O dólar voltou a disparar nesta sexta-feira, 28, no Brasil, chegando a ser cotado a R$ 5,60 reais durante a sessão e encerrando no maior valor desde janeiro de 2022, em mais um dia de tiroteio retórico entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com as cotações sendo impulsionadas ainda pela disputa em torno da taxa Ptax de fim de mês e trimestre.

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A moeda norte-americana à vista encerrou o dia cotada a R$ 5,5907 na venda, em alta de 1,50%. Este é o maior valor de fechamento desde 10 de janeiro de 2022, quando encerrou em R$ 5,6723. No mês, a divisa acumulou alta de 6,47% e, no trimestre, elevação de 11,47%.

Às 17h09, na B3 o contrato de dólar futuro de agosto — que passou a ser o mais líquido nesta sexta-feira — subia 1,56%, aos R$ 5,6130.

Ptax

Taxa de câmbio calculada pelo Banco Central com base nas cotações do mercado à vista, a Ptax serve de referência para a liquidação de contratos futuros. No fim de cada mês, agentes financeiros costumam tentar direcioná-la a níveis mais convenientes às suas posições, sejam elas compradas (no sentido de alta das cotações) ou vendidas em dólar (no sentido de baixa).

Nesta sexta a disputa se tornou ainda mais importante já que a Ptax também era a do encerramento do trimestre, que serve de referência para balanços de empresas com operações internacionais.

Neste cenário, após atingir a cotação mínima de R$ 5,5861 (+1,41) às 9h01, pouco depois da abertura, o dólar foi puxado pelos investidores comprados e se firmou rapidamente no território positivo — na contramão do exterior, onde a moeda norte-americana cedia ante as demais divisas de emergentes.

O dólar no dia

Além da pressão dos comprados, o dólar foi novamente impulsionado pelo mal-estar em torno da situação fiscal e por novas declarações de Lula contra o Banco Central, com Campos Neto também voltando a passar recados ao governo.

No início do dia, Lula afirmou em entrevista à rádio FM O Tempo, de Minas Gerais, que o atual patamar da taxa básica Selic, de 10,50% ao ano, é “irreal” diante de uma inflação que está controlada. Ao tratar do câmbio, disse que o dólar está subindo ante o real porque há “especulação com derivativos”.

Por sua vez, após afirmar na véspera que falas recentes de Lula têm impactado negativamente os preços dos ativos, Campos Neto disse no fim da manhã durante evento em Lisboa que ajustes fiscais muito focados em ganho de receita são menos eficientes e podem ter como resultado menor investimento, menor crescimento econômico e inflação mais alta.

Em apresentação repleta de recados sobre o tema fiscal, Campos Neto afirmou ainda que a desconfiança sobre as contas públicas impacta os juros de longo prazo e as expectativas de inflação.

Profissionais ouvidos pela Reuters afirmaram que a disputa verbal entre Lula e Campos Neto azedou mais uma vez os negócios com dólar, juros futuros e ações, fazendo os ativos brasileiros apresentarem resultados piores que os dos demais emergentes.

O dólar à vista atingiu a cotação máxima de R$ 5,60 (+1,66%) às 15h47 — já após o fechamento da Ptax em R$ 5,5583 para venda.

Operador ouvido pela Reuters pontuou que os investidores seguiam desconfortáveis com a incapacidade do governo em cortar despesas para fazer o ajuste fiscal e com o futuro do BC após a saída de Campos Neto, programada para dezembro. Em função disso, as cotações permaneceram em patamares elevados, com investidores comprados na moeda norte-americana mantendo posições.

Em evento durante a tarde, em Belo Horizonte, Lula voltou a afirmar que não fará ajuste fiscal “em cima das pessoas mais pobres”.

Enquanto o dólar tinha forte avanço ante o real, no exterior a moeda norte-americana cedia ante divisas como o rand sul-africano, o peso chileno e o peso mexicano. Às 17h24, o índice do dólar — que mede o desempenho da moeda norte-americana frente a uma cesta de seis divisas — tinha variação negativa de 0,01%, a 105,880.

Durante evento na tarde desta sexta-feira, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, afirmou que o tema que chama mais atenção no momento é justamente o câmbio, que deixa o Brasil “bastante descolado” de economias similares e segue de maneira rápida para a desvalorização.

Apesar da pressão, o BC segue cumprindo a promessa de somente intervir no mercado de câmbio em momentos de disfuncionalidade — e não em função da alta do dólar por si só. Assim, pela manhã a instituição fez apenas sua operação regular de rolagem de swaps, na qual vendeu todos os 12.000 contratos de ofertados para postergar os vencimentos de setembro.

Ibovespa

O Ibovespa fechou em queda nesta sexta-feira, pressionado particularmente pelo declínio da Embraer, mas terminou a semana e o mês com desempenho acumulado positivo, reduzindo as perdas no ano.

A alta da Vale atenuou a pressão negativa, em mais um dia de avanço do dólar ante o real e alta na curva de juros devido a preocupações fiscais, o que pesou principalmente em ações de empresas sensíveis à economia doméstica.

Índice de referência do mercado acionário brasileiro, o Ibovespa cedeu 0,31%, a 123.923,21 pontos, acumulando alta de 2,13% na semana e de 1,49% no mês, mas ainda recuando 7,65% no ano, de acordo com dados preliminares.

Na máxima do dia, chegou a 124.500,19 pontos. Na mínima, marcou 123.298,10 pontos.

De acordo com o analista Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos, a última sessão da semana, mês e semestre foi de realização de lucros, referendada por declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltando a criticar o Banco Central.

Ele acrescentou que a divulgação de um dado de inflação nos Estados Unidos dentro do esperado atenuou a queda no pregão brasileiro, assim como o desempenho de Vale, principalmente na segunda etapa dos negócios.

Em entrevista a uma rádio, Lula voltou a criticar o patamar atual da taxa Selic, a 10,50% ao ano, afirmando que o nível dos juros é “irreal” diante de uma inflação que está “controlada”, e teceu novas críticas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Em outro momento, à tarde, afirmou também que o ajuste fiscal não será feito em cima das pessoas mais pobres, acrescentando que gostaria de fazê-lo utilizando a rentabilidade dos banqueiros do país.

Na pauta doméstica do dia, dados do Banco Central mostraram que o setor público consolidado registrou um déficit primário de 63,895 bilhões de reais, pior do que as expectativas no mercado e acima do saldo negativo de um ano antes.

Nos EUA, o índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) ficou estável em maio, após aumento de 0,3% em abril, em linha com o esperado, segundo dados do Departamento de Comércio dos EUA. Em 12 meses, passou de 2,7% para 2,6%.

De acordo com o estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves, a leitura do PCE parece ser positiva sob o ponto de vista do combate à inflação, ainda que a queda dos gastos pessoais denote uma desaceleração da economia.

“Ainda é prematuro para afirmar em cortes de juros, mas o dado de hoje deixa o cenário aberto para que tal possibilidade possa se materializar na reunião de setembro, caso vejamos mais evolução positiva na inflação até lá”, acrescentou.

Em Wall Street, o S&P 500 fechou em baixa de 0,41%, enquanto o rendimento do título de 10 anos do Tesouro dos EUA maracava 4,3843% no final da tarde, de 4,288% na véspera, com agentes financeiros também repercutindo debate presidencial.

DESTAQUES

– EMBRAER ON desabou 5,42%, para uma mínima desde meados de maio, o que determinou uma variação negativa de 0,22% para o resultado do mês, reflexo de movimentos de realização de lucros ao final de um primeiro semestre bastante positivo, em que acumulou uma valorização 61,46%

– ITAÚ UNIBANCO PN recuou 0,09% e BRADESCO PN cedeu 0,32%. BTG PACTUAL UNIT fechou em baixa de 3,98%, tendo ainda no radar o anúncio da aquisição de instituição financeira nos Estados Unidos.

– AZUL PN caiu 6,02%, conforme setores sensíveis à economia voltavam a sucumbir ao avanço das taxas futuras de juros em meio a preocupações com o quadro fiscal do país e novas declarações do presidente Lula. No caso da aérea, o avanço do dólar foi mais um componente desfavorável.

– VALE ON avançou 1,07%, endossada pela alta dos futuros do minério de ferro na China, onde o contrato mais negociado na Bolsa de Mercadorias de Dalian subiu 0,18%. No noticiário sobre a mineradora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou a companhia para que pague reparação por tragédias de Mariana e Brumadinho, enquanto a companhia anunciou que concluiu a venda de fatia na PT Vale Indonesia.

– PETROBRAS PN subiu 0,9%, em dia de variações modestas dos preços do petróleo no exterior. A companhia também informou que seu conselho de administração elegeu nesta sexta-feira três novos integrantes da diretoria apontada pela nova presidente-executiva da estatal, Magda Chambriard.

– BRF ON valorizou-se 2,81%, seguida pela sua principal acionista, ajudadas pela alta do dólar ante o real, além de perspectivas positivas de alguns analistas para as operações da BRF no exterior e no Brasil, além da visão de que a redução da alavancagem e melhoria dos indicadores operacionais devem tornar o negócio mais previsível e menos volátil. MARFRIG ON ganhou 1,56%.