09/08/2025 - 10:35
No último século, a primazia da economia americana levou a uma evolução do velho ditado em Wall Street que decreta: “Cash is King” (o dinheiro é rei, em tradução livre). Na versão mais moderna da frase, “o dólar é rei” – uma alusão à posição da moeda como reserva de valor global e meio de troca mais utilizado no comércio internacional. Mas o reinado está sob ameaça, diante do enfraquecimento das âncoras estruturais que sustentaram a hegemonia da divisa desde o colapso do Império Britânico.
Ao longo das últimas semanas, o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) apresentou a mesma pergunta para estrategistas estrangeiros e ex-dirigentes do Federal Reserve (Fed): o dólar ainda é rei? Todos reconheceram o crescente esforço pela desdolarização da economia global, com propostas como a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para adotar um sistema de pagamento dos Brics. No entanto, há também a realidade de que nenhuma das possíveis alternativas consolidou a confiança dos investidores.
O estrategista-chefe de câmbio do Société Générale, Kit Juckes, usa até uma analogia do futebol para ilustrar o fenômeno. A Seleção brasileira já está há duas décadas sem vencer uma Copa do Mundo, mas ainda impõe certo respeito quando entra em campo no mundial. “O dólar é o futebol do Brasil no mercado de câmbio. Nós realmente não acreditamos que o Brasil ficará em baixa para sempre”, compara.
Argumentos esportivos à parte, os últimos anos testemunharam uma erosão dos pilares que garantiram a soberania do dólar. A trajetória fiscal dos Estados Unidos é considerada insustentável e a inflação já não está tão ancorada.
Escolhas políticas ajudaram a acelerar o processo. No governo do ex-presidente Joe Biden, Washington explorou o dólar como um instrumento para punição de transgressões na área geopolítica, com sanções a Rússia e China. O movimento encoraja certos atores a tentar contornar a divisa americana para sair do radar do governo dos EUA, explica Juckes. “E assim há uma importância crescente para o comércio transações cambiais que não envolvem o dólar”, ressalta.
Sob Trump, a ofensiva tarifária ameaça o futuro da globalização, que teve o dólar como protagonista absoluto, conforme alerta o estrategista global de câmbio e juros do australiano Macquarie Group, Thierry Wizman. “À medida que os EUA se afastam deste sistema e não são mais os bastiões da globalização, isso deve levar a uma diminuição no uso do dólar em geral”, destaca.
Se não o dólar, quem?
Ao mesmo tempo, investidores têm cobrado um prêmio cada vez mais alto para financiar a dívida americana pelos Treasuries de curto prazo. Hoje, nenhuma das principais agências de classificação de risco vê os EUA com um rating “Triplo A”, justamente por causa dos déficits fiscais nas alturas.
Para a ex-presidente do Fed de Cleveland Loretta Mester, esse é um gargalo que terá de ser resolvido, mas ainda não é fatal para a moeda americana. “Porque lembre-se: é preciso haver uma alternativa. Qual é a alternativa para o dólar? Qual é a alternativa para os Treasuries”, questiona.
Na corrida por um plano B, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, já apregoou “o momento global do euro”, em uma defesa da abertura comercial em contraste com o protecionismo do presidente americano, Donald Trump. As lacunas no mercado unificado da União Europeia, porém, ainda dificultam a ascensão da divisa europeia, que há uma década protagonizou uma crise existencial. O yuan chinês também vem surfando na escalada da segunda maior economia do planeta, mas é travado pelo fechamento de uma China que, ao contrário dos EUA, não é uma democracia.
Em última análise, quem tem a palavra final sobre a designação da reserva global é o mercado. E o mercado sempre vai escolher a divisa associada à maior e mais líquida economia do mundo, afirma o ex-presidente do Fed de St. Louis James Bullard. No auge das grandes navegações, por volta do século 17, era o florim da Holanda. Com a Revolução Industrial do século 18, os britânicos impuseram a coroa à libra esterlina.
“Esse não é um resultado ditado por qualquer governo”, diz Bullard. “É uma decisão de mercado que precisa ser tomada por milhões e milhões de participantes ao redor do mundo sobre qual moeda eles querem usar. E qual delas eles acham que é a mais líquida para uso em transações internacionais? A resposta hoje é o dólar americano”, destaca.
A quem interessa o status de reserva global?
Na Casa Branca, os benefícios de ter a moeda de reserva global não são um ponto pacífico. A vantagem é o custo mais baixo do crédito, uma vez que todo o mundo está negociando com sua moeda, diz Kit Juckes, do Société Générale. Por outro lado, uma demanda muito forte dificulta a condução da política monetária nos EUA. “É uma faca de dois gumes”, resume Juckes.
O tombo do dólar no primeiro semestre engrossou o coro de questionamentos sobre o tema. Mas em termos de comércio e precificação, o dólar continua rei. “Embora a justificativa seja muito boa do ponto de vista da gestão de risco, ainda estamos muito longe de o dólar ser desafiado em relação ao seu papel fundamental no sistema monetário internacional”, comenta o estrategista-chefe de investimento na América Latina da BlackRock, Axel Christensen.
*Este conteúdo foi produzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado pela equipe editorial do Estadão/Broadcast. Saiba mais em nossa Política de IA.