21/03/2007 - 7:00
DINHEIRO ? Enquanto boa parte da indústria está com alarmes acesos devido à constante desvalorização do dólar frente ao real, a indústria de importados comemora o aquecimento das vendas. O câmbio ajudou o setor?
JOSÉ LUIZ GANDINI ? Não é bem assim. Muitas informações têm sido publicadas de maneira equivocada atribuindo ao dólar uma falsa explosão das vendas de importados. Estamos crescendo em bases de comparações muito baixas. O dólar fraco não foi suficiente para aumentar a competitividade de um setor que precisa pagar 35% de impostos para comercializar seus produtos no País a ponto de provocar uma explosão de vendas.
“A estabilidade econômica do governo Lula aqueceu o setor de importados”
DINHEIRO ? O sr. quer dizer que a valorização do real não contribuiu para a retomada das vendas de veículos importados?
GANDINI ? O dólar desvalorizado é comum para todas as empresa. Ajudou os associados da Abeiva e também ajudou as montadoras instaladas no País que se beneficiam de acordos de livre comércio estabelecidos pelo Brasil com a Argentina e com o México. O resultado é uma concorrência desleal. Carros dos associados da Abeiva que entram no mercado brasileiro pagando 35% a mais em impostos concorrem com modelos que são trazidos ao País com taxa zero. O Ford Fusion e o Volkswagen Jetta, ambos produzidos no México, são bons exemplos. Esses modelos e mais alguns fabricados na Argentina competem com veículos importados da Europa e Ásia que entram no Brasil com um sistema tributário perverso.
DINHEIRO ? Como explicar a explosão das vendas de importados, então?
GANDINI ? Não houve explosão. No segundo bimestre deste ano, a comercialização de importados cresceu 29,43% com relação ao mesmo período do ano passado, mas muitas marcas amargaram quedas nas vendas. A BMW caiu 6,77%, a Ferrari 40%, a Maserati 50%, a Porsche 38,3% e a Sangyong 50%. A alta foi puxada pela Kia, que conseguiu um bom desempenho com crescimento de 78,15%.
DINHEIRO ? O que explica essa queda tão acentuada de um lado e, de outro, um desempenho tão superior da Kia?
GANDINI ? O problema é que marcas como Ferrari e Maserati vendem pouquíssimos carros. Deixar de vender uma unidade de um mês para outro, representa uma variação relativa muito grande. Isso explica a queda da maioria dos associados.
“As importadoras viram suas vendas caírem de 119 mil carros para 6 mil no ano passado”
DINHEIRO ? E a alta de 78% da Kia?
GANDINI ? Investimos em novos modelos. Esse foi o segredo da empresa que conseguiu puxar para cima todo o mercado. Esperamos continuar assim.
DINHEIRO ? A política econômica não teve impacto algum no desempenho?
GANDINI ? Sim, sem dúvida teve. A estabilidade da política econômica do governo Lula ajudou o reaquecimento das vendas de importados e de nacionais também. Os prazos de financiamento aumentaram, o acesso ao crédito foi facilitado e a confiança do consumidor foi consolidada. Esse cenário, sem dúvida, ajuda nas vendas.
DINHEIRO ? O sr. me parece bastante pessimista principalmente com relação aos efeitos do câmbio no comércio de importados.
GANDINI ? Acho que me expressei errado. Não estou pessimista. O câmbio é flutuante e assim tem que ser. Realmente acho que o ministro da Fazenda Guido Mantega está fazendo um bom trabalho com as ferramentas que possui. O nosso problema é o imposto de importação. Há alguns anos esse imposto foi criado para proteger a indústria automotiva nacional. Só que nossa indústria é forte. Com produtos bastante competitivos não há nada que justifique a manutenção dessa taxa absurda.
DINHEIRO ? A Abeiva tem ido a Brasília negociar esse problema?
GANDINI ? Constantemente. No ano passado fizemos diversas reuniões com o secretário do Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Antônio Sérgio Martins Mello. O governo sabe que o imposto é um grande entrave para o setor e está disposto a conversar. O problema é que a abertura do mercado brasileiro de automóveis está inserida em uma negociação muito mais ampla de comércio exterior.
DINHEIRO ? O fim da Rodada Doha então foi ruim para o setor de importados?
GANDINI ? Sem dúvida alguma. Lamentamos muito o adiamento das negociações. Para quem tem fábrica na Europa foi péssimo. O sucesso da Rodada iria garantir a comercialização de produtos com taxas muito mais competitivas. De qualquer forma, Doha não resolveria o problema dos importadores asiáticos. No Brasil, Kia, Sangyong, Nissan, Toyota, Hyundai e Honda continuariam a pagar taxa de 35% para vender aqui seus modelos importados.
DINHEIRO ? O sr. considera a política externa brasileira deficiente neste sentido?
GANDINI ? Pergunta difícil. Eu sou executivo, não sou político para avaliar o tema.
DINHEIRO ? Mas a definição da política comercial externa tem impactos diretos sobre as importadoras.
GANDINI ? Sim. Mas prefiro não analisar questões de política externa e sim concentrar esforço para tentar resolver nosso problema de dupla tributação.
DINHEIRO ? Alguma intenção de ir a Brasília para voltar a discutir a redução de imposto?
GANDINI ? Sim, essa é e continuará sendo a bandeira da minha gestão na Abeiva. Estamos só esperando o presidente Lula definir os ministérios para que possamos retomar as discussões.
DINHEIRO ? A letargia na definição do primeiro escalão do governo está prejudicando o andamento dos negócios?
GANDINI ? O presidente Lula diz que as coisas estão bem do jeito que estão. Mas não temos uma segurança de quem vai tocar alguns ministérios daqui para a frente. Temos que esperar algumas definições para voltar a conversar.
DINHEIRO ? Qual a proposta que a Abeiva levará ao governo para o segmento de importados?
GANDINI ? Criação de cotas. Esse sistema já funcionou no passado. De 1997 ao ano 2000 podíamos importar 50 mil veículos pagando 50% do imposto de importação. O objetivo era, depois desse período, reduzir a alíquota integralmente, mas o governo voltou atrás e voltamos a pagar os 100%. O resultado é que, de um volume de mais de 119 mil unidades importadas em 1995, caímos para um pouco menos de seis mil no ano passado. É uma diferença assustadora.
DINHEIRO ? Mas a eliminação de impostos não poderia gerar umainvasão de produtos chineses no País?
GANDINI ? Eu, sinceramente, não acredito em nenhum tipo de invasão. Seja de produtos chineses, indianos ou qualquer que seja a origem dos veículos. A indústria automotiva nacional é forte, tem um parque de autopeças extremamente competente e produz veículos de ótima qualidade. De qualquer forma, a criação de cotas colocaria certas regras para a entrada de novos importadores no País.
DINHEIRO ? A Abeiva não enxerga nenhuma ameaça na China ou na Índia?
GANDINI ? Não. Acho muito difícil uma empresa chinesa conseguir vender seus produtos aqui. Eles ainda precisam melhorar muito a qualidade de seus produtos. A única chance de eles chegarem aqui seria por meio de parceria com empresas locais.
DINHEIRO ? Como a parceria feita da Tata com a Fiat?
GANDINI ? Sim. Há vários anos, nós da Kia chegamos a conversar com o grupo Tata para trazer a marca indiana para o País. Esbarramos nas deficiências de qualidade de seus produtos. Agora a situação é outra. Eles se associaram à Fiat para produção de picapes na Argentina. Certamente irá haver um intercâmbio de informações entre os dois parceiros e o produto chega com um nível de qualidade muito mais apurado.
DINHEIRO ? Nenhuma montadora asiática chegou a procurar a Abeiva com o intuito de buscar informações?
GANDINI ? Há alguns anos fomos assediados pela chinesa Chana, mas há muito tempo os contatos foram interrompidos e jamais retomados.
DINHEIRO ? A Mahindra, fabricante indiana, já anunciou que começará a produzir no País. Como o senhor avalia a chegada da primeira montadora indiana ainda este ano?
GANDINI ? A Mahindra trará produtos desmontados e os montará na Zona Franca de Manaus obedecendo às regras locais. Eles também não procuraram a Abeiva.
DINHEIRO ? Um representante da indústria chinesa chegou a dizer que o governo está preparando uma campanha de marketing para convencer o mundo a comprar os carros de grandes multinacionais na China. Uma campanha que difundiria o conceito: ?Você quer um Mercedes-Bez, compre na China.? O sr. não acredita nessa possibilidade?
GANDINI ? Não. Até porque as próprias companhias não permitiram isso. Não teria sentido. Volto a afirmar que na minha opinião o único jeito de as chinesas venderem aqui seus produtos seria com parceria com montadoras que já produzam aqui.
DINHEIRO ? No primeiro bimestre, as vendas de importados cresceram 29%. Esse ritmo deve se manter durante o ano?
GANDINI ? Nossa projeção é de incremento de venda de 7% sobre as 5,8 mil unidades comercializadas no ano passado. Essa é a estimativa para o mercado. Algumas empresas devem crescer bem acima disso, mas porque serão impulsionadas pelo lançamento de novos modelos. Se todas as associadas da Abeiva resolverem investir e trouxerem novidades para o mercado brasileiro, aí sim poderemos ter um desempenho bem maior do que estamos projetando.