27/11/2024 - 19:01
Pela primeira vez na história, o dólar bateu R$ 5,91 em um fechamento de mercado. O recorde da cotação vem em um contexto de incertezas fiscais – motivo que já vem sendo o catalisador negativo em todo o ano de 2024, já que a moeda americana sobe mais de 22% desde o primeiro dia do ano.
O mal-estar do mercado se deve a preocupações com o cenário fiscal no país, com um pacote de cortes de gastos prometido pelo governo federal há semanas prestes a ser divulgado pela equipe econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fará um ‘pronunciamento à nação’ em toda a cadeia de rádio e televisão às 20h30.
+ PlatôBR: Pacote vai incluir teto para reajuste do salário mínimo e taxação de super-ricos
Tudo ia bem até por volta das 13h40, quando uma notícia do jornal “O Globo” citou que o governo anunciará uma isenção do pagamento do Imposto de Renda para quem tem uma renda de até R$ 5 mil mensais.
O mercado já vinha cobrando o anúncio de medidas há semanas. Agora, a frustração vem do fato de que uma isenção representaria justamente o contrário do que os agentes financeiros esperavam, que era um ajuste do lado das despesas, com um pente fino nos gastos.
A isenção representaria, no mínimo, uma renúncia fiscal na casa dos R$ 40 bilhões – o que minimizaria em grande parte os efeitos de um eventual corte de gastos a ser anunciado por Haddad.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que o pacote incluirá não só a isenção, mas também a taxação de super-ricos. “(Estará) tudo. Supersalários, imposto para os super-ricos, vem tudo aí. Pacote completo”, disse.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, comenta que a mudança da faixa de isenção custaria ao menos R$ 45,8 bilhões. Segundo ele, esse cálculo é otimista, pois considera que a tabela do Imposto de Renda seria modificada garantindo-se a focalização do benefício apenas aos contribuintes de renda mais baixa.
“Sendo este o momento de cortar gastos para conferir credibilidade ao ajuste fiscal pretendido pelo Executivo, é arriscado e não recomendável colocar na mesa uma medida de custo elevado em termos de desoneração, cuja compensação exigiria desenho complexo. Além disso, teria potencial para anular os efeitos positivos do anúncio do pacote fiscal, já prometido há várias semanas”.
O economista André Perfeito analisa que, nesse contexto, o Brasil está ‘indo direto e reto para uma recessão’.
O especialista elenca os motivos que o fazem pensar nesta tese:
- A elevação da SELIC por si só já desacelera a economia
- A elevação da SELIC somada a desaceleração econômica irá atingir em cheio as empresas que tomaram dinheiro ao CDI e que esperavam um PIB ainda mais forte que iria reforçar suas vendas
- As famílias brasileiras estão hiper endividadas
- O corte de gastos, por mais que o mercado ache ainda pouco, irá retirar ainda mais da demanda do ano que vem
- O cenário externo não irá ajudar em 2025 com a perspectiva da taxa de juros nos EUA mais altas por conta das politicas econômicas de Trump
“Ao longo de 2024 perdemos todas as chances de encaminhar bem o fluxo financeiro e construir um cenário benigno. Apesar dos dados externos estarem bons, do desemprego estar baixo, da economia ter crescido mais que o esperado, nada disso faz ou dá sentido. Não resta dúvida que a SELIC deve ir para 13% já no início do ano que vem e talvez fosse o caso do Copom subir 75 pontos na próxima reunião para tentar apaziguar os ânimos”, analisa Perfeito.
Helena Veronese, Economista-Chefe B.Side Investimentos, comenta que o dia que deveria ser marcado pelo esperado pacote de contenção de despesas, agora teve a situação revertida e deve contar também com um aumento considerável nos gastos do governo.
“Na dúvida sobre se o anúncio será conjunto ou não, e sobre se o financiamento da isenção do IR será outro além do pacote de gastos, o mercado, claro, se posicionou de forma bastante defensiva. Afinal, se o financiamento desta isenção de IR vier do pacote de gastos, o valor de R$ 70 bilhões passa a ser irrisório“, explica, sobre os rumores que afetaram a cotação do dólar.
Encruzilhada do Planalto contra os juros
Outro tema que está na mesma contenda do dólar são os juros, dado que, diferentemente do esperado no início do ano, o Brasil deve seguir com uma Selic de dois dígitos neste e no próximo ano, inclusive com um ciclo de alta recém iniciado.
Neste contexto, representantes do Governo tem criticado a atuação do Banco Central – ponto que preocupa o mercado.
“O dia começou pressionado com comentários do presidente Lula acerca da trajetória da política monetária, afirmando que a inflação já está controlada e que não justifica o patamar atual de juros visto no mercado”, comenta André Valério, economista sênior do Inter.
O especialista também frisa que a isenção de Imposto de Renda ‘neutraliza’ as expectativas de redução de gastos que estavam sendo esperadas pelo mercado e ‘alimenta os temores de que o governo federal não irá corrigir o desequilíbrio fiscal existente’.
“Além disso, a medida gera impulso fiscal adicional que não é bem-vindo no contexto atual de uma atividade econômica aquecida”, explica.
Nesse contexto, a depender do pronunciamento de Haddad mais tarde, a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem pode contar com novas variáveis no lado fiscal – o que pode inclusive pressionar a decisão a ser mais austera, subindo em 0,75 ponto percentual (p.p.) e com uma Selic terminal na casa dos 14%.
Dólar acumula alta de 22% no ano
O dólar fechou o ano de 2023 em R$ 4,85. Desta forma, a moeda americana acumula uma valorização de 22% desde então.
A valorização vem na esteira de incertezas sobre a política fiscal brasileira, já que o mercado tem intensificado a pressão por medidas mais robustas de contenção de gastos, ao passo que o Governo Federal ainda não apresentou soluções claras.
Nesse contexto, persiste o ceticismo quanto à capacidade do governo de assegurar a sustentabilidade fiscal e cumprir as metas previstas no novo arcabouço fiscal – especialmente de 2025 em diante.
Além disso, também afetam o dólar fatores externos, como a condução da política monetária nos Estados Unidos e a migração de investimentos de mercados emergentes, como o Brasil, para mercados considerados mais seguros.