mapas históricos e atuais, este último garante que a evolução do nível do solo antes e depois dos combates sugere a intervenção humana para a possível escavação de fossas comuns.
O filme conclui que os palestinos massacrados provavelmente foram enterrados no que hoje é um estacionamento perto da popular Dor Beach.
“Sou sionista. Acho que os judeus devem ter seu próprio Estado, mas é essencial que entendamos a nossa história”, disse o diretor Alon Schwarz à AFP.
“Dizer que não tinha ninguém aqui antes de nós não ajuda. É o mito fundacional da nação, mas acho que temos que amadurecer”, insiste.
As reações ao documentário não demoraram a surgir.
O governo palestino, que tem sua sede na Cisjordânia ocupada por Israel, pediu no fim de semana a criação de uma “comissão internacional” para investigar “crimes e massacres” que podem ter sido cometidos por forças israelenses em 1948.
O principal jornal da esquerda israelense, o Haaretz, pediu, em um editorial, a criação de um “grupo de trabalho” para investigar o caso de Tantura e “escavar e determinar, se os restos de uma fossa comum estão de fato localizados” perto de Dor Beach.
– Nova geração –
“Por um lado, temo que descontem em mim. Por outro, Israel está mudando”, afirma Schwarz, convencido de que a nova geração está preparada para falar sobre os episódios mais sombrios ocorridos em 1948.
Além dos milhares de mortos de cada lado, mais de 760.000 palestinos foram forçados ao exílio, após a criação do Estado de Israel naquele ano e a guerra que se seguiu. Quase 400 povoados, entre eles Tantura, foram arrasados.
Procurado pela AFP, o Exército israelense se recusou a comentar o documentário. Seu diretor garante que o Exército se mostrou “muito aberto e profissional” quando ele entrou em contato para fazer sua investigação.
Para Adam Raz, historiador que participou da produção do filme, o debate sobre Tantura pode ser benéfico para a sociedade israelense.
“Em 100 anos (…) como foi o caso antes, e como é o caso agora (…), nós, judeus e palestinos, continuaremos vivendo nesta pequena terra”, disse Raz à AFP.
“Se quisermos avançar, caminhar para a reconciliação, temos que enfrentar nosso passado”, completou.